domingo, 8 de julho de 2018

Intermitente sem trabalho e renda infla estatísticas oficiais de emprego, FSP


Sem os 20 mil contratos da categoria de novembro a maio, saldo de vagas CLT estaria no vermelho


Laís Alegretti
BRASÍLIA
Uma pessoa que assinou contrato intermitente, mas não foi chamada para trabalhar e não recebeu salário é um empregado? Para o governo federal, sim.
Ao divulgar o dado oficial que mede o desempenho do mercado de trabalho formal, o Ministério do Trabalho tem incluído os intermitentes na estatística, mesmo sem saber se de fato trabalharam.
Esse tipo de contratação foi criada pela reforma trabalhista, em vigor desde novembro.

[ x ]
O contrato, também conhecido como zero hora, não prevê uma jornada fixa.
Isso significa que o trabalhador pode ser chamado esporadicamente e só recebe remuneração pelo período que prestou serviço. Se não for convocado, não tem salário.
Desde a divulgação dos dados de novembro, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) traz a quantidade de intermitentes.
O saldo positivo dessa modalidade tem aumentado o resultado geral, apesar de ainda ser pequeno se comparado ao total do mercado de trabalho.
O presidente Michel Temer divulgou que, em maio, foram criados 33 mil novos empregos no Brasil. Mais de 3 mil, contudo, são intermitentes --quase uma a cada 10 vagas.
Procurada pela Folha, a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho disse que, considerando "as especificidades do trabalho intermitente", será feita uma estimativa da proporção de contratados nessa modalidade que efetivamente trabalharam.
"O ministério está estruturando uma estratégia de monitoramento da evolução dessa modalidade de emprego, baseada em amostra estatisticamente definida de estabelecimentos e trabalhadores intermitentes registrados no Caged, com objetivo de verificar a proporção dos empregados admitidos nessa modalidade que estão efetivamente trabalhando no mês de referência, com qual jornada de trabalho e remuneração", informou.
De novembro a maio, o saldo de intermitentes divulgado pelo governo supera 20 mil.
No mesmo período, o resultado geral do Caged —ou seja, todos os tipos de contratação— é de 3,8 mil vagas. Isso significa que, sem os contratos zero hora, o saldo de novembro a maio estaria negativo.
Especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Trabalho, Marcelo de Sousa diz que a intenção é fazer mudanças que acompanhem as novidades da reforma para "preservar a fidedignidade do Caged" e deixar a estatística confiável.
A ideia, diz ele, é diferenciar os contratos zero hora para não contaminar o resultado.
"À medida que o intermitente ganhar fôlego, nossa tendência é dar tratamento diferenciado para enxergar quem está inserido como celetista tradicional daqueles que eventualmente nem trabalharam no mês", afirma Sousa.
Outro fator que pode afetar as estatísticas é a possibilidade de um mesmo trabalhador ter diversos contratos.
O Caged contabiliza a quantidade de vagas abertas e fechadas, e não de pessoas. Isso significa que, se alguém tiver três contratos diferentes, será contabilizado três vezes.
Em maio, segundo o ministério, 25 pessoas tiveram mais de um contrato intermitente.
Como essa modalidade não garante que haverá trabalho de fato, a tendência é que os trabalhadores procurem ter vários contratos para aumentar a chance de serem chamados.
Da mesma forma, empresas devem buscar formar um banco de contratos, de acordo com o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.
"No intermitente, tem a falta de compromisso empresarial. A pessoa não vê um empregado como alguém essencial e não cria um vínculo", disse.
Se o contrato zero hora é um desafio para o Caged, que é um registro administrativo com dados enviados pelas empresas, a captação dessa novidade é mais difícil para pesquisas domiciliares, como a Pnad(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.
A dificuldade começa com o próprio termo, de acordo com Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE. "Intermitente não é uma palavra que está no cotidiano. Fizemos testes e a palavra não é entendida por todo mundo. É um termo que vai pegar? Ou teremos que traduzir?", disse.
Azeredo lembra que o morador que responde a pesquisa não necessariamente é a pessoa empregada. "Se não for, é ainda mais difícil."
Na prática, um intermitente pode ser classificado como desempregado na Pnad, se tiver procurado um trabalho fixo e não tiver conseguido. Também é possível que ele seja classificado como subocupado, se tiver trabalhado menos horas do que desejava.
Os defensores da reforma dizem que o contrato intermitente pode reduzir a informalidade. Para os críticos, contudo, pode ocorrer apenas a troca da jornada fixa pela flexível, sem ganhos ao trabalhador.

sábado, 7 de julho de 2018

Gilmar critica ‘canonização’ da Lava Jato, OESP

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defendeu nesta sexta-feira, 6, em Londres, decisões em que revogou prisões ordenadas por juízes de primeira instância da Lava Jato e afirmou que houve um momento de “canonização” da operação no País, em que qualquer questionamento a ela era considerado “antirrepublicano”. Gilmar disse ainda que a lei de abuso de autoridade é uma das coisas nas quais o Brasil precisa “pensar” para os próximos anos.
“Em um momento houve a canonização da Lava Jato. Então, qualquer decisão contra a ação do (juiz Sérgio) Moro era considerada antirrepublicana, antipatriótica ou ‘antiqualquercoisa’, o que é uma bobagem”, disse Gilmar. O ministro concedeu entrevista ao Estadão/Broadcast em um hotel na capital inglesa, onde participa de um seminário na Universidade de Londres e no qual falou sobre os 30 anos da Constituição brasileira.
“A Lava Jato começou a pensar que era uma entidade, quis legislar, mudar habeas corpus e outras coisas. Depois se viu que eles eram suscetíveis a problemas sérios e que a corrupção estava ali perto, como o caso (do ex-procurador Marcello) Miller”, afirmou Gilmar, em referência ao ex-procurador da República que, na semana passada, se tornou réu por supostamente atuar como advogado do Grupo J&F quando ainda integrava o Ministério Público Federal.
O ministro criticou procedimentos adotados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal não só na Lava Jato como também na Carne Fraca e Satiagraha – operações em que foi questionado por ter revogado decisões expedidas pela primeira instância. Sobre isso, Gilmar disse estar “muito tranquilo”. “Nunca houve uma decisão minha que não fosse confirmada pela turma ou pelo pleno.”
Ele citou que, no caso da Operação Satiagraha, em que revogou por duas vezes ordens de prisão expedidas contra o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity, houve a mesma discussão. “Dei uma liminar (soltando o empresário). Em seguida, o juiz mandou prender novamente e eu dei uma nova liminar para que ele ficasse livre. O processo prosseguiu, e ele foi absolvido.”
Para o ministro, há uma confusão, “às vezes até proposital”, em relação ao instituto da prisão preventiva. “Muitos a idealizam como uma punição imediata, mas não é. A Constituição não quer assim, a lei também não”, disse Gilmar.
Na entrevista, o ministro defendeu a reformulação da lei que trata de abuso de autoridade no País. Neste caso, fez referência ao trabalho do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, responsável pela negociação e assinatura de acordos de colaboração premiada dos ex-executivos do Grupo J&F. Este material fundamentou duas denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer – barradas pelo plenário da Câmara dos Deputados.
“O doutor Janot, de fato, queria derrubar o presidente para isso? Então foi a primeira tentativa de golpe que se fez em 30 anos vinda não de militares”, disse Gilmar. Em seguida, ainda defendeu a discussões sobre os limites dos poderes das instituições de investigação, como o Ministério Público Federal.
“Nenhuma operação dessas pode ser feita em menos de seis meses. Eles comprimiram para menos de três meses, pois o timing tinha a ver com a interferência do presidente na sucessão. Se foi esse o móvel, podemos falar que houve uma tentativa de golpe, e gestada no Ministério Púbico. É algo pensável e precisa ser esclarecido. Passadas as eleições, o Congresso vai reagir a isso”, afirmou, sobre o procedimento que resultou nas denúncias contra Temer.
Abuso de autoridade. “Não estou falando que não é para investigar, não. Agora, faça direito”, disse o ministro. “Isso é também uma coisa na qual precisamos pensar para os próximos 30 anos: lei de abuso de autoridade, responsabilidade”, afirmou. As alterações à lei de abuso de autoridade, de 1965, foram aprovadas no Senado no ano passado e atualmente tramitam na Câmara dos Deputados, para revisão.
No evento na capital britânica, o ministro foi questionado sobre o rumo político do Brasil após as eleições de outubro. “Todos estão muito fechados em seus próprios problemas, mas fui questionado sobre a possibilidade de a direita vencer”, afirmou Gilmar.
Ele voltou a falar sobre financiamento de campanhas. Para o ministro, impedir o uso de recursos de empresas para campanhas não significa que está tudo resolvido. “Sobre a questão de financiamento via igreja, disse que temos alguns sintomas: das 730 mil doações feitas para e eleição de 2016, pelo menos 300 mil tinham problemas. Temos que ter preocupação também com o crime organizado.”

Estado contra a sociedade, FSP

​É um fracasso a tal da CNH Digital anunciada com algum estardalhaço pelo governo. Como mostrou a Folha, depois de nove meses de vigência da inovação, apenas 0,4% dos motoristas carregam a carteira de motorista em seus celulares.
A reportagem relaciona vários motivos para a baixa adesão. Eles vão da ganância de alguns Detrans, que chegaram a cobrar mais de R$ 200 por um serviço cujos custos são irrisórios, até entraves burocráticos, que exigem inexplicáveis comparecimentos físicos dos condutores aos órgãos emissores do documento.
O buraco, contudo, é, a meu ver, mais embaixo. Seja por falta de imaginação, seja pelo desejo de manter o “statu quo”, as autoridades não se empenham de verdade em facilitar a vida do cidadão. Se as polícias já têm, através de seus computadores de bordo, acesso aos bancos de dados de motoristas e de veículos, a atitude sensata é mudar a lei para que ela dispense as pessoas de portar esses documentos, não criar mais versões do papelório.
E isso é menos do que a ponta do iceberg. Existe hoje tecnologia que permitiria ao poder público disponibilizar de forma gratuita (ou por taxas mínimas) uma infinidade de serviços e procedimentos burocráticos. Isso vale para obrigações fiscais, previdenciárias, registros públicos e trâmites jurídicos.
É ridículo, por exemplo, obrigar as partes a contratarem advogados para realizar inventários extrajudiciais e divórcios consensuais, que poderiam simplesmente ser registrados num grande cartório virtual mantido pelo Estado. Aliás, a tecnologia do blockchain, que é essencialmente uma forma de reconhecer e validar consensos, pode em tese aposentar —e com muito mais segurança— vários dos procedimentos que hoje realizamos em cartórios.
É claro que alguns profissionais se veriam privados de suas reservas de mercado e sairiam perdendo, mas, quando se consideram os ganhos para o conjunto da população, não há como hesitar.

E isso é menos do que a ponta do iceberg. Existe hoje tecnologia que permitiria ao poder público disponibilizar de forma gratuita (ou por taxas mínimas) uma infinidade de serviços e procedimentos burocráticos. Isso vale para obrigações fiscais, previdenciárias, registros públicos e trâmites jurídicos.
É ridículo, por exemplo, obrigar as partes a contratarem advogados para realizar inventários extrajudiciais e divórcios consensuais, que poderiam simplesmente ser registrados num grande cartório virtual mantido pelo Estado. Aliás, a tecnologia do blockchain, que é essencialmente uma forma de reconhecer e validar consensos, pode em tese aposentar —e com muito mais segurança— vários dos procedimentos que hoje realizamos em cartórios.
É claro que alguns profissionais se veriam privados de suas reservas de mercado e sairiam perdendo, mas, quando se consideram os ganhos para o conjunto da população, não há como hesitar.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".