A economia brasileira cresceu 1,2% no segundo trimestre de 2022, em relação ao trimestre anterior, acima das expectativas dos economistas, que era de uma alta de 0,9%.
Na comparação anual, a alta do PIB (Produto Interno Bruto) foi de 3,2%, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quinta-feira (1º).
O bom desempenho foi generalizado entre os setores, com altas registradas na indústria (2,2%), serviços (1,3%) e agropecuária (0,5%), sempre em relação ao trimestre anterior.
Para o ano de 2022 como um todo, os economistas projetam um avanço de 2,1% do PIB brasileiro, bem acima do 0,3% estimado no início deste ano, segundo o boletim Focus do Banco Central, que reúne as expectativas de economistas do mercado financeiro.
Apesar desses números positivos, a sensação de mal-estar com relação à economia persiste entre os brasileiros. E essa não é apenas uma impressão, existe um indicador para medir essa sensação, é o chamado "Índice de Miséria".
No segundo trimestre, mesmo com a alta do PIB, o índice de mal-estar econômico seguiu próximo do recorde, puxado pela inflação e pela inadimplência das famílias, que mais do que compensaram as melhoras do emprego e da renda no período.
"O PIB deste ano tem previsão de crescimento da ordem de 2%, o que é pouco tendo em vista o que se perdeu nos últimos anos", afirma João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
"E PIB não faz milagre: a informalidade segue elevada, a renda dos mais pobres segue pressionada pela inflação de alimentos e a inadimplência é recorde. Então é natural que as pessoas estejam se sentindo mal em termos de bem-estar. Pelo menos uma grande parte da população", acrescenta o economista.
Entenda por que o PIB está crescendo mais do que o esperado, mas ainda assim o mal-estar econômico se mantém. E como essa combinação deve afetar o voto dos eleitores em outubro.
POR QUE O PIB TEVE ALTA NO 2º TRIMESTRE
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, diz que três fatores principais explicam o bom desempenho do PIB no segundo trimestre e em 2022 de forma geral.
"O primeiro fator é a reabertura pós-pandemia que ainda gera benefícios à economia, puxando segmentos de serviços, como transportes e armazenagem, serviços prestados à família e serviços públicos", enumera Margato.
Um segundo ponto é a recuperação do mercado de trabalho, que tem superado as expectativas, diz o economista.
Até junho, o país abriu mais de 1,3 milhão de vagas com carteira assinada, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), e a taxa de desemprego recuou para 9,3%, menor patamar para o segundo trimestre desde 2015, de acordo com o IBGE.
"O último elemento de destaque são os estímulos fiscais de curto prazo que vêm sendo implementados pelo governo", diz o analista da XP, citando os quase R$ 30 bilhões em saques extraordinários do FGTS liberados no segundo trimestre e medidas de antecipação de renda, como o pagamento do 13º dos aposentados em abril e do abono salarial no início do ano.
Julia Braga, professora da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) destaca ainda um outro fator importante para o avanço da economia em 2022: a alta de preços das commodities, impulsionada pela guerra entre Rússia e Ucrânia.
"O Brasil é um grande exportador de commodities –petróleo, produtos agrícolas, metais, minério de ferro. Em geral, quando há um aumento desses preços como agora, que é um aumento da magnitude que aconteceu lá na década de 1970, naturalmente esses setores reagem a esse estímulo", diz Braga, lembrando que isso tem um efeito de "encadeamento" sobre outras atividades, como serviços de transporte e investimentos em bens de capital.
Os analistas avaliam, porém, que a economia deve perder força na segunda metade do ano, como reflexo da forte alta dos juros no Brasil e da desaceleração da economia global.
A perda de ritmo, no entanto, deve ser suavizada pelo pacote de benefícios aprovado pelo governo às vésperas da eleição, incluindo o Auxílio Brasil de R$ 600, vale-gás, auxílios para taxistas e caminhoneiros e cortes de impostos para reduzir a inflação.
MAS ENTÃO POR QUE O MAL-ESTAR ECONÔMICO PERSISTE?
O professor João Saboia, da UFRJ, explica que o Índice de Miséria é uma boa forma de entender o mal-estar dos brasileiros com a economia.
Tradicionalmente, esse indicador é calculado levando em conta dois fatores que têm muito mais peso que o PIB no bem-estar das pessoas: a inflação e a taxa de desemprego.
Mas Saboia, junto ao economista João Hallak, do Corecon-RJ (Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro), desenvolveu uma nova versão do índice levando em conta quatro indicadores:
- inflação;
- taxa de subutilização do mercado de trabalho –que além do desemprego, considera quem está trabalhando menos horas do que gostaria, e quem poderia trabalhar, mas não está procurando emprego por algum motivo;
- rendimento médio da população;
- e taxa de inadimplência.
A partir daí, os economistas chegam num número que varia de 0 a 100. Quanto mais alto, maior o mal-estar econômico da população.
No segundo trimestre deste ano, o índice estava em 75,9, quarto pior resultado registrado pelo indicador desde 2012, início da série histórica. E muito próximo do recorde de 80,9, registrado no quarto trimestre de 2021.
Para se ter uma comparação, no quarto trimestre de 2019, antes do início da pandemia, o Índice de Miséria estava em 40,5. Ao fim de 2014, antes da crise que se abateria sobre o país no ano seguinte, o indicador chegou à sua mínima: 14,7.
Ou seja: mesmo com a alta recente do PIB, o mal-estar econômico continua considerável. E a inflação e o endividamento das famílias são os dois fatores principais por trás disso, segundo Saboia.
INFLAÇÃO, INADIMPLÊNCIA, INFORMALIDADE E RENDA ESTAGNADA
Ao reduzir os impostos para combustíveis, o governo federal conseguiu diminuir a inflação em julho. Mas isso é pouco sentido pela parcela mais pobre da população por dois motivos: a persistência da inflação elevada há muitos meses e a alta dos preços dos alimentos.
Em julho, mesmo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em queda de 0,68% no mês, a inflação acumulada em 12 meses seguia acima dos 