domingo, 2 de novembro de 2025

Rio expõe falha em calcular taxa da bala, Marcos de Vasconcellos, FSP

 A megaoperação policial do Rio de Janeiro, que contabiliza, até agora, o saldo de 121 mortos, 113 presos e 118 armas apreendidas, é o exemplo mais recente de como o Brasil falha em tratar a criminalidade como uma questão econômica.

Vidas são bens de valor inestimável, e imagino que as fotografias dos corpos dos mortos em praça pública já tenham feito seu papel de te lembrar disso. Mas o outro custo, o mensurável, de vivermos em um rodízio de incursões violentas às regiões dominadas pela criminalidade, é alto.

Seis policiais militares armados escoltam homem detido, que está curvado e com as mãos para trás, em rua estreita de comunidade com casas coloridas e paredes desgastadas.
Policiais durante operação policial na Vila Cruzeiro, no complexo de favelas da Penha, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Ele aparece nos balanços das empresas, na fuga de investimentos, na desvalorização de ativos e, por fim, nas taxas de juros de que o país precisa oferecer para atrair capital. Sim, o crime é uma variável econômica, muito além dos gastos em segurança pública.

Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a violência custa em média 3% do PIB por ano aos países da América Latina, consumindo o equivalente a todo o investimento anual em infraestrutura. É dinheiro que poderia financiar estradas, escolas ou crédito produtivo, mas que se perde em segurança, indenizações, perda de produtividade e retração de investimento.

Onde há desordem, há risco. E, para correr riscos, o dinheiro cobra mais caro. Um estudo publicado pela City, University of London sobre o México mostrou que o aumento da criminalidade local eleva, diretamente, o custo do crédito. Os bancos não deixaram de emprestar, mas aumentaram os juros.

O que os economistas chamam de penalidade financeira dá para chamar também de taxa da bala.

A operação espetacular pode dar uma sensação de "vingança" para quem vive no medo de ser assaltado, roubado, morto por criminosos. Mas a atuação pontual serve para o Estado reforçar a própria fragilidade. O território é retomado por um dia e abandonado no seguinte. O tamanho da ação prova ausência do Estado nos tempos que a antecederam.

Quando o Estado recua, como se o trabalho ali estivesse resolvido, o tráfico e a milícia prosperam com lógica empresarial de diversificação, reinvestimento e rebuscados esquemas de lavagem de dinheiro —vide a operação Carbono Oculto, que mostrou os braços do PCC na Faria Lima.

Fazer o Estado realmente ocupar os espaços até então abandonados depende de investimentos. A experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), projeto praticamente abandonado, deixou pistas do que funciona e do que não funciona na ocupação de áreas dominadas pelo crime.

Pela análise de especialistas em segurança pública, as UPPs serviram nos primeiros anos para reduzir a criminalidade local e melhorar a infraestrutura. A parte social, que estava no projeto, nunca chegou a ser implementada de verdade e, quando o dinheiro minguou, manter as unidades, já esvaziadas, tornou-se um fardo e um risco à vida de quem nelas trabalhava. O fracasso não foi policial, mas econômico.

Quando o Estado sai, o crime ocupa e o dinheiro some. Entre os países com menos de 1 homicídio por 100 mil habitantes, como Japão, Alemanha e Suíça, o juro real médio é próximo de zero. Entre os que convivem com mais de 20 homicídios, como Brasil, México e Nigéria, os juros reais superam 5%.

O ciclo fúnebre se mantém: investimento malfeito no combate à criminalidade traz novos rombos à confiança, impedindo que o dinheiro venha para ser investido em melhorias reais e necessárias, abrindo novas brechas para o crime.

Coletânea mostra atualidade de pensadores existencialistas, FSP

 Recebi na última sexta-feira uma cópia de "The Penguin Book of Existentialist Philosophy", editado por Jonathan Webber, especialista na obra de Jean-Paul Sartre e professor no Departamento de Filosofia da Universidade de Cardiff, no País de Gales.

