Segunda-feira, 22 de maio de 2017
Fotos: Reprodução/Mídia NINJA
O objetivo do Constitucionalismo não é simplesmente neutralizar as tensões Políticas. Pelo contrário, o seu papel é justamente regular democraticamente essas disputas. No entanto, o pacto Constitucional de 1988 – como mediação entre o Direito e a Política – foi implodido quando se destituiu, de forma ilegítima, já que não havia base jurídica, um governo eleito democraticamente. O impeachment foi apenas o passo inicial da retomada conservadora, inclusive com alterações profundas na Constituição Federal de 1988, especialmente em relação aos Direitos Sociais. Foi um golpe Desconstituinte, na expressão do Prof. Cristiano Paixão, como ficou bem demonstrado nas reformas que se seguiram[1].
Como defendo desde o início, a ruptura democrática que ocorreu no Brasil não é apenas uma derrota de determinado grupo político. É uma derrota, sobretudo, do Constitucionalismo – e todo seu significado político e jurídico. Eleição direta é a única forma de devolver ao poder constituinte originário o direito fundamental de decidir sobre o seu destino. É o único caminho possível para resgatar a legitimidade Constitucional.
Feita essa breve introdução, importante discorrer sobre as alternativas jurídicas e políticas em jogo atualmente.
O artigo 81 da Constituição Federal prevê que, no caso de vacância dos cargos de presidente e vice, após a metade do mandato de quatro anos, o presidente que concluirá o tempo restante deve ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional.
A PEC 227/2016, do Deputado Miro Teixeira, pretende alterar o texto Constitucional para determinar que, em caso de vacância do cargo em até seis meses do fim do mandato, novas eleições diretas sejam convocadas no país. Segundo a justificativa: “o Congresso Nacional deve devolver ao povo, em qualquer circunstância, o direito de escolher o Presidente da República” [2].
Sobre a iniciativa, vi vários juristas que respeito colocando óbices de ordem constitucional à possibilidade de convocação de eleição direta. O Prof. Pedro Serrano declarou: “querer convocar eleições direitas seria um descumprimento as abertas da Constituição. Uma PEC que alterasse, neste aspecto, a CF, seria inconstitucional pelo evidente casuísmo e desvio de poder”. A Profa. Eloisa Machado, da FGV, em entrevista hoje na Folha de São Paulo, chega a afirmar que: “eleição direta seria um golpe”.
Nada mais equivocado, em minha opinião.
O Constitucionalismo se desloca entre a Política e o Direito. Imaginar que ele pode simplesmente bloquear, nesse caso, o processo de soberania popular é se contrapor à ideia de um constitucionalismo democrático. Não se trata da instrumentalização da Constituição para interesses meramente políticos-eleitorais, como foi feito no caso do golpe parlamentar. Muito pelo contrário, convocar a soberania popular para decidir sobre seu destino é realizar a própria ideia de Constitucionalismo Democrático.
É claro que não seria permitido à soberania popular avançar sobre a retirada de Direitos Fundamentais, indisponíveis às maiorias eventuais, mas isso está longe de ser o presente caso. Não há cláusula pétrea em jogo na PEC das eleições diretas.
Dessa forma, eleição direta não é somente uma saída Política para distensionar o cenário público brasileiro, mas também é o caminho mais adequado constitucionalmente. Nesse sentido, na fronteira entre o político e o jurídico, é sempre oportuna a lição de Bercovici: “tentar separar o conceito de constituição do conceito de poder constituinte significa excluir a origem popular da validade da constituição e esta validade é uma questão Política, não exclusivamente jurídica”[3].
É claro que, na atual conjuntura, não podemos ter nenhuma ilusão ou esperança nas instituições em si, mas na pressão popular que é capaz de fraturá-las, que rompe com seu lugar de conforto e que impulsiona as mudanças necessárias. É preciso resgatar o Constitucionalismo Democrático.
Os Direitos não brotam magicamente nas Constituições, eles são frutos de árduas lutas e conquistas dos povos[4]. É preciso, portanto e acima de tudo, de povo na rua para aprovação da PEC e convocação das eleições diretas.
Pedro Brandão é doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, realiza estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. É autor do livro “O Novo Constitucionalismo Pluralista latino-americano” (Ed. Lumen Juris, 2015).
[1] PAIXÃO, Cristiano. Um golpe Desconstituinte. In: A resistência ao golpe de 2016. Citaddino, Gisele et al (Orgs). Bauru: Projeto Editoral Praxis, 2016.
[2] A PEC, inclusive, poderia antecipar por via Constitucional uma possível solução para a controvérsia enfrentada no caso da cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Essa é uma possibilidade pouco discutida. Em 2015, o Código Eleitoral foi modificado para estipular eleições diretas em caso de vacância nos últimos seis meses. Discute-se a possível aplicação desse dispositivo para a presidência da república, já que o referido artigo da Constituição determina em sentido aparentemente contrário. Em caso de cassação, no entanto, alguns juristas defendem que os votos seriam nulos e não se aplicaria a previsão do artigo 81 da Constituição Federal, e sim o artigo 224 do Código eleitoral. Sobre o tema: SALOMÃO, Glauco: Eleição direta deve ser convocada caso chapa Dilma-Temer seja cassada (Disponível em: https://goo.gl/Fokyk8); SARMENTO, Daniel: Eleições presidenciais (in)diretas, a ADI 5.525 e o espírito da Constituição cidadã (Disponível em: https://goo.gl/f2C8h1)
[3] BERCOVICI, Gilberto. O Poder Constituinte do Povo no Brasil: Um Roteiro de Pesquisa Sobre a Crise Constituinte. São Paulo: Lua Nova, 2013. O texto, aliás, é fundamental para o momento que vivemos.
[4] GARGARELLA, Roberto. El nuevo constitucionalismo latinoamericano: promesas e interrogantes.In: COLOQUIO DERECHO, MORAL Y POLÍTICA. Palermo: Universidade de Palermo, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário