domingo, 8 de novembro de 2015

É pirata? Pirata não é - CELSO MING


ESTADÃO - 08/11

O WhatsApp, com mais de 900 milhões de usuários no mundo, é só mais uma dessas inovações que vêm contrariando interesses


Lance a lance, segue a briga entre as operadoras telefônicas e o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp que, desde abril, permite também ligações entre aparelhos, desde que conectados à internet.

Ainda não foram formalizadas reclamações à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), organismo encarregado de fiscalizar o setor e, supostamente, também de combater eventuais atos de pirataria.

Mas os administradores das operadoras telefônicas não escondem que um calo está doendo e que pretendem escorraçar os serviços de voz oferecidos por aplicativos do gênero, sob o argumento de que geram concorrência desleal.

Para o presidente da Vivo/Telefônica, Amos Genish, por exemplo, o WhatsApp não passa de instituição pirata que deve merecer tratamento de pirataria por parte da agência reguladora: “Queremos regras iguais para o mesmo jogo”, voltou a defender durante o evento de telecomunicações Futurecom na semana passada.

Em agosto, o então ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, havia comprado a chorumela. Declarou que deve ser regulamentado o funcionamento de aplicativos que hoje ganham rios de dinheiro graças à utilização da infraestrutura das operadoras sem que tenham investido um dólar sequer nas redes. Recém-chegado ao ministério, o ministro André Figueiredo parece aboletado sobre o muro e gostaria de que fosse aceito como mediador entre os interesses em conflito: “Não podemos frear a inovação, mas também é preciso respeitar os investimentos das teles”, afirmou.

As operadoras alegam que, diferentemente de outras plataformas como o Skype, em que o usuário tem de usar o e-mail para se cadastrar e realizar chamadas online, o WhatsApp aproveita a própria numeração do celular, sem que tenha investido na infraestrutura. Ressaltam que pagam taxas, como a do Fistel, por linha ativa, a que o WhatsApp vem escapando. No entanto, a numeração do telefone não é da operadora, mas do cliente. Prova disso é a lei da portabilidade que autoriza o consumidor a levar seu número para qualquer tele.

“O contrato de concessão permite que a operadora administre o plano de numeração. Isso não configura posse – ainda que ela pague o Fistel por número ativo. Trata-se de taxa destinada a fiscalizar o funcionamento do sistema”, explica o advogado Dane Avanzi, presidente da Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil. Avanzi lembra ainda que as teles tiram proveito disso: “Ninguém usa a internet de graça, as operadoras ganham com a contratação de pacotes de dados”.

As reivindicações das operadoras não parecem bem fundamentadas. Começaram por sugerir a adoção de regulamentação para o funcionamento das companhias de aplicativos e serviços de internet, chamadas OTTs (Over The Tops). Mais recentemente, vieram com o discurso da “flexibilização” das regras a que estão submetidas para melhorar suas próprias condições de competição.

No entanto, é discutível que os dois lados operem o mesmo negócio. O diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), o advogado Carlos Affonso Souza, por exemplo, se apega a essas diferenças: “São atividades distintas reguladas por modelos jurídicos distintos. É inviável que os aplicativos que oferecem serviço de voz, como Skype ou WhatsApp, sejam submetidos às mesmas condições dos contratos de concessão, como acontece com as operadoras telefônicas”.

Souza não para por aí. Denuncia como retrógrada a tentativa de regulamentar esses aplicativos, porque não passaria de um jeito de engessar inovações. “Flexibilizar as atuais regras de concessão também não parece bom caminho, porque pode comprometer os investimentos em infraestrutura em áreas menos lucrativas para as operadoras”, observa.

O presidente da Anatel, João Rezende, já se pronunciou: não compete à Anatel regular aplicativos. Na avaliação dele, o serviço do WhatsApp não se confunde com a telefonia móvel, por duas razões principais: não permite chamadas para pessoas que não tenham o aplicativo instalado em seu telefone e, diferentemente da telefonia móvel, depende de acesso à internet para realizar chamadas ou enviar mensagens.

Seja qual for o desfecho desse jogo de pressão, o WhatsApp, com mais de 900 milhões de usuários no mundo, é só mais uma dessas inovações que vêm contrariando interesses, como aconteceu com o Uber, o Airbnb e com outras tantas plataformas que proliferam por aí. \COM LAURA MAIA

Quem paga o pato - AMIR KHAIR


ESTADÃO - 08/11

O governo está num beco sem saída: quer fazer a inflação voltar à meta de 4,5% e vê isso se afastar, indo para 2017, e seu único instrumento é a Selic em nível elevado. Ao querer mantê-la assim por período prolongado, eleva a relação dívida/PIB para romper o teto de 70%. Nessa situação, será certamente rebaixado pelas agências Fitch e Moody’s e perderá o grau de investimento. A equipe econômica foi escolhida para evitar isso e está acelerando esse desenlace.

Essa presidente vem fazendo, e de forma até mais acentuada, a política que foi defendida pelo seu oponente que teria, caso ganhasse a eleição, como ministro da Fazenda, alguém mais relacionado ainda com o mercado financeiro, sempre sequioso de taxas de juros elevadas. Vale lembrar que o seu padrinho Lula havia indicado para ministro da Fazenda o presidente do Bradesco, que, convidado ao cargo, recusou e indicou seu subordinado. Depois dessa, não pode reclamar. É mestre em indicações que não dão certo.

1. Proposta. No entanto há uma saída à mão do governo, que não passa pelo caminho tortuoso do toma lá dá cá do Congresso, escolha infeliz deste governo. Vejamos.

No front externo, que também é observado pelas agências de risco, os indicadores do País são bons. A balança comercial vem surpreendendo positivamente, fazendo o déficit em conta corrente ser reduzido pela metade entre o ano passado e as previsões para este ano. Temos US$ 370 bilhões nas reservas internacionais, cerca de US$ 200 bilhões (!) acima do nível de máxima exposição externa, segundo critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao vender parte desse excedente, atinge-se simultaneamente dois objetivos: a) redução na dívida bruta de mesmo valor da venda e; b) contenção não onerosa do câmbio, o que auxilia na queda da inflação.

Mas, se é assim tão fácil, porque o governo não vende parte das reservas? Porque prevalece ainda a posição de maximizar essas reservas como se isso de fato importasse diante dessa conjuntura. Assim, caminha-se a passos rápidos ao impasse fiscal e, aí, não adianta colocar a culpa em fatores externos nem no Congresso, pois o que predomina na questão fiscal é o déficit com juros, como é apresentado a seguir.

2. Questão fiscal. Numa coisa tem-se de tirar o chapéu para o governo: conseguiu até agora manter o foco fiscal no resultado primário, para esconder o déficit com juros. Vejamos.

Nos nove primeiros meses deste ano, o setor público acumulou um déficit de R$ 416,7 bilhões, dos quais R$ 408,3 bilhões é o déficit com juros, ou seja, 95,2% (!) do déficit público, e apenas R$ 8,4 bilhões é déficit primário.

Considerando os últimos doze meses encerrados em setembro, tem-se desastre semelhante, pois o déficit atingiu R$ 536,2 bilhões, dos quais R$ 510,6 bilhões foi déficit com juros, ou seja, os mesmos 95,2% do déficit público, e só R$ 25,6 bilhões foi primário.

Vale apontar, também, para outro desvio de foco fiscal: o excesso de despesas sociais do governo federal. É o argumento usado pelo mercado financeiro e pelo governo. Em razão deste enfoque equivocado, o Ministério da Fazenda quer nova reforma da Previdência Social, estabelecendo idade mínima para aposentadoria e desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo.

A esperteza deste desvio é tirar o foco do problema fiscal presente, deslocando o problema para o futuro.

3. Inflação. Outro fato que chama a atenção é o fantasma da inflação. Neste ano, pode alcançar 10%! Alto em relação à média dos últimos cinco anos, de 6,11%. Só que há uma particularidade neste ano: a inflação dos preços monitorados atingiu nos últimos 12 meses encerrados em setembro 16,35%, contra a média de 3,97% ocorrida nos últimos cinco anos.

Considerando o peso dos preços monitorados na composição do IPCA, de 24%, vê-se que estão sendo neste ano responsáveis por 41% da inflação contra 15% na média dos últimos 5 anos.

O governo procurou segurar a inflação desde 2010 pela contenção dos preços monitorados. Isso ocorreu não apenas nos preços dos combustíveis e da energia elétrica, que entupiram de dívidas a Petrobrás e Eletrobrás, mas também nas tarifas de água e esgoto feitas pelos governos estaduais e nos preços das passagens do transporte coletivo feitas pelos governos municipais. Parte deste legado é relacionado ao medo de novas manifestações de massa como as ocorridas em junho de 2013.

Essa descarga inflacionária dos preços monitorados neste ano não deve prosseguir no próximo ano, como preveem a maioria das análises.

4. Previdência Social. Vale aqui esclarecer alguns aspectos relativos à Previdência Social.

A partir de 2001, tem-se dados separados para a previdência urbana e rural. A urbana tem caráter contributivo típico de regime previdenciário, no qual se prevê que a aposentadoria se sustente com as contribuições efetuadas. A rural tem o caráter assistencial, pois a contribuição é quase inexistente (2,1% do faturamento rural, onde mais da metade é sonegada) e o valor da aposentadoria é de um salário mínimo. Assim, a rural é deficitária, se não for alocada a ela uma fonte de receita que banque o pagamento de seus aposentados.

Desde 2009, a urbana passou a ser superavitária, ou seja, as contribuições superaram os benefícios. Neste ano, deve dar resultado positivo de R$ 15 bilhões. A rural deve apresentar déficit de R$ 90 bilhões. O conjunto deve, portanto, ter déficit de R$ 75 bilhões (1,25% do PIB).

Em 2001, a previdência teve um déficit de 0,98% do PIB causado pela rural. Neste ano, deve ocorrer déficit de 1,25% do PIB causado por 1,48% do PIB na rural e superávit de 0,23% do PIB na urbana. Assim, em 15 anos ocorreu um aumento de 0,27% do PIB no déficit previdenciário (1,25 menos 0,98).

Nestes 15 anos, o déficit com juros passou de 3,59% do PIB em 2001 para 8,89% do PIB nos últimos doze meses encerrados em setembro, crescendo, portanto, 5,30% do PIB nestes 15 anos. Comparando com o déficit previdenciário, o de juros cresceu 19 (!) vezes mais.

A questão central da Previdência não é o longo prazo, como alardeiam. Como visto, em 15 anos pouco evoluiu esse déficit, que foi causado pela rural, cuja população vem sendo continuamente reduzida. Colocar o foco fiscal aí é desviar a atenção do déficit com juros.

Vale considerar que a gestão das receitas e despesas da previdência pode propiciar mudanças significativas: a) nas contribuições com redução da inadimplência elevada e diminuição das desonerações causadas pelo governo Dilma na quota patronal que prejudicaram as contribuições a partir de 2013 e; b) no adequado controle da concessão dos vários benefícios, sujeitos a desvios de várias naturezas e, em especial, nas pensões sem justificativa.

É fato que tudo na área pública tem largo espaço de melhorias de gestão, mas é comum mudar regras ao invés de usar adequadamente as regras existentes.

De forma geral, os governantes, para se elegerem, prometem mundos e fundos e, como não cumprem, procuram colocar a culpa na falta de recursos, mas pouco fazem para usar adequadamente os recursos de que dispõem. Este governo federal vai pelo mesmo caminho: não melhora sua gestão e fica querendo mais recursos e mais leis, como a que o ministro da Fazenda diz ser necessária, a CPMF.

Com tanta enganação e incompetência, somem e se dilapidam recursos, reduzem direitos, e depois a população que pague o pato.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Aquicultura de verdade, O Estado

XICO GRAZIANO
03 Novembro 2015 | 02h 55
Acabou o Ministério da Pesca e Aquicultura. Ainda bem. Irrelevante, servia de palco para negociatas políticas. Sua extinção livrará o setor produtivo da tramoia. Ganhará o profissionalismo. Sorte dos verdadeiros pescadores e aquicultores do Brasil.
Foi Lula, em 2003, que criou o esdrúxulo ministério, entregando-o ao seu amigo petista José Fritsch, então derrotado para o governo de Santa Catarina. O novo órgão permaneceu satisfazendo o PT catarinense até 2012, quando Dilma Rousseff nomeou o senador Marcelo Crivella (PRB), bispo carioca da Igreja Universal, para comandá-lo. Piada pronta: um pescador de almas no barco. Puro trambique.
Iniciado seu segundo governo, Dilma mexeu nas redes: pôs Helder Barbalho (PMDB), recém-derrotado para o governo do Pará, para cuidar da pesca. Filho de Jader, a familiaridade do moço com a atividade era desconhecida. Não fazia diferença. Importava, como nestes 12 anos de existência, a acomodação política. De quebra, chaves da corrupção.
Enquanto os piscicultores do Brasil sofreram anos tentando conseguir autorizações para uso de águas públicas, duas falcatruas correram soltas no Ministério da Pesca. A primeira, ligada às permissões para a pesca industrial, grandes barcos no mar. Todos sabiam que, há anos, rolava propina nessa matéria, mas se calavam temerosos do poder. Coincidência ou não, na semana passada a Polícia Federal desbaratou a quadrilha, chefiada pelo número dois do antigo ministério, Clemenson Pinheiro. Preso na Operação Enredados juntamente com outras 18 pessoas, eles cobravam uma média de R$ 100 mil por licença para pesca na costa brasileira. O esquema contava com a participação de servidores, armadores, representantes sindicais e intermediários. Uma trama graúda.
A segunda fraude se disfarça com vestes sociais. Existe uma transferência de dinheiro que o governo federal repassa aos pescadores artesanais para compensar sua perda de renda nas épocas do “defeso”, quando o Ibama proíbe a captura de certas espécies visando a proteger a reprodução dos cardumes. Muito bem. Acontece que o combate à pobreza virou uma boca-livre para seduzir eleitorado. Segundo denunciou Marlos Ápyus, o Censo do IBGE (2010) encontrou 413.551 pescadores em atividade no Brasil. Naquele ano, porém, o Ministério da Pesca tinha 853.231 mil pescadores recebendo o “seguro-defeso”, no valor de um salário mínimo por mês, durante quatro meses. Somente em Brasília, onde não existe mar nem rio, existiam 7 mil falsos pescadores recebendo o benefício. Picaretagem da grossa.
Mais que a pesca, a aquicultura vem se destacando na agenda do futuro da alimentação humana. O motivo é óbvio: os cardumes naturais de peixes e crustáceos se esgotam, mundialmente, por causa da pressão exercida pela pesca tradicional, diante da crescente demanda da população. Produzir pescados em cativeiro, bem como reproduzir outros organismos de água doce ou salgada, virou atividade promissora. Ampara-a o extraordinário avanço tecnológico na nutrição e na genética dos espécimes. Basta ver o delicioso, e relativamente barato, filé de saint peter, uma espécie de tilápia, na gôndola dos supermercados. Ou o avermelhado salmão chileno.
Surgiram também as “fazendas” de camarão, instaladas em manguezais ou regiões lagunares próximas ao litoral, especialmente no Nordeste. A carcinocultura, como se denomina tal criação, passou a abastecer o mercado com o camarão “cinza”, menos saboroso, porém bem mais barato que as espécies marinhas. Resultado: democratizou-se o consumo do camarão fresco. Dessa história de sucesso também participam as algas, os mexilhões, as ostras. Sensacional.
Dados oficiais mostram que, da produção brasileira de pescado (2013), 38,4% já se originam da piscicultura. E, desta, grande parte (82%) se origina nas águas continentais, não nas marinhas. Em todo o mundo, a aquicultura responde por quase metade (48,9%) das carnes de pescado. A China responde, sozinha, por 62% da aquicultura mundial, seguida da Índia (6,3%). O Brasil, após uma década de Ministério da Pesca, manteve seu distante 12.º lugar no ranking mundial, com cerca de 1% da produção total.
Existe, sim, enorme potencial para crescimento da aquicultura nacional. A posição é unânime entre os estudiosos do assunto, que defendem maior apoio ao setor, com novos marcos regulatórios, mais pesquisas e financiamento das atividades. Muita proteína de excelente qualidade se esconde nessa virtuosa equação. Foi daí que alguém teve a ideia de criar um ministério. Lula capturou-a para servir à sua lógica política. Um desastre.
Nada comprova que a nova estrutura de gestão tenha influenciado a realidade produtiva. Durante sua existência, planos maravilhosos foram lançados, em lindas cerimônias. Prometeram-se mundos e fundos. Mas a produção nacional de pescado cresceu, no período, abaixo de 2% ao ano. As importações se elevaram. O que cresceu, mesmo, foi o desperdício de dinheiro público.
Fora o vexame internacional. Em 2014, a Controladoria-Geral da União divulgou auditoria apontando uma série de irregularidades na pasta, incluindo a divulgação de dados falsos sobre a produção pesqueira e aquícola nacional. Informações mentirosas foram encaminhadas à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e à Comissão Internacional para Conservação do Atum Atlântico (Iccat). Vergonhoso.
Talvez agora, libertadas dos esquemas safados, a pesca e a aquicultura se expandam de verdade. Os brasileiros merecem. Não apenas apreciar em sua mesa as delícias criadas nas águas, ou obtidas na pesca sustentável, mas também viver longe desses peixes podres da política nacional.
XICO GRAZIANO É AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR