terça-feira, 1 de abril de 2025

Hélio Schwartsman Le Pen, lawfare ou justiça?, FSP

 

São Paulo

Há duas maneiras de interpretar a inelegibilidade imposta a Marine Le Pen por uma corte francesa.

Na visão da extrema direita, o establishment encontrou uma forma de "roubar" previamente a eleição presidencial de 2027, para a qual a líder da Reunião Nacional (RN) já despontava como favorita nas pesquisas.

A instrumentalização de tribunais para fazer política é, infelizmente, uma realidade. Um caso mais ou menos inequívoco dessa prática acaba de ocorrer na Turquia, com a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, por acusações de corrupção. Imamoglu era o principal rival político do autocrata Recep Erdogan e o grande nome da oposição para o pleito de 2028.

Uma mulher sentada em um banco vazio de um parlamento, com uma expressão pensativa. Ela tem cabelo loiro e usa um blazer escuro. O ambiente é composto por bancos vermelhos e madeira, com números visíveis nos bancos ao fundo.
A líder ultradireitista francesa Marine Le Pen durante sessão de perguntas ao governo na Assembleia Nacional, em Paris - Thibaud Moritz - 22.jan.2025/AFP

O caso de Le Pen, porém, pode ser lido com lentes mais institucionais. O processo que resultou em sua condenação está bem instruído. Sob tais condições, como observou a juíza responsável pela sentença, deixar de aplicar as sanções cabíveis apenas porque a ré tem projeção política configuraria uma violação ao princípio republicano da igualdade de todos diante da lei.

Eu me inclino mais para a segunda interpretação, especialmente porque não penso que inabilitar Le Pen seja uma medida muito eficaz para conter o crescimento da extrema direita francesa. Ela pode até aumentar as chances da RN, ao forçar a troca geracional. Le Pen carrega um sobrenome que afasta eleitores e tem um sucessor claro, Jordan Bardella, que é até mais carismático do que ela.

No mundo hiperinstitucionalizado em que vivemos, praticamente todos os políticos relevantes carregam rolos judiciais: Lula, Bolsonaro, Trump, Le Pen etc. Distinguir casos de lawfare dos de justa aplicação das leis se torna uma necessidade. E não há como fazê-lo direito sem mergulhar nas minudências do processo e sem conhecer bem as leis de cada país.

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Minha sugestão é que adotemos como regra heurística considerar processos que ocorrem em regimes autoritários como automaticamente suspeitos e dar um voto de confiança aos tribunais de democracias estabelecidas.


Os motivos que fazem estrangeiros de países ricos se mudarem para o Brasil, FSP

 

Iara Diniz
São Paulo | BBC News Brasil

A americana Bri Fancy, 27, morou por dez anos no Brasil quando o pai dela, um executivo, foi transferido para cá.

Em 2015, ela voltou a morar com a família nos EUA, entrou na faculdade de psicologia e começou a trabalhar–mas não esquecia o Brasil e o tempo que passou no país.

"Lembro de ir para a casa das minhas amigas [no Brasil] e ser tratada como uma filha pelas mães delas. Era um sentimento de cuidado e colaboração", lembra Bri.

"Nunca me acostumei com o individualismo das pessoas lá [nos EUA]. Prometi para mim mesma que um dia eu voltaria para o Brasil."

Dito e feito: em 2024, ela se mudou definitivamente. A americana mora com o namorado na cidade-natal dele, Resende (RJ).

Uma selfie tirada em um campo de futebol, onde duas pessoas estão sorrindo. Ambos estão vestindo camisas brancas com detalhes em vermelho, que parecem ser do time Flamengo. O fundo mostra parte do campo e algumas luzes desfocadas.
A americana Bri Fancy decidiu se mudar de vez para o Brasil, onde mora com o namorado: 'Foi uma decisão muito bem pensada e que eu sempre quis muito' - Arquivo pessoal

Para Bri, o senso de comunidade que experimenta no Brasil é algo determinante para fincar suas raízes por aqui.

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"Essa vida em comunidade que existe no Brasil, não existe em outro lugar. Quero que meus filhos vivam isso aqui", afirma a americana.

Sensação de pertencimento, cultura vibrante, clima e a natureza são algumas das vantagens do Brasil apontadas por estrangeiros entrevistados pela BBC News Brasil que trocaram a vida em países mais desenvolvidos para fazer daqui sua morada.

Mas especialistas apontam, no entanto, que essa experiência positiva e acolhedora relatada por muitos deles não representa a experiência geral dos imigrantes no Brasil, que é condicionada por fatores sociais que tornam mais propensos os casos de preconceito e violência a depender da origem e da etnia do estrangeiro.

Para o jornalista americano William Jefrey, contar com a generosidade de pessoas desconhecidas é um dos diferenciais do Brasil.

Vivendo no país desde setembro de 2024, ele relata um episódio que o fez perceber isso.

"Há uns três anos, quando eu estava de férias no Brasil, eu tive uma irritação na pele e precisei ir ao médico. Enquanto estava sendo atendido, começou uma tempestade e, por algum motivo, o celular da minha esposa parou de funcionar", conta William.

"Um desconhecido nos ofereceu o telefone para que a gente pedisse um Uber. Parece simples, mas é algo que não consigo imaginar nos EUA."

Um homem de cabelos grisalhos e óculos está sentado em uma mesa de restaurante, segurando um copo com uma bebida que contém limão e folhas de hortelã. Ao fundo, é possível ver outras pessoas sentadas e a decoração do local, que inclui mesas de madeira e um ambiente animado.
O jornalista William Jefrey destaca experiência no Brasil em que contou com a ajuda de um desconhecido: 'É algo que não consigo imaginar nos Estados Unidos' - Arquivo pessoal

Sua relação com o Brasil começou na década de 1990, quando ele foi enviado por uma emissora de TV americana para cobrir a Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro.

Desde então, ele visitou o Brasil mais de 15 vezes e se casou com uma brasileira, mas continuou vivendo nos EUA. Até que, durante a pandemia de Covid-19, decidiu que se mudaria para cá quando se aposentasse.

"Pensei: meus pais já faleceram, minha esposa está no Brasil, eu amo praia e o clima lá é incrível. Vou me mudar", relata William, que mora em São Paulo.

Recentemente, ele viveu uma das experiências que considera mais autênticas da vida no Brasil: ir a uma feira livre.

"Fiquei maravilhado com a atmosfera. As pessoas conversando, gritando coisas como pastel, cana-de-açúcar, suco... É uma energia que não sei descrever, algo intrínseco da cultura que ilustra essa vida em comunidade", diz o americano.

Clima e natureza

Uma jovem está na praia segurando um cachorro enquanto o sol se põe ao fundo, criando um céu colorido. A areia está molhada e há pegadas visíveis. Montanhas se erguem ao longe, e a cena transmite uma sensação de tranquilidade.
A francesa Lorea Bergerot exalta o clima e a natureza diversificada do Brasil - Reprodução/Instagram

A francesa Lorea Bergerot, de 27 anos, mudou-se para o Brasil em abril de 2024 a convite do namorado, que é brasileiro.

Eles se conheceram em Bali, na Indonésia, e concordaram que ela passaria um mês no Brasil para testar a adaptação ao país.

"No início, eu estranhei, porque era muito diferente da França, principalmente a comida. Mas aos poucos fui fazendo amigos, conhecendo os lugares... No fim do primeiro mês, eu já tinha decidido que ia ficar aqui", diz Lorea, que mora no Rio de Janeiro.

"Me encantei pelas paisagens no Brasil e quantidade de lugares que é possível conhecer com poucas horas de carro. Com menos de duas horas, a gente consegue ir para uma montanha e fazer uma trilha. Sem falar que faz calor quase o ano inteiro."

Uma selfie de duas pessoas sorrindo, com o Cristo Redentor ao fundo. A mulher à esquerda tem cabelo longo e usa óculos escuros grandes, enquanto o homem à direita tem barba e usa óculos escuros brancos. O céu está nublado.
Lorea e o namorado decidiram que ela experimentaria morar no Brasil por um período — após o primeiro mês, ela já decidiu ficar - Reprodução/Instagram

Lorea fez faculdade na França, onde se especializou em gestão de patrimônio e tributação.

Ela acredita que a formação e o fato de falar quatro línguas contribuíram para que conseguisse um emprego no Brasil.

Atualmente, a francesa trabalha como gerente de contas em uma agência de turismo no Rio, mas tem planos de montar o próprio negócio perto da natureza.

"Quero abrir uma pousada em Búzios, junto com minha mãe. Ela veio me visitar e amou o Brasil, principalmente as praias", destaca.

As paisagens naturais também sempre chamaram atenção do americano William Jeffrey.

Recentemente, ele conta que esteve em Foz do Iguaçu (PR) e ficou maravilhado com as Cataratas.

"Eu cresci indo para Niagara Falls [cataratas no Canadá]. É realmente lindo, mas tem duas cachoeiras. Iguaçu tem centenas! Por que as pessoas não falam sobre isso? Há tantas maravilhas naturais para ver no Brasil, e é isso que eu quero fazer aqui", diz William, que compartilha curiosidades e a rotina no Brasil no perfil @diachodegringo em algumas redes sociais.

Oportunidades nas redes sociais

Para Julia, as redes sociais também se tornaram um espaço para falar sobre as diferenças culturais entre Brasil e Rússia.

"Eu trabalhava com internet na Rússia, mas falando sobre restaurantes, viagens. Quando cheguei no Brasil, percebi que as pessoas tinham uma curiosidade enorme sobre eu ser russa, sempre perguntavam sobre o frio, comida, costumes. Vi uma oportunidade e resolvi criar um perfil sobre isso", explica Julia, que é dona do perfil @russa_no_brasil_.

A americana Bri Fancy também compartilha boa parte de sua rotina brasileira nas redes sociais, onde encontrou uma oportunidade de ganhar dinheiro.

Há aproximadamente dois anos, antes de se mudar definitivamente para o Brasil, ela começou a publicar vídeos no Instagram com dicas de inglês.

Mas o português de Bri chamou atenção, e os vídeos começaram a viralizar. Foi então ela e o namorado viram nas redes sociais uma oportunidade para acelerar o retorno para o Brasil.

"A gente tinha uma meta de voltar até 2028. Quando percebi que trabalhar com produção de conteúdo poderia acelerar nosso plano, passei a me dedicar totalmente a isso", lembra.

Hoje, Bri tem quase 1 milhão de seguidores no perfil de Instagram @meiabrasileira, onde fala sobre inglês e multiculturalismo junto com o namorado. O espaço já proporcionou a eles contratos publicitários.

A volta do casal para Brasil foi anunciada em um vídeo que teve mais de 2 milhões de visualizações–mas também muitas críticas.

"Muitos brasileiros falaram que a gente estava tomando a pior decisão da nossa vida ao se mudar para o Brasil. Mas foi uma decisão muito bem pensada e que eu sempre quis muito", garante a americana.

Xenofobia e racismo

No entanto, a experiência positiva dos entrevistados na reportagem nem sempre são compartilhadas por imigrantes de outros países, ressaltam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

De 2010 a 2024, cerca de 1,8 milhão de estrangeiros receberam autorização temporária ou permanente para morar no Brasil, segundo dados do SisMigra (Sistema de Registro Nacional Migratório), da Polícia Federal.

Mais da metade deles são de países da América Latina–liderados por Venezuela (555.315), Haiti (186.211) e Bolívia (117.602).

Já os países do antigo G8–Estados UnidosJapãoAlemanhaCanadá, França, ItáliaReino Unido e Rússia –compuseram um percentual relativamente pequeno entre os imigrantes registrados no Brasil nos últimos anos.

O G8 reunia oito países fortemente industrializados, mas a participação da Rússia foi retirada em 2014, em retaliação à anexação da Crimeia. Entretanto, esse agrupamento ajuda a entender o perfil de estrangeiros entrevistados pela reportagem.

De 2010 a 2024, imigrantes de países do G8 foram 10,8% do total de estrangeiros registrados no Brasil. Apenas considerando o ano de 2024, o percentual foi de 5,7%.

"Vivemos um período de expansão da imigração no Brasil, encabeçada primeiramente pela chegada de haitianos em 2012 e venezuelanos a partir de 2018", explica Luís Felipe Aires Magalhães, coordenador adjunto do Nepo-Unicamp (Observatório das Migrações em São Paulo).

Segundo Magalhães, os imigrantes latino-americanos vêm ao Brasil, na maioria, em busca de oportunidades de estudo, trabalho e melhoria de vida–muitas vezes por meio de acordos entre países e programas de acolhimento.

Para Duval Fernandes, professor de geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), imigrantes que vêm de países mais pobres e/ou são negros tendem a sofrer mais preconceito no Brasil.

"O imigrante negro no Brasil sofre a xenofobia e sofre o racismo. Um haitiano não recebe o mesmo tratamento que um europeu, mesmo se eles tiverem a mesma qualificação", destaca o professor.

Ele ressalta a persistência do ideal de que o estrangeiro vindo do hemisfério norte é quem vai trazer cultura e crescimento.

"Existe um espírito de vira-lata de que tudo que vem da Europa, dos Estados Unidos, é bom, porque vem de uma cultura que as pessoas desejam. O imigrante que vem de lá é bem aceito, porque é o imigrante que as pessoas querem", complementa.

Para Magalhães, a diferença de tratamento a depender da origem e posição social do estrangeiro também se reflete na burocracia pela qual eles têm que passar.

"Ao validar um diploma, um imigrante do Norte Global vai ter dificuldade, mas ele vai ser melhor tratado e atendido com muito mais paciência do que um do Sul Global", afirma Magalhães, que também ressalta a diferença de acesso a serviços no Brasil.

"Quando a gente vai em espaços de acolhimento a imigrantes, a gente se depara com a maioria de imigrantes negros e do Sul Global. Não que os imigrantes do Norte não existam, mas muitos deles não precisam destes espaços para ajudá-los a buscar um emprego, um atendimento médico, porque eles têm melhores condições financeiras para arcar com isso."

Terapias psicodélicas também têm resultados negativos, Marcelo Leite, FSP

 

Pílulas multicoloridas sobre fundo preto
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

A aparência de panaceia para tudo quanto é transtorno mental sempre representou um calcanhar de aquiles para pesquisas clínicas com substâncias psicodélicas. MDMA, psilocibina, LSD e quejandos pareciam remédio para tudo –alcoolismo, anorexia, ansiedade, autismo, bipolaridade, demência, dependência química, depressão, enxaqueca, estresse pós-traumático, fibromialgia, TDAH, TOC...

"Não existe bala de prata", gritava o grilo na cabeça do jornalista de ciência com 45 anos de janela, na qual já viu de tudo aparecer como remédio –e também o seu contrário. Felizmente, resultados negativos acontecem, com o efeito colateral de pôr em perspectiva o potencial terapêutico dessas drogas, que parecem ter espectro bastante amplo de aplicação, sim, mas não infinito.

O primeiro resultado negativo recente veio da Suíça e dizia respeito ao emprego de psilocibina (psicoativo de cogumelos Psilocybe) para prevenir recaída no abuso de álcool. O teste clínico de fase 2 arrolou 37 voluntários com tratamento de abstinência nos seis meses anteriores, que receberam dose única de 25 miligramas do psicodélico, ou placebo, com breve apoio psicoterápico.

artigo de Nathalie Rieser e colaboradores saiu no periódico eClinicalMedicine. Um dos autores é Frank Vollenweider, legendário pesquisador que manteve viva essa linha de estudos na Universidade de Zurique. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos na duração da abstinência após quatro semanas e após seis meses, nem na quantidade média de álcool ingerida.

O outro resultado negativo também veio da Suíça, mas da Universidade da Basileia, em colaboração com a congênere de Maastricht (Holanda). Nesse caso se tratava de ensaio clínico também de fase 2, mas com 12 microdoses de 20 microgramas de LSD, ou placebo, para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

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estudo de Lorens Mueller e colegas saiu no periódico Jama Psychiatry, publicado pela Associação Médica dos EUA. Participaram 53 voluntários na Suíça e na Holanda, ao longo de seis semanas, com o objetivo de testar a eficácia desse uso comum de pequenas quantidades de LSD para melhorar cognição. Para desencadear experiências psicodélicas plenas, as doses usuais superam 150 mcg.

Observou-se redução de sintomas de TDAH nos dois grupos, mas sem diferença estatisticamente significativa entre eles. "Esses resultados questionam a prática anedótica [de microdosagem] e destacam a importância de ensaios controlados por placebo na pesquisa psicodélica de doses baixas", concluem os autores.

Reveses ainda mais importantes podem estar em gestação no campo psicodélico, que ainda amarga o rescaldo da decisão em agosto da agência de fármacos dos EUA, FDA, contra a psicoterapia com MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático. A bola da vez na cancha da FDA é psilocibina contra depressão, com dois testes clínicos de fase 3 em andamento, um deles pela empresa Compass Pathways, que tem dado seus tropeços.

O boletim Psychedelic Alpha noticiou dia 28 problemas com dados do estudo de fase 2 da Compass, reunidos após um ano de acompanhamento. Foram recrutados 233 participantes, um dos maiores ensaios clínicos controlados já feitos com psicodélicos, divididos em três grupos: 25 mg, 10 mg e 1 mg (controle).

O tempo transcorrido até o primeiro episódio depressivo, segundo comunicado da companhia, foi de 92, 83 e 62 dias, respectivamente, e o intervalo de 9 dias entre os dois primeiros grupos está sendo considerado pouco animador. Também surgiram limitações estatísticas decorrentes do tamanho da amostra, que parece ter sido pequena para os objetivos pretendidos.

Em paralelo, as ações da Compass estão caindo. A queda alcançou 70% na comparação com um ano atrás. Apresar disso, analistas ainda não preveem risco financeiro para a empresa.