Com o lançamento previsto para novembro, "The Penguin Book of Existentialist Philosophy" é uma coletânea de textos que compreende desde autores que influenciaram o pensamento existencialista, como Søren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e Sigmund Freud, bem como ensaios e trechos das principais obras de Sartre, Simone de Beauvoir e Frantz Fanon.

Mulher e homem em meio a outras pessoas durante cerimônia. Prédio da praça em Pequim ao fundo
Simone de Beauvoir (esq.) e Jean-Paul Sartre em comemoração na praça Tiananmen, em Pequim, em 1955 - Wikimedia Commons/Reprodução

Dividido em cinco partes —"Inspirações", "O ser e o nada", "A ofensiva existencialista", "O segundo sexo" e "Colonialismo e racialização"—, o livro ainda conta com um ensaio introdutório e textos de apresentação escritos por Webber, nos quais o professor reflete sobre o que caracteriza o existencialismo enquanto movimento filosófico, além de contextualizar e justificar as suas escolhas editoriais.

Em sua introdução, Webber comenta que o rótulo de existencialista foi inicialmente usado de modo genérico para descrever a geração de artistas, músicos e escritores do final da Segunda Guerra Mundial, cujas obras abordavam questões relacionadas ao indivíduo e à realidade social. Um exemplo disso é a canção "Le Poinçonneur des Lilas", de Serge Gainsbourg, que trata da alienante rotina de trabalho de um fiscal do metrô parisiense.

A expressão, no entanto, foi adotada por Sartre e Beauvoir na tentativa de promover as suas teorias filosóficas sobre a existência humana. Essas teorias se baseiam na premissa de que "o comportamento de cada pessoa é, em última instância, guiado por atitudes avaliativas — ou ‘projetos’ — que ela própria escolheu e pode modificar".

Uma breve introdução à filosofia existencialista, aqui entendida de forma precisa e não apenas como um rótulo genérico, é o ensaio "O existencialismo e a sabedoria das nações" (1945), de Simone de Beauvoir, incluído na coletânea organizada por Webber.

É justamente por entender o existencialismo enquanto um movimento estruturado a partir de determinadas premissas teóricas inicialmente elaboradas por Sartre e Simone de Beauvoir que Webber não inclui no livro uma seção com textos de Albert Camus:

"O posfácio da antologia explica por que Albert Camus, frequentemente classificado como existencialista, não foi incluído no restante do livro [...]. [Camus e Sartre] dialogam com alguns dos mesmos autores e abordam questões semelhantes. Eles divergem, contudo, quanto à natureza fundamental da existência humana e quanto à origem dos valores morais [...]. O existencialismo é definido pelo que Sartre e Beauvoir compartilhavam na década de 1940. Dentro dessa definição, são as obras de Sartre, Beauvoir e Fanon incluídas nesta antologia, com todas as suas divergências e desacordos, que estabeleceram a arena inicial para o debate e a reflexão existencialista."

Os textos selecionados por Webber mostram que, mesmo com suas limitações, as principais ideias de Sartre, Beauvoir e Fanon permanecem relevantes e podem, inclusive, contribuir para discussões mais recentes sobre a relação conflitosa que muitos dos nossos contemporâneos mantêm com a verdade.

Em "Reflexões sobre a questão judaica" (1946), cuja primeira parte integra a coletânea, Sartre observa, ao retratar o antissemita, que a distorção de fatos com a intenção de confirmar uma visão de mundo pode ser interpretada como uma expressão do medo diante da complexidade da vida e das incertezas que caracterizam a condição humana:

"O homem racional busca angustiosamente a verdade, ele sabe que seus raciocínios são apenas prováveis, que outras considerações acabarão por colocá-los em dúvida [...]. Mas existem pessoas que são atraídas pela constância das pedras [...]. Como têm medo de pensar, preferem adotar um modo de vida em que a reflexão e a pesquisa exercem um papel subordinado, em que procuram apenas o que já encontraram e se tornam tão somente aquilo que já são."

