quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Estatuto do Nascituro – qual é o problema?Tramitação não avança porque seria uma barreira para projetos abortistas no Congresso *Dom Odilo P. Scherer

Estatuto do Nascituro – qual é o problema?

Tramitação não avança porque seria uma barreira para projetos abortistas no Congresso
*Dom Odilo P. Scherer
08 Outubro 2016 | 03h05
Desde 2005 a Igreja Católica no Brasil, por iniciativa da assembleia-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dedica a primeira semana de outubro à valorização e defesa da vida e, no dia 8, comemora-se o Dia do Nascituro. Durante essa semana também é lembrado São Francisco de Assis, patrono da natureza e dos animais. No centro dessas iniciativas está a valorização da vida em todas as suas formas.
O papa Francisco dedicou ao cuidado da “casa comum” sua encíclica Laudato Sì (2015), na qual trata da natureza como o ambiente da vida, que abriga e sustenta todas as formas de vida; por isso, precisa ser respeitada e zelada pelo homem, para que ela preserve a sua rica diversidade e não venha a ser destruída. E que seja espaço de solidariedade e de fraternidade, onde todos tenham acesso aos bens necessários para viver.
O texto do papa, mais do que uma “encíclica verde”, é um documento de cunho social e ético, que trata das relações do homem com a natureza e das relações sociais no contexto da “casa comum”. O cuidado prudente da natureza, ou o seu descuido, não traz consequências apenas para a própria natureza, mas também para o homem. Por isso, o pontífice traz na encíclica os conceitos de ecologia humana, relativos ao ambiente dignificante para a vida humana, e de ecologia do homem, referido à natureza do próprio ser humano, que deve ser respeitada, e não manipulada ou deturpada.
Quando se trata da defesa da vida, penso, acima de tudo, na dignidade e inviolabilidade da vida humana e na promoção de tudo o que possa evitar agressões a ela. O ser humano é parte da natureza e depende dela; ao mesmo tempo, ele ocupa uma posição absolutamente única no conjunto dos seres deste mundo; e isso também lhe confere uma responsabilidade ímpar em relação ao cuidado da casa comum e dos outros homens.
Persistem as agressões contra a vida humana e até assumem formas cada vez mais preocupantes. As guerras matam, ferem e desalojam, obrigando populações inteiras a migrar; e onde não há conflitos declarados, como no Brasil, as várias formas de violência matam mais que as guerras em andamento nos vários países. E há também as vítimas das injustiças sociais, da fome ou de doenças e da falta de condições de vida digna e saudável.
E quantas são as vidas humanas excluídas do seu direito de ver a luz! No Supremo Tribunal Federal (STF) está pendente uma decisão sobre a legalidade do aborto de bebês com microcefalia, o que poderá vir a configurar-se como mais um caso de aborto “legal” no Brasil. As questões envolvidas não são poucas, como o conforto da mulher gestante e de sua família, a frustração dos sonhos que toda mãe tem em relação ao filho que gera, o ônus social decorrente do cuidado de pessoas não totalmente autônomas... Mas está em jogo, sobretudo, a decisão de tirar a vida de um ser humano, que teve a infelicidade de ser afetado no seu desenvolvimento cerebral por causas absolutamente alheias à sua responsabilidade. Além do mais, coloca-se o problema do diagnóstico seguro para cada caso, pois, pelo que se sabe, a microcefalia não é passível de ser constada com segurança antes de um estágio avançado da gravidez. Na cultura tecnocrática e da eficiência, temos dificuldades para lidar com as deficiências e fragilidades humanas!
Os “defeituosos” não terão o direito de viver? Só os sadios, os perfeitos, os que saíram conforme a encomenda?
Se o aborto de bebês com microcefalia for aprovado, será aberta uma porta perigosa para a eugenia, que dificilmente poderá ser, depois, fechada de novo. Quais seriam as próximas categorias de fetos ou bebês defeituosos a serem incluídos na lista dos “legalmente abortáveis”?
Alega-se que outros países já resolveram essa questão pela legalização ampla e generalizada do aborto, conforme desejo da gestante ou de terceiros. Infelizmente, isso é verdade, mas não deveria ser tomado como bom exemplo, ou sinal de avanço jurídico e moral a ser imitado. Regimes totalitários, ao longo da História, recorreram à eugenia para “depurar” a população, mas isso tem sido rejeitado pelo senso moral dos povos civilizados.
No Brasil ainda falta uma legislação específica que valorize e tutele a vida humana antes do nascimento. A Constituição brasileira consagra o direito inviolável à vida e no capítulo quinto, inciso décimo, reconhece que a vida humana começa na concepção; apesar disso, a violação do direito à vida de seres humanos ainda por nascer é tolerada e até promovida por projetos que pretendem tornar legal o aborto, quer de maneira generalizada, quer de maneira pontual, para situações específicas.
No Congresso Nacional tramita o Estatuto do Nascituro há vários anos, mas não avança, e os motivos são conhecidos: ele seria uma barreira para projetos abortistas, que também não faltam no Congresso. O estatuto poderia ser um válido instrumento de proteção da vida nascente e causa estranheza constatar que a legislação brasileira não tenha avançado nessa linha.
Também falta uma legislação adequada sobre a manipulação genética e mesmo de embriões. Essas questões, relativamente novas, mas complexas do ponto de vista ético, deveriam merecer uma atenção especial dos legisladores.
O Estatuto do Nascituro não anularia a legislação vigente, nem o Código Penal; e não deixaria de proteger a mulher gestante. Ao contrário, traria maior segurança a ela, dando-lhe garantias para uma gravidez digna e segura.
O equívoco praticado com frequência consiste em opor a gestante ao seu bebê e, com facilidade, é negado o direito deste para resguardar o direito da mãe. O Estado tem a obrigação de cuidar de ambos e de proteger, mais ainda, a parte mais frágil e indefesa.
*Cardeal-arcebispo de São Paulo

OPINIÃO EDITORIAL ESTADÃO As notas do Enem

As notas do Enem

Das 100 escolas com as médias mais altas, 97 são privadas, têm alunos de nível socioeconômico alto e funcionam com turmas pequenas
08 Outubro 2016 | 03h08
Divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, do Ministério da Educação (MEC), as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2015 revelaram que, das 100 escolas com as médias mais altas, 97 são privadas, têm alunos de nível socioeconômico alto e funcionam com turmas pequenas.
Das três escolas da rede pública, todas são colégios de aplicação vinculados a uma universidade federal. Por erro técnico, que já está sendo corrigido, o MEC não incluiu na listagem os institutos técnicos federais. Mesmo assim, a exemplo dos colégios de aplicação, os institutos técnicos têm regime pedagógico e orçamento diferenciados. No grupo das mil melhores do Enem de 2015, apenas 49 são escolas públicas – no ranking de 2014, eram 93, o que dá a medida da tragédia em que se converteu a rede pública de ensino médio. Em outras palavras, as escolas públicas com as maiores médias são exceções no âmbito de um sistema de ensino absolutamente incapaz de assegurar uma formação de qualidade a alunos pobres, cujas famílias enfrentam dificuldades no acesso a serviços essenciais.
Com base nas notas de 1.212.908 estudantes de 14.998 escolas do País, o Enem de 2015 revela, assim, que o sistema educacional brasileiro está longe de cumprir uma de suas principais atribuições, que é a de alfabetizar e formar adolescentes e jovens pobres – condição indispensável para que o País possa reduzir a pobreza. O abismo entre alunos ricos e pobres em matéria de desempenho escolar mostra o aprofundamento da desigualdade social e econômica e, por tabela, a incapacidade da rede pública de formar o capital humano de que o Brasil necessita para voltar a crescer.
O mais grave é que, nesse momento em que o Brasil precisa adotar novas tecnologias e modernizar a economia, o desempenho médio tanto das escolas públicas quanto das escolas privadas piorou em três áreas fundamentais. A nota de Matemática recuou de 481 para 475 pontos, entre 2014 e 2015. Em Linguagens, caiu de 511 para 504 pontos. Em Ciências da Natureza, a queda foi de 487 para 478 pontos. As notas aumentaram apenas em Ciências Humanas e Redação. Essas provas avaliam competências essenciais, como raciocínio matemático, capacidade de relacionar conhecimentos de diversas áreas, habilidade para resolver problemas, leitura e interpretação de textos.
Ao avaliar os números do Enem, dispensando especial atenção para o reduzido número de escolas públicas na lista das mil melhores e apontando a necessidade de reformas urgentes no ensino médio, vários pedagogos lembraram que a situação social dos alunos é um dos fatores que mais pesam na nota. Assim, adolescentes e jovens pobres, além de contarem com pais e mães pouco escolarizados, têm limitado acesso a bens culturais – o que, como um círculo vicioso, reforça sua condição socioeconômica.
Outros pedagogos chamam a atenção para um fator ainda mais importante, lembrando a maneira errática e inepta com que a educação foi tratada nos 13 anos de lulopetismo, ora valorizando a expansão do ensino superior, ora anunciando mudanças de programas concebidos às pressas e com objetivos eleiçoeiros. Os governos do PT deixaram-se levar pela ilusão de que a crise do ensino básico – no qual está incluído o ensino médio – poderia ser superada com aumento dos recursos propiciados pelos royalties do petróleo.
As notas do Enem mostram que essa ilusão resultou em enorme desperdício de dinheiro com programas irrealistas e que faltou gestão competente e um conjunto integrado de ações que envolvessem planejamento, definição de padrões de qualidade, metas realistas e melhor avaliação de resultados. Se a proposta de reforma do ensino médio imposta recentemente por medida provisória pelo presidente Michel Temer vai mudar esse cenário, isso só poderemos saber depois que ela for implementada, o que não deve acontecer antes de 2019. Até lá, as próximas edições do Enem estarão retratando os desastres de 13 anos de lulopetismo no ensino básico.

Quanto “custa” a USP? Quanto “custa” um aluno na USP?, do Meu blog de política e educação, do Otaviano Helene


Publicado originalmente no Correio da Cidadania em 29/junho/2016.
O objetivo deste texto é fazer uma contraposição à afirmação de que o Estado não tem dinheiro e é por isso que a educação vai tão mal em São Paulo. De fato, a educação básica paulista é muito ruim: os professores são mal remunerados e sobrecarregados, as escolas são insuficientemente equipadas e os alunos são tratados de forma indigna. A combinação desses e de muitos outros problemas que conhecemos levam a um baixo desempenho escolar dos estudantes e a altas taxas de abandono escolar antes da conclusão do ensino médio.


Quanto ao ensino superior, o grande problema em São Paulo é a privatização: apenas 7% das vagas de ingresso estão em instituições públicas, sejam elas universidades, faculdades isoladas ou faculdades de tecnologia. Essa pequena participação do setor público é inferior à metade do que se observa nos demais estados e não encontra par em nenhum país. Mas nada disso tem a ver com falta de possibilidades econômicas: essas coisas são frutos de uma política deliberada. Os números falarão por si mesmos.

Quanto custa uma universidade como a USP e qual o investimento por estudante? Para responder a essas perguntas, vamos tomar o ano de 2014 como referência. A razão da escolha desse ano é que já há dados consolidados das contas públicas, das estatísticas de matrículas da USP e informações, ainda que preliminares, suficientemente precisa do PIB e do PIB per capita estaduais. Quando necessário, os valores serão atualizados para meados de 2016.

Dissecando o orçamento

Em 2014, o orçamento total da USP foi de aproximadamente 5,5 bilhões de reais, 4,4 deles originários do governo estadual e o restante de receitas próprias. Entretanto, perto de um bilhão de reais corresponde a pagamentos de pessoal inativo; portanto, tal valor deve ser atribuído à previdência, jamais à educação, à Ciência & Tecnologia (C&T) ou às extensão de serviços à sociedade. Assim, o gasto com ensino, pesquisa e extensão na USP foi, em 2014, da ordem de 4,5 bilhões de reais (1).

Outro aspecto importante a se considerar é que parte dos gastos com os serviços públicos gera, imediatamente, rendas ao próprio ente pagador. Uma dessas rendas corresponde ao IR recolhido sobre os salários dos servidores públicos, que pertence ao estado, não indo ao governo federal. Outra fonte de renda é a contribuição previdenciária dos servidores estatutários (situação típica dos docentes, sendo que os trabalhadores técnico-administrativos são contratados, na quase totalidade, em regime de CLT), recolhida para o próprio estado.

Considerando as informações disponibilizadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Paulistas (Cruesp) e os valores dos salários pagos com base nos sítios de transparência, é possível estimar em R$ 1,5 bilhão a receita gerada ao próprio governo estadual quando este remunera os docentes e funcionários técnico-administrativos. Em outras palavras, quando o valor R$ 4,5 bilhões é colocado na coluna de despesas do governo estadual, 1,5 bilhão de reais é colocado na coluna de receitas.

Caso a USP não existisse, não haveria aquele gasto de cerca de 4,5 bilhões de reais, mas também não teria essa receita de 1,5 bilhão. Portanto, o custo efetivo da USP em 2014 foi da ordem de R$ 3 bilhões, pouco mais do que a metade daqueles 5,5 bilhões que aparecem nos orçamentos.

Ensino, pesquisa e extensão

A universidade faz ensino, pesquisa científica e tecnológica e atividades de extensão. O custo da atividade de pesquisa está diluído de muitas formas em uma universidade: equipamentos, prédios, pessoal, organização de e participação em congressos, viagens de campo, publicações etc. Entrar no detalhe de que parte das despesas de cada área de conhecimento, instituto ou departamento corresponde à pesquisa seria praticamente impossível. Assim, um padrão comumente adotado para estimar o custo da pesquisa em uma universidade é considerar 82,7% dos salários dos docentes com doutoramento e contratados em regime de dedicação integral (2). Usando tal método e considerando os dados dos anuários estatísticos da USP de 2014 e as informação salariais disponibilizadas pelo Cruesp, é possível estimar em cerca de 30% os gastos com pesquisa e em 70% os gastos com ensino e extensão. Portanto, daqueles 3 bilhões de reais, cerca de 900 milhões correspondem à pesquisa e 2,1 bi ao ensino e à extensão.

Assim como a pesquisa, as atividades de extensão estão diluídas em toda a universidade e no dia a dia de seus trabalhadores. Essas atividades correspondem à prestação de serviços diversos à sociedade, manutenção de hospitais, museus, centros de exposição e rádios, organização de seminários, palestras e cursos de extensão universitária, produção e edição de livros e outros materiais, manutenção de sítios de internet com conteúdo didático, paradidático ou de divulgação científica, manutenção de centros de saúde e clínicas para atendimento da população, assessoria (não remunerada) a órgãos públicos, colaboração na elaboração de legislações, manutenção de bibliotecas, acervos bibliográficos e centros de divulgação científica e cultural abertos à toda a população etc.

Entretanto, diferentemente do que ocorre com a pesquisa, não parece haver um padrão comumente adotado para estimar os custos das atividades de extensão em uma universidade. Assim, com alguma arbitrariedade, vamos estimar as atividades de extensão em 200 milhões de reais em 2014 (3).

Combinando essas informações, é possível estimar os gastos da USP em 2014 como sendo, em bilhões de reais, de 0,2 em extensão, 0,9 em pesquisa e 1,9 em ensino, como aparecem na tabela 1. A atualização monetária para abril de 2016, pelo INPC/IBGE, também aparece na mesma tabela.

Tabela 1 - Investimentos em ensino, pesquisa e extensão  na USP em 2014 e atualizado para abril de 2016 pelo INPC, em bilhões de reais.

EnsinoPesquisaExtensãoTotal
20141,90,90,23,0
20162,21,10,23,5

A USP é cara?

Esses custos são muito altos? Para se ter uma ideia de quão pouco significavam 3 bilhões de reais para a economia paulista em 2014, notícias do final daquele ano apontavam que havia R$ 4,6 bilhões “esquecidos” no programa Nota Fiscal Paulista – ou seja, as pessoas preencheram formulários, pediram algumas notas fiscais e simplesmente esqueceram de resgatar os créditos dentro do prazo máximo de 5 anos. Ou seja, alguns poucos bilhões de reais é um valor que as pessoas sequer notam na economia de um estado com mais do que 40 milhões de habitantes e um PIB superior 1,5 trilhão de reais.

