terça-feira, 27 de março de 2012

Deus está nos detalhes



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Na Amazônia, o grande desafio é valer-se de imensos territórios cobertos de floresta que abrigam uma abundante biodiversidade, riquezas, em sua maioria, ainda desconhecidas na sua utilidade e no seu valor, para promover o desenvolvimento. Um desenvolvimento que produza e reproduza, em fluxo permanente, riqueza, renda, bem-estar, qualidade de vida e preserve as raízes culturais e a identidade dos povos que construíram a história de cada lugar. Em resumo, é preciso integrar desenvolvimento e sustentabilidade num processo único.
A solução põe-se como o enigma da esfinge de Tebas: “decifra-me ou te devoro”. Ela é sempre especifica, própria a cada território. Aos que não acharem o caminho justo restará o ônus do conflito entre a ambiciosa empresa humana e os limites da natureza. Está claro que os caminhos, as opções de resolução, dependem das relações sociais específicas de cada lugar, mas sempre no contexto mais amplo das assimetrias da realidade brasileira.
A essa discussão subjaz a questão prática: qual a estratégia para fazer o desenvolvimento econômico, sem predação dos recursos ambientais e, especialmente, sem avançar na fronteira de desflorestamento para que se reduza, sistematicamente, a taxa de desmatamento?
Na Amazônia Ocidental, estão em curso três experiências diferenciadas. O estado do Amazonas aposta no desenvolvimento de uma economia urbana-industrial, por meio da zona Franca de Manaus, com efeito multiplicador em toda a economia estadual. Garante a preservação dos ecossistemas, mas produz um enorme desequilíbrio espacial.
Rondônia alicerça seu desenvolvimento no agronegócio e na agroindústria que resultaram em efeitos destrutivos nos recursos naturais. Certamente, esbarrará  em limites ambientais intransponíveis. O Acre optou por uma saída equilibrada que harmoniza desenvolvimento econômico, conservação dos recursos florestais, inclusão social, equilíbrio territorial, valorização da cultura e identidade locais, que tem raízes na sua história e em suas  populações tradicionais.
Todas as dimensões da estratégia são importantes, porém duas são determinantes: a economia e a cultura. O desafio é fazer crescer o produto econômico com o  incremento da produtividade no conjunto da economia. Expansão econômica e produtividade são as variáveis essenciais da equação do desenvolvimento. Aliás, desenvolvimento econômico, conceitualmente, manifesta-se fundamentalmente como aumento da produtividade da economia.
A industrialização, que cria oportunidades para elevação do padrão tecnológico, é a opção mais eficaz para aumentar a produtividade que permite o aumento do produto interno, com redução ampla e significativa do crescimento da produção extensiva. O crescimento da produção industrial será acompanhada pela agregação de valor à pequena indústria, ao extrativismo, à produção agrícola familiar, à pecuária e, de modo geral, aos pequenos negócios.
A elevação da produtividade da agropecuária nas áreas abertas resultará na substituição da produção extensiva pela intensiva. O que significa maior produção na mesma área de terra. Com a mudança, será possível evitar desmatamento e aumentar a produção, ao mesmo tempo. A intensificação da produção nas áreas já desmatadas é a saída tecnológica para garantir aos agricultores familiares espaço para produção e tornar residual o desflorestamento.
Desenvolver a produção florestal, pelo manejo sustentável dos recursos, valorizando os ativos florestais, é também uma forma de evitar desmatamento. De fato, aumentar a produtividade supõe o emprego de novas tecnologias: a mecanização do preparo do solo, a calagem, a mecanização da colheita, o uso de fertilizantes, a rotação de culturas com leguminosa, enfim um manejo racional dos cultivos e criatórios.
Ocorre que uma apreciável fração desses solos experimenta processo de degradação.  Não haverá desenvolvimento agrícola no Acre sem recuperação das áreas em processo de degradação. Para isto, além da aração, gradagem e rotação de culturas com leguminosas, uma prática é imprescindível: a calagem. A correção da acidez pela aplicação de calcário à terra.
É um detalhe, aparentemente trivial, no conjunto das operações de cultivo. Os ingleses sugeriram que “o diabo mora no detalhe”. É um jeito negativo de perceber o mundo.
Conta-se que Ricardo III, na guerra contra Henrique - Conde de Richmond, em batalha que decidia o trono da Inglaterra, ordenou ao cavalariço que buscasse o seu cavalo. A batalha ia começar, o inimigo avançava. Mas faltaram pregos ao ferreiro para pregar a última ferradura do cavalo. O cavalariço insistiu que tinha pressa, não podia esperar, que fizesse com o material disponível. O ferreiro o fez, ressalvando que a ferradura cairia. Foi o que aconteceu. O cavalo e o rei caíram no momento decisivo da batalha.  O rei, desesperado, gritava: um cavalo! Um cavalo!  Meu reino por um cavalo! Ricardo III perdeu a batalha e o trono. À falta de um prego, perdeu-se a ferradura. À falta de uma ferradura perdeu-se um cavalo! À falta de um cavalo perdeu-se uma batalha. Perdida a batalha, perdido o reino. O despretensioso prego fez ruir um reino.
O significado essencial da história, não o relato descritivo, faz-nos lembrar a viagem recente do governador Tião Viana ao Juruá. Na oportunidade entregou às lideranças das comunidades de agricultores familiares 4.000 toneladas de calcário. Não fosse pela montanha mostrada na mídia, o fato passaria certamente despercebido. “Deus está no detalhe”. Na aparência, detalhe de escassa relevância.
O governo vai entregar, e incorporar ao solo 2t de calcário por família de agricultores, para plantios de 1,0 ha, nos municípios de Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima. Com este procedimento, estima-se um aumento de produtividade de 50 por cento e um ciclo de reposição do calcário de 6,0 anos. Era uma reivindicação reiterada dos trabalhadores rurais do Juruá, que lavram terras de fraca produtividade, em estágio avançado de degradação.
O aporte deste corretivo ao solo tem efeitos profundos e abrangentes. Tem impacto no paradigma de desenvolvimento do Estado.
Aplicação de calcário e leguminosa gera redução de acidez do solo e disponibilidade de nutrientes. Calcário e leguminosa geram maior fertilidade do solo. A fertilidade aumenta a produtividade. O aumento da produtividade propicia o crescimento vertical da produção.
Produção vertical significa maior produção na mesma área. Maior produção na mesma área evita desmatamento. Isto leva à redução drástica da taxa de desflorestamento. A consequência é a conservação da floresta. E esta é determinante para o desenvolvimento sustentável.
O uso do calcário, que parece um detalhe do gerenciamento da produção, constitui-se em fator determinante da mudança do paradigma de desenvolvimento. É o detalhe que suscita, por trás da irrelevância aparente do fato, a descoberta, a criação, para a solução como resultado de uma inspiração divina. Como afirmava Ludwing Mies Van Der Rohe, um dos grandes mestres da arquitetura moderna, “Deus está nos detalhes”.
José Fernandes do Rêgo, secretário de Estado de Articulação Institucional

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