Nesses casos, Sartre observa que a paixão se sobrepõe à razão, oferecendo a essas pessoas uma sensação de absoluta certeza, capaz de resistir à toda e qualquer experiência e permanecer inabalável ao longo de uma vida.

Além do trecho de Sartre, outros textos reunidos no volume, como os trechos de "Pele Negra, Máscaras Brancas" (1952), de Frantz Fanon, também dialogam com questões contemporâneas e fazem da coletânea organizada por Jonathan Webber uma excelente introdução ao pensamento existencialista. Deixo aqui, portanto, minha recomendação de leitura a estudantes, pesquisadores e também ao público leitor curioso, disposto a conhecer um pouco melhor essa tradição filosófica.


Messias pode ser 4º AGU e 12º com função no governo a chegar ao STF desde 1985, FSP

 Renata Galf

São Paulo

Caso a indicação e aprovação de Jorge Messias para a vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) sejam concretizadas, ele seria o quarto chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) a ser alçado para uma cadeira na mais alta corte do país.

Antes dele, também os ministros Gilmar MendesDias Toffoli e André Mendonça, respectivamente nomeados por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), deixaram a defesa jurídica do governo rumo ao Supremo.

Além disso, levantamento feito pela Folha com base nos currículos dos ministros indicados desde 1985 mostra que Messias, caso nomeado, seria o 12º a ter exercido alguma função no Executivo federal antes de ser escolhido para o posto. Dentre os 31 ministros que passaram a integrar a corte no período de redemocratização, são 11 os que entram nessa classificação.

Dois homens de terno, um mais velho com cabelo e barba grisalhos e outro mais jovem com cabelo escuro, sentados lado a lado em mesa com documentos e copo de água. Ao fundo, brasão da República Federativa do Brasil em destaque.
Presidente Lula (PT) conversa com o advogado-geral da União, Jorge Messias - Rafa Neddermeyer - 21.out.2025/Agência Brasil

Dos presidentes responsáveis por essas escolhas, José Sarney lidera, com três das indicações. Já FHC e Lula fizeram, cada um, duas nomeações. Enquanto o restante é completado por Fernando Collor, Itamar Franco, Michel Temer e Bolsonaro, cada um deles com uma indicação. Apenas Dilma Rousseff não figura entre os que nomearam integrantes do governo federal para a corte.

Como mostrou a FolhaMessias ganhou espaço no governo atual ao herdar funções desempenhadas por Flávio Dino, sendo consultado por Lula a respeito de embates legais.

Além do posto de AGU, outro cargo que se repete em parte dessas indicações é o de chefe da pasta da Justiça, sendo o exemplo mais recente também a última indicação feita pelo presidente Lula, quando nomeou Dino para o Supremo no final de 2023.

Dino foi o sexto ministro do Supremo no período a ter ocupado também o posto de ministro da Justiça. Outro que integra essa lista é o ministro Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer (MDB), no início de 2017, depois de menos de um ano no cargo.

Antes de Moraes, a lista de integrantes do governo que chegaram ao Supremo segue com os já citados Dias Toffoli, em 2009, e Gilmar Mendes, em 2002.

Antes de indicar a primeira mulher para o Supremo, a ministra Ellen Gracie, no ano 2000, FHC nomeou Nelson Jobim, em 1997, que à época da indicação chefiava a pasta da Justiça em seu governo.

Diferentemente de Dino, Moraes e Jobim, nem todos eles foram alçados direto da Justiça ao Supremo. Maurício Corrêa, por exemplo, foi nomeado por Itamar Franco em 1994, alguns meses depois de ter deixado o cargo de ministro da Justiça.

Paulo Brossard, por sua vez, indicado em 1989 por José Sarney, ocupava até o mês anterior a cadeira de ministro da Justiça do governo. Enquanto Mendonça, que completa a lista, foi indicado por Bolsonaro quando exercia o posto de chefe da AGU.

Completando a lista dos onze ministros que atuaram no Executivo, estão o ex-ministro Francisco Rezek, o único a ter duas passagens no STF, Celso de Mello e Célio Borja.

Rezek, que tinha ingressado na corte no início dos anos 80, deixou o tribunal para assumir a pasta das Relações Exteriores sob Collor e, em 1992, foi indicado novamente à corte pelo então presidente.

Já Celso de Mello, que ficou 31 anos na cadeira, exerceu os cargos de consultor-geral da República, assessor jurídico do gabinete civil da Presidência e secretário-geral da consultoria da República durante o governo de José Sarney.

Por fim, Célio Borja, indicado por Sarney em 1986, atuou como assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República antes de compor a corte.

Fora a indicação da vaga de Barroso, das últimas cinco indicações, três foram de pessoas que ocuparam cargos no governo: Dino, Mendonça, e Moraes. As outras duas mais recentes, de Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques, ainda que tenham sido de atores de fora do Executivo, são nomes em que teria pesado o fator de confiança.

Zanin era advogado pessoal de Lula, tendo atuado nos processos que levaram às anulações de seus condenações criminais, enquanto Bolsonaro chegou a dizer, à época da escolha de Kassio, que seu indicado tinha que ser alguém que tomasse "uma cerveja" ou "uma tubaína" com ele.

"O que eu transmito se eu estou tomando uma tubaína contigo? O que quer dizer? Que nós somos amigos", disse em entrevista à época.

Antes da nomeação de Moraes por Temer em 2017, houve uma sequência de 13 indicações por parte de Lula (8 ministros) e Dilma (5 ministros). Delas, apenas Toffoli se enquadra no critério de membros do Executivo. Apesar de ser apenas um nome, ele caminha para ser um dos mais longevos, já que foi indicado em 2009 e poderá ficar na corte até 2042, se não antecipar a aposentadoria como Barroso.

FHC, por sua vez, fez três indicações, sendo que duas delas foram de integrantes de seu governo: Gilmar e Jobim.

Sarney entra nesse critério com três de suas cinco nomeações, Itamar com sua única indicação e Collor, com um nome dentre quatro indicados.

O professor da Universidade Federal de Santa Catarina Luciano Da Ros, que tem entre seus temas de pesquisa carreiras de integrantes da cúpula do Judiciário, aponta que as palavras-chave para entender as indicações ao Supremo pelos presidentes de membros de seus governos são proximidade e confiança.

"São pessoas nas quais o presidente confia, porque conviveu com elas por muito tempo, é próximo delas. Então acredita, não que possa controlá-las, mas que elas têm interesses próximos dos seus e razoavelmente previsíveis", diz ele.

Da Ros acrescenta que um governo que teria fugido desse padrão, ao não nomear membros do círculo íntimo de confiança presidencial, seria o de Dilma. "Foi um governo silenciosamente anticorrupção antes da Lava Jato, de certa forma", argumenta ele.

Samuel Vida, professor de direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e doutor em direito, Estado e Constituição pela UnB (Universidade de Brasília), avalia que a possível indicação de Messias por Lula parece privilegiar tanto a questão da lealdade quanto um interesse eleitoral, ao fazer uma sinalização para o eleitorado evangélico.

Para ele isso é um erro, porque, se por um lado pode ser útil aos interesses de um governo que passará brevemente, por outro, pode estar contribuindo para alongar a crise. "O presidente Lula poderia inaugurar uma retomada dos propósitos originais da nossa construção constitucional e pensar estrategicamente e deixar esse legado de reforço ao pluralismo", defende.

Hoje o tribunal tem apenas uma mulher em sua composição, dentre 11 ministros. Nunca na história da corte houve uma ministra negra.

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Comentários

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GINO AZZOLINI NETO

Há 1 hora

Jovens, vaidosos, cúmplices, de irrisório saber jurídico, de idoneidade duvidosa, arrogantes, crianças mimadas, narcisistas, proprietários dos mais diversos institutos, palestras, banquetes, mordomias, vinhos, lagostas, seguranças, esposas, apaniguados. No que se transformou o STF.

PAULO CURY

Há 2 horas

Pensar que esta agu nem existia tempos atras, e para mim não fazem a menor falta

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