segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Indo na contramão( do emprego)


O Estado de S.Paulo
No momento em que entidades empresariais e especialistas defendem a flexibilização da legislação trabalhista, como forma de impulsionar os investimentos, o governo estuda a imposição de novos ônus sobre os empregadores, com o objetivo de reduzir a rotatividade no mercado de trabalho e, em decorrência, conter os gastos com o seguro-desemprego. As propostas em análise raiam o absurdo, indo desde a criação de taxas extras para as empresas que demitirem mais funcionários do que a média de seu setor, até a imposição de barreiras para que os trabalhadores menos qualificados tenham direito ao seguro-desemprego.
Os propositores dessas ideias estapafúrdias não levam em consideração que, justamente para conter a rotatividade, a multa rescisória sobre o FGTS foi aumentada, há 20 anos, de 10% para 40%, valor que é pago ao trabalhador - mais um adicional de 10% que é destinado ao Fundo.
Em linha com as medidas tomadas pelo governo para desonerar os custos trabalhistas de empresas de alguns setores, o Senado aprovou em agosto o fim do tal adicional de 10%, havendo a expectativa de que essa excrescência seja definitivamente eliminada pela Câmara dos Deputados - o que se espera que aconteça, por incrível que pareça, somente em junho de 2013.
Na contramão desse esforço, as inovações para reduzir a rotatividade que o governo está estudando não têm o objetivo de beneficiar o trabalhador. O que preocupa os técnicos do governo é o crescimento dos pagamentos do seguro-desemprego, cujos pedidos acumulados chegaram a 500 mil no mês de agosto. Estima-se que, em período de 12 meses, esses pagamentos, junto com o abono aos cadastrados no PIS, já representariam, nos 12 meses findos em agosto, o correspondente a 0,87% do PIB, apresentando um crescimento de 0,34 ponto porcentual em comparação com o período anual anterior, uma taxa de expansão superior à dos investimentos públicos federais no mesmo período.
Esse raciocínio deixa de levar em conta que, se os investimentos públicos têm aumentado pouco, isso se deve, em primeiro lugar, à elevação das despesas do governo com o custeio de sua máquina, que se tornaram ainda mais pesadas com a recente rodada de reajuste de salários de servidores públicos, que, em média, são superiores aos pagos pelo setor privado. E, em segundo lugar, à incompetência gerencial do governo, que não consegue transformar ideias em obras concretas.
Convém notar ainda que a taxa de desemprego em agosto caiu para 5,3%, segundo o IBGE, a menor taxa para o mês desde 2002. Foi contratado 1,8 milhão de pessoas e demitido 1,7 milhão, deixando um saldo positivo de 101 mil. Como se verifica simultaneamente um crescimento de contratações com carteira assinada, é natural que os demitidos, enquanto não encontram colocação em condições que lhes agradem, recebam o salário-desemprego. Daí a maior procura do benefício. O que deveria preocupar o governo não são os pagamentos a fazer de acordo com a lei em vigor. Haveria motivo de apreensão se a economia, apesar do baixo crescimento, não estivesse criando empregos.
Podem, é claro, ser introduzidas modificações no seguro-desemprego para evitar fraudes, bem como estabelecer normas que induzam os desempregados a frequentar cursos de qualificação. Isso não tem nada a ver com aumentar os encargos sobre as empresas em caso de demissão de funcionários. Há categorias, como a construção civil, em que os contratos de trabalho são por curto prazo, o que é próprio da atividade. Além disso, a rotatividade não é provocada somente por empresas que buscam reduzir seu passivo trabalhista. Com o aquecimento do mercado de trabalho, milhares, se não milhões de pessoas, principalmente jovens, trocam de emprego com bastante frequência, em busca de melhores salários.
Além disso, é importante considerar que o custo da demissão, hoje já alto, é levado em conta nas admissões. Se as dispensas de pessoal forem mais oneradas, isso acabará repercutindo sobre a abertura de novas vagas no setor privado.

Custas processuais ou imposto?


O Estado de S.Paulo
Sob fortes críticas de entidades de advogados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou que está elaborando um projeto de lei para uniformizar as custas processuais cobradas pelos 27 Tribunais de Justiça (TJs) do País. Ao justificar sua iniciativa, o órgão alegou que as taxas processuais são muito altas em alguns Estados, principalmente nos da Região Nordeste, e muito baixas em outros, como é o caso de São Paulo e de Santa Catarina.
Além da padronização das taxas e emolumentos das Justiças estaduais, o CNJ quer fixar, para as instâncias superiores, porcentuais que inibam a apresentação de recursos considerados "protelatórios" e "temerários" pelos desembargadores. Essa medida preocupa os grandes litigantes, como bancos, empresas de telefonia, planos de saúde, lojas de departamentos, companhias seguradoras e órgãos públicos.
Segundo o conselheiro Jefferson Kravchychyn, que integra a Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do órgão encarregado de promover o controle do Poder Judiciário, a iniciativa descongestionará os tribunais, aumentando a eficiência das Justiças estaduais. Para o desembargador Rui Stocco, do TJSP, que participou da elaboração do anteprojeto do CNJ, encarecer a apelação é uma forma de "valorizar" a sentença de primeira instância. "Quem entra na Justiça tem, literalmente, de pagar para ver", diz ele, depois de lembrar que uma ação judicial pode gerar mais de 20 recursos que, em São Paulo, custam de R$ 50 a R$ 60, cada um.
Já para os conselhos seccionais da OAB, aumentar as custas processuais para desestimular litigantes a não utilizar o direito de recorrer ao segundo grau dificulta o acesso à Justiça e compromete o devido processo legal assegurado pela Constituição. "O valor do recurso não pode, em hipótese alguma, inibir o direito de recorrer", afirma o advogado Caio Lúcio Brutton.
Pelo anteprojeto do CNJ, divulgado pelo jornal Valor, as custas processuais - da petição inicial à execução do julgamento - não poderão exceder a 6% do valor da causa. Esse porcentual deve ser distribuído entre as fases de distribuição, de apelação e de execução. A proposta também dá aos Tribunais de Justiça a prerrogativa de distribuir como bem entenderem esse ônus. Com isso, as Cortes poderão, por exemplo, adotar porcentuais próximos do limite de 6% para os recursos impetrados na segunda instância, reduzindo ao mínimo as custas nas fases de distribuição e execução. Os valores totais, contudo, não poderão ser inferiores a R$ 112 ou superiores a R$ 62 mil.
"Há uma verdadeira fúria arrecadatória no anteprojeto", afirma o advogado Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, da Comissão de Direito Tributário da OAB. Como as custas processuais hoje variam conforme os tribunais, em alguns a uniformização das taxas processuais acarretará aumentos superiores a 200%. Em Minas Gerais, por exemplo, uma causa no valor de R$ 1 milhão paga R$ 7,3 mil de custas. Pelos critérios que o CNJ pretende adotar, elas subiriam para R$ 60,6 mil.
"O que a proposta poderia valorizar é a harmonização de parâmetros, de criação de obrigações acessórias e preenchimento de guias. Ou seja, normas que facilitem o acesso do cidadão aos tribunais", sugere. "O anteprojeto pode gerar acréscimos, mas não nos patamares apontados", refuta o diretor do departamento de arrecadação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que também participou da elaboração do texto. As Cortes mais interessadas na proposta do CNJ são as mais movimentadas do País, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
O mais adequado, segundo alguns advogados, é que as Justiças estaduais cobrem, a título de taxas processuais, valores que remunerem, proporcionalmente, as despesas calculadas com base nos custos fixos dos tribunais.
Mas esse é apenas um dos lados do problema. O outro é de natureza constitucional e envolve a autonomia das unidades que compõem a Federação. Ao fixar o tabelamento das custas, o CNJ não estaria cerceando a autonomia dos Estados, invadindo área na qual não tem competência legal?

A Justiça cobra Maluf


O Estado de S.Paulo
Em tempos pouco propícios a corruptos e corruptores, Paulo Maluf tem até o fim deste mês, agora por força de decisão judicial irrecorrível, para devolver aos cofres do Município mais de R$ 21 milhões desviados no chamado "escândalo dos precatórios", denunciado em 1996.
Por ironia do destino, Maluf está condenado, desde 1998, na ação movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), com base em representação feita por iniciativa de líderes do PT, partido ao qual hoje está aliado. Essa aliança se materializou, em São Paulo, com o aperto de mãos entre Lula e Maluf, selando o apoio à candidatura a prefeito de Fernando Haddad.
Aquele que se tornou conhecido, em meados dos anos 90, como "escândalo dos precatórios" foi o resultado de golpes contra o erário concebidos originalmente por um funcionário da Secretaria da Fazenda de Pernambuco, com base numa emenda constitucional de 1993 que permitiu a Estados e municípios emitir e vender títulos públicos, desde que os recursos obtidos fossem destinados, exclusivamente, a pagar dívidas devidamente reconhecidas pela Justiça e anteriores à vigência da Constituição de 1988.
Foi o suficiente para que, no âmbito do Município de São Paulo, o malufismo urdisse a fraude: o valor dos títulos era superestimado e o valor excedente desviado com o concurso de operadores financeiros inescrupulosos. O golpe disseminou-se por várias administrações municipais e estaduais, a ponto de, em dezembro de 1996, ter sido instalada no Senado a CPI dos Precatórios - que começou a funcionar com muito foguetório e chegou a poucos resultados práticos.
Em São Paulo, o "escândalo" envolveu o desvio de recursos provenientes da emissão de títulos emitidos pelo Tesouro Municipal para pagamento de precatórios. A operação fraudulenta, segundo a denúncia do MPE, foi coordenada pelo então secretário de Finanças do prefeito Maluf, Celso Pitta, entre janeiro de 1994 e novembro de 1995. No ano seguinte, Pitta elegeu-se sucessor de seu padrinho.
Na operação financeira que viria a ser denunciada por improbidade administrativa, a Prefeitura emitiu, em 1994, Letras Financeiras do Tesouro Municipal (LFTM) que, de acordo com a denúncia, foram vendidas a corretoras e depois recompradas a preços maiores. A fraude foi denunciada em representação encaminhada ao MPE por um grupo de líderes petistas, entre os quais estavam o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, os deputados Carlos Zarattini, Adriano Diogo, José Mentor e Devanir Ribeiro (os dois últimos integrantes da Executiva Nacional do partido) e ainda o vereador José Américo.
A denúncia do MPE foi apresentada em 1996 e, dois anos depois, em dezembro de 1998, Maluf e Pitta (que morreu em 2009) foram condenados em primeira instância por improbidade administrativa. Os condenados entraram com vários recursos na Justiça, sendo invariavelmente derrotados, tanto no Tribunal de Justiça paulista quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em última instância, no Supremo Tribunal Federal (STF), em março de 2009, em ação relatada pelo ministro Ayres Britto. A partir de então, o Ministério Público paulista passou a reclamar na Justiça a restituição ao Tesouro Municipal dos valores desviados, à época calculados em cerca de R$ 40 milhões. No mês passado, a juíza Liliane Keyko Hioki, da 3.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, estabeleceu um prazo até o fim deste mês para que Maluf proceda à restituição do que deve à população paulistana.
Com o mesmo desapreço pelas evidências com que sempre contestou as ações judiciais das quais tem sido réu regularmente há 40 anos, e da mesma forma que sempre jurou de pés juntos não ser titular de contas bancárias no exterior, Paulo Maluf instruiu sua assessoria a divulgar nota na qual afirma que "nunca assinou nenhum documento nos quais esse processo está baseado".
É a hoje desmoralizada tese de que a acusação de irregularidade praticada por detentor de cargo público precisa ser sustentada documentalmente por "ato de ofício" que a comprove. Por esse caminho, um dos mais famosos neoaliados de Maluf, José Dirceu, já deu com os burros n'água.