Preocupação ambiental com a ‘destruição’ dos Cerrados encerra falso problema doravante
*Alysson Paolinelli e Antonio Licio, O Estado de S.Paulo
30 Dezembro 2017 | 03h15
Em 8/11/2012, há cinco anos, em palestra, abordamos o tema Limites da Agricultura e prognosticávamos que as áreas novas para lavouras nos Cerrados brasileiros estavam prestes a se esgotar, e assim em todo o Brasil: “Embora nós, que trabalhamos com a agricultura, sentíssemos que estávamos perto de atingir os limites de expansão horizontal – áreas novas –, não esperávamos estar virtualmente esgotados, especialmente nos Cerrados da região central, fonte principal de crescimento nos últimos 30 anos e de esperanças futuras. Nossos estudos revelaram que não restam mais do que 7 milhões a 8 milhões de hectares de Cerrados – num total de 192 milhões, dos quais 88 milhões estão ocupados por pastagens e lavouras e mais de 100 milhões de hectares, com reservas e áreas urbanas. Se compararmos ao nível de expansão dos últimos cinco anos (1,5 milhão hectare/ano, parte originária de pastagens), em cerca de cinco anos as áreas dos Cerrados estarão esgotadas”.
E aconteceu. Passados estes cinco anos, os resultados para 2016 mostram que restaram somente cerca de 1 milhão de hectare em condições “aptas 1”: nos Cerrados do Maranhão (500 mil), no norte de Goiás (400 mil) e em Tocantins (menos de 100 mil). Cerca de 2 milhões de hectares no norte de Mato Grosso, também disponíveis, têm precipitações acima de 2 mil mm/ano, impróprias para a produção de grãos.
A técnica aplicada para essa medição baseou-se em tomar as microrregiões do IBGE inseridas no bioma Cerrados, tal como definido pela Embrapa e o próprio IBGE, e em cada uma delas levantar por georreferenciamento: 1) declividades dos terrenos maiores e menores que 12%; e 2) precipitações pluviométricas maiores que 1.200 mm/ano e idem para limites entre 800-1.200 mm/ano e abaixo de 800 mm/ano. As áreas com declividades menores que 12% e precipitações acima de 1.200 mm/ano foram consideradas “aptas 1” para lavouras de grãos; menores que 800 mm, “inaptas” para qualquer atividade sem irrigação; e com declividades maiores que 12% e/ou precipitações entre 800-1.200 mm/ano, “aptas 2”, de alto risco para lavouras, mas aceitáveis para pastagens. Desses resultados foram retiradas as áreas em uso, tais como as dos levantamentos anuais do IBGE, resultando nas disponibilidades potenciais.
Como ainda existem muitos hectares com pastagens de baixa produtividade em áreas “aptas 1”, a tendência será a conversão dessas áreas de pecuária para lavouras, como já vem acontecendo, empurrando as pastagens para as “aptas 2”, onde a tecnologia poderá ajudar a aumentar a eficiência.
Prevíamos, ainda, que expansões de lavouras a partir do esgotamento de áreas novas se dariam por meio de: 1) aumento de produtividade, principalmente via integração lavoura-pecuária; 2) substituição de pastagens de baixa eficiência; e 3) irrigação – esta incrivelmente relegada ou “proibida” por alguns agentes públicos supostamente defensores do meio ambiente. É o que acontecerá.
Alertamos, portanto, toda a sociedade brasileira de que a preocupação ambiental com a “destruição” dos Cerrados encerra, doravante, um falso problema. Fecharemos a contabilidade ambiental dos 192 milhões de hectares dos Cerrados com pouco mais de 90 milhões de hectares de pastagens e lavouras – cerca de apenas 50% da área total.
A sociedade precisa saber que estes mesmos Cerrados – conquistados pela tecnologia agrícola brasileira só a partir da década de 1970 – são hoje responsáveis pela metade da produção agropecuária brasileira (carnes, grãos, madeira plantada, café, cana) e foram indispensáveis para o brasileiro atingir o patamar de povo nutrido perante o mundo: 3.200 kcal/dia per capita e 85 kg de carnes/ano per capita, em média, níveis iguais aos europeus.
Foram, também, indispensáveis para a melhoria da nutrição de países superpopulosos como a China e por retirar de nossas preocupações macroeconômicas o recorrente fantasma das crises cambiais, que travaram nosso desenvolvimento em todos os ciclos de crescimento econômico, como 1973, 1981 e 1998, para citar os mais recentes. Todo este contexto tem propiciado ao Brasil crescimento econômico e bem-estar social nos últimos anos.
Soubemos pela imprensa, todavia, que o príncipe Charles, da Inglaterra, e seu séquito de organizações ambientalistas e mais 23 empresas multinacionais com fortes operações no Brasil, por nós muito conhecidas, reuniram-se em Londres em setembro para mobilizar uma campanha internacional contra produtos agrícolas brasileiros produzidos nos Cerrados, visando a impor “desmatamento zero” ao bioma. Acreditamos que as informações aqui citadas – provavelmente desconhecias por eles – serão suficientes para desmobilizar a empreitada anunciada.
Sugerimos, porém, aproveitar os esforços de mobilização desta gente e lembrar-lhes de que existe, somente na África Subsaariana, 600 milhões de pessoas famélicas, com renda menor do que US$ 2/dia, incapazes de produzir seu próprio alimento, embora com recursos naturais mais do que suficientes para tanto.
Iniciativas de incorporação de parte daquele continente (tão parecido com os Cerrados brasileiros) ao processo de produção de alimentos seriam fundamentais para a superação da fome local. Podemos ajudar e temos a tecnologia agrícola tropical, mas pessoas famintas são os maiores predadores do meio ambiente, como mostra a história recente de alguns países. E, infelizmente, não há ONG nem ética capazes de condená-las.
Temos estudos que revelam que com muito pouco (US$ 5 milhões para cada milhão de pessoas) é possível montar campos de produção de alimentos capazes de tirá-las da fome definitivamente, em vez de simples ajuda alimentar. Estas 23 empresas poderiam iniciar o processo, pelo menos para defender o ecossistema africano, já que alimentar seres humanos parece ser, para elas, “problema menor”.
*Respectivamente, engenheiro agrônomo, ex-ministro da Agricutura, ‘WORLD Food Prize-2006’, presidente da Abramilho; e economista, PH.D e consultor em Brasília