Apesar do fato descrito no parágrafo anterior ser suficiente para se perceber quão irrelevante são alguns bilhões de reais em uma economia como a do estado de São Paulo, uma forma mais ortodoxa de responder àquela questão é comparar os valores com as receitas correntes do governo estadual e o PIB do estado. Em 2014, as receitas correntes do estado foram de 178 bilhões de reais e o PIB foi estimado em 1,6 trilhão de reais. Assim, concluímos que o custo total da USP, de 3 bilhões de reais, corresponde a cerca de 1,7% das receitas correntes do governo estadual, sendo 1,1% destinado ao ensino em nível de graduação e pós-graduação, 0,5% à pesquisa e 0,1% às atividades de extensão, como é mostrado na tabela 2.

Tabela 2 - Investimentos em ensino, pesquisa e extensão na USP em 2014 como percentuais das receitas correntes do governo estadual e do PIB paulista (por questões de arredondamento, a soma das partes pode ser ligeiramente diferente dos totais indicados).

EnsinoPesquisaExtensãoTotal
Em relação às receitas1,1%0,51%0,11%1,7%
Em relação ao PIB0,12%0,06%0,01%0,18%

Quando o termo de comparação é a produção econômica total do estado, vemos quão irrisório é o custo de uma universidade: apenas 0,18% do PIB, sendo que o ensino corresponde a cerca de 0,12%.


Quanto custa um aluno na USP?

A USP tinha, em 2014, cerca de 94 mil alunos (62% em nível de graduação, 32% em nível de pós-graduação e 6% com matrículas não definidas). A divisão entre o investimento em ensino da tabela 1 e esse número de alunos indicaria um custo mensal médio pouco inferior a R$ 1.700 por mês a valores de 2014 ou perto de R$ 2.000 a valores de abril de 2016.

Para saber se esses valores são razoáveis, um padrão adequado de comparação é a renda per capita do país. O custo típico do ensino superior em um país, rico ou não, é da ordem da renda per capita nacional e aqueles valores estão cerca de 25% abaixo da renda per capita brasileira e, grosso modo, correspondem a cerca da metade da renda per capita paulista. Portanto, e como têm insistido as entidades representativas dos docentes da USP, da Unesp e da Unicamp, os orçamentos das universidades públicas paulistas precisariam ser significativamente aumentados.

Mas essa simples comparação do custo médio de um aluno na USP ainda não conta toda a história. Cursos em áreas diferentes têm custos diferentes por várias razões, particularmente pela exigência ou não de laboratórios e do nível de complexidade deles. Assim, os cursos superiores poderiam ser separados, para uma análise mais detalhada, em três grupos: aqueles que têm laboratórios complexos, com equipamentos e seres vivos (medicina seria um bom exemplo); aqueles cujos laboratórios são de complexidade intermediária (engenharias, por exemplo); e aqueles cujas atividades não exigem equipamentos e pessoal especializado em grande proporção (como os cursos de humanidades, matemática, economia etc.). Os custos relativos desses três tipos de cursos estão, aproximadamente, na proporção 4:2:1 (4). Considerando que os estudantes estão distribuídos da USP por esses três tipos de cursos nas proporções de 15%, 35% e 50%, um cálculo mais detalhado levaria aos valores indicados na tabela 3.

Tabela 3 - Investimento mensal médio para manter um estudante na USP nos três grupos de cursos considerados; valores de abril de 2016.
Áreas que não exigem laboratórios ou estes são relativamente simplesÁreas intermediáriasÁreas com altas cargas horárias e laboratórios complexos
R$ 1.100R$ 2.200R$ 4.400

Dentro de cada um desses grupos há variações e estudantes de graduação e de pós-graduação podem exigir investimentos diferentes. Entretanto, os valores, embora aproximados, são suficientes para uma conclusão qualitativa. Uma busca na internet mostra que esses valores estão muito abaixo dos valores das mensalidades das instituições privadas que oferecem os mesmos cursos e com a mesma qualidade da USP. Em muitos casos, aqueles valores são inferiores à metade das mensalidades cobradas nessas instituições.

Ainda que não fossem excluídas dos cálculos do custo da USP - e, portanto, dos estudantes - o imposto de renda na fonte e as contribuições previdenciárias, o custo estimado de um estudante no setor público seria inferior ao do setor privado com igual qualidade.

Conclusão

Estimativas feitas com metodologias diferentes, como as indicadas na nota 4, podem levar a resultados ligeiramente diferentes, mas as conclusões qualitativas são as mesmas. Diferentemente do que se costuma afirmar, o custo real da USP - o mesmo valendo para as demais instituições públicas de ensino superior no Estado - é muito pequeno, seja o termo de comparação a arrecadação estadual, o PIB ou o PIB per capita.

O abandono do ensino superior pelo setor público e a consequente entrega ao setor privado nada tem a ver com dificuldades econômicas do estado de São Paulo ou com problemas orçamentários. Como mostra a tabela 4, a privatização do ensino superior no estado de São Paulo é maior do que nos demais estados, qualquer que seja o critério para medi-la, apesar de este ser um dos estados com maior orçamento público estadual por habitante. Privatizar é um projeto, não uma coisa inevitável.

Tabela 4 – Indicadores da privatização do ensino superior no estado de São Paulo. Fonte: sinopses estatísticas do INEP/MEC e IBGE.

Habitantes por vaga de ingresso em instituição públicaConcluintes do ensino médio por vaga de ingressoPorcentagem de vagas no ensino público superior
São Paulo5005,27%
Demais estados3703,217%

Quanto à educação básica, a política do governo estadual se manifesta na forma do subfinanciamento, da sub-remuneração dos trabalhadores e do tratamento desrespeitoso dado aos estudantes e trabalhadores do setor. Nesse nível educacional, a política de privatização ocorre de outra forma: como a educação é tratada como uma mercadoria, cada um que compre a que puder. Nas palavras do secretário de educação paulista, apenas segurança e justiça deveriam ser função do setor público e “tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares” (5).

O custo para manter um estudante na USP é inferior, e bem inferior, ao custo de um estudante no mesmo curso e em uma instituição privada de qualidade equivalente. Além disso, a USP, bem como muitas das instituições públicas de ensino superior, oferecem, ainda que de forma insuficiente, diversos serviços e recursos necessários para a permanência dos estudantes, contribuindo para um melhor desempenho destes e a redução da evasão. Sob este último aspecto, vale observar que a evasão nas instituições públicas de ensino superior é muito menor do que nas instituições privadas (6), fato que faz com que o custo de um aluno formado seja ainda mais favorável no setor público quando comparado com o setor privado.

Não pode haver dúvidas, portanto, que o ensino público superior em uma universidade de qualidade é totalmente compatível com a economia do estado e, comparativamente, muito melhor do que o ensino privado.

Finalmente, vale lembrar que os investimentos em educação, além de promoverem o desenvolvimento cultural e social, têm altos retornos econômicos, pagando-se em períodos que podem ser tão curtos quanto cinco ou dez anos.


Notas:

1)  Os valores correspondentes aos pagamentos de salários incluem o 13º salário e adicional de 1/3 nas férias.

2) Ver, por exemplo, a publicação da Fapesp Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo 2010.

3) O valor arbitrado corresponde a cerca de um décimo das despesas atribuídas ao ensino ou à metade dos orçamentos dos hospitais. Qualquer outro valor que se queira adotar não irá alterar as conclusões qualitativas que se pretende obter.

4) Em um antigo trabalho, publicado resumidamente na Folha de S. Paulo,http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1308200309.htm e cujos detalhes e metodologia estão descritos aqui,

http://blogolitica.blogspot.com.br/2002/08/quanto-custa-uma-boa-universidade.html os custos por estudante foram estimados nas diferentes unidades da USP. Um revisão posterior da metodologia,

http://blogolitica.blogspot.com.br/2010/11/o-custo-do-aluno-na-universidade.html, confirmou sua validade bem como os valores obtidos.

5) Essa e outras opiniões do secretário de educação paulista aparecem em um artigo de sua autoria divulgado no sítio da própria Secretaria de Educação, http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/a-sociedade-orfa, consultado em junho de 2016. Nesse artigo, ele discorda do que é previsto nas constituições federal e estadual.

6) A evasão no ensino público paulista é da ordem de 40%, enquanto no setor privado, é da ordem de 60%.