Governo atribui demora na liberação dos recursos indicados por deputados à queda na receita estadual; levantamento mostra que tucanos recebem prioridade
Adriana Ferraz e Cecília do Lago, O Estado de S.Paulo
31 Dezembro 2017 | 17h00
O governo Geraldo Alckmin (PSDB) segurou metade do orçamento destinado a emendas parlamentares nos últimos três anos e meio. De janeiro de 2014 a junho deste ano, a gestão tucana liberou R$ 383,6 milhões em programas e investimentos indicados por deputados nos municípios onde eles mantêm seus redutos eleitorais. O total previsto pela Assembleia Legislativa neste período, porém, era bem maior: R$ 752 milhões.
Levantamento feito pelo Estado com base nos dados publicados pelo Portal da Transparência do governo do Estado mostra que o ano com a menor execução foi 2016, quando somente R$ 40 milhões, dos R$ 188 milhões previstos (R$ 2 milhões por deputado), foram liberados. A gestão Alckmin culpa a crise econômica pela baixa e afirma que teve de reduzir as despesas na mesma proporção em que perdeu receitas.
Como era esperado, os representantes do PSDB, mesmo partido de Alckmin, são os que mais emendas conseguiram desbloquear no período pesquisado: 1.114 de um total de 3.687. Na média, foram 27,2 liberações por deputado – a conta inclui parlamentares também da legislatura passada – a um custo de R$ 112 milhões, quase 30% de todo o investimento.
Na vice-liderança, seguindo uma espécie de proporcionalidade representativa na Casa, estão os petistas, que juntos obtiveram aval para indicar 553 emendas, no valor de R$ 50 milhões. Mas quando a conta divide os partidos por base aliada e oposição, o resultado foge do equilíbrio. Enquanto os partidos que tradicionalmente votam com o governo abocanharam 86% dos R$ 383,8 milhões, restou ao PT, PSOL e PCdoB apenas 14% dos recursos.
Em número de emendas, o deputado mais contemplado no período foi Orlando Bolçone (PSB), que conseguiu autorização de Alckmin para firmar 130 convênios com Prefeituras no valor de R$ 6,8 milhões – as emendas parlamentares são viabilizadas desta forma, por meio de contratos com os municípios atendidos.
De acordo com Bolçone, sua posição na lista se deve à sua formação técnica e empenho pessoal. “Damos todo o suporte para que os municípios ou entidades consigam de fato a verba. Acompanhamos o processo semanalmente para checarmos se o recurso saiu mesmo. A papelada é complicada, é preciso ficar em cima para dar certo”, afirmou.
Já o campeão em valores foi Estevam Galvão (DEM), que teve um número menor de emendas liberadas (75), mas com valores mais altos, chegando a R$ 7,8 milhões. Em seguida, neste ranking, está o tucano Fernando Capez, que presidiu a Assembleia nos anos de 2015 e de 2016, com um total de 112 indicações ao custo de R$ 6,8 milhões, valor quase igual ao das indicações de Bolçone.
RECURSOS PARA SAÚDE SOMAM R$ 158,2 MILHÕES
Verbas para compor o caixa de Santas Casas e outras entidades beneficentes que atendem doentes são as mais comuns. Desde janeiro de 2014, deputados dos mais variados partidos indicaram para a área da Saúde recursos que somam R$ 158,2 milhões – 43% do total autorizado por Alckmin.
Em seguida na lista de prioridades dos parlamentares estão verbas para Prefeituras promoverem obras de infraestrutura, a maioria delas viárias. Desenvolvimento Social, Esportes, Agricultura e Turismo também figuram no ranking das dez áreas mais atendidas – Educação aparece em 11.º lugar, com somente R$ 200 mil em emendas.
No ranking dos municípios atendidos, São Paulo é o mais beneficiado, com 109 emendas que alcançaram o valor de R$ 12 milhões, o que equivale a R$ 1 por morador da capital. Do lado oposto está a cidade de Nova Canaã Paulista, cidade com pouco mais de 2 mil habitantes a 640 km da capital, que recebeu R$ 28 mil em apenas uma emenda de 2014 pra cá.
PEC OBRIGA GESTÃO A LIBERAR RECURSOS; COTA VAI A R$ 4,9 MILHÕES
Em 2018, com a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabeleceu o Orçamento Impositivo, o governador – seja Alckmin ou o vice, Márcio França (PSB), que deve assumir em abril –, não poderá mais segurar a cota de recursos a que cada parlamentar tem direito a indicar. Em 2018, esse valor será de R$ 4,9 milhões, contra os R$ 2 milhões atuais.
A alta, de 145%, vai gerar um impacto de R$ 460 milhões por ano nas contas estaduais e evitar ou ao menos reduzir práticas de toma lá dá cá em vésperas de votações de projetos de interesse do governo. A deputada Beth Sahão (PT) ressalta, no entanto, que a data da liberação das emendas continuará nas mãos do governador. “A PEC não determina os meses do ano em que a liberação deve ocorrer, apenas impõe que essa liberação ocorra ao longo da execução orçamentária. Esperamos que os deputados, da base ou não, tenham tratamento igualitário”, afirma.
O descontentamento é generalizado entre os parlamentares estaduais, sejam eles da base ou não. A demora na liberação das cotas ajuda a explicar, por exemplo, a falta de pressa da Assembleia Legislativa em aprovar tanto as contas de 2016 de Alckmin como o Orçamento de 2018. Ambos os projetos só receberam o aval dos deputados depois do Natal, em sessão extra no dia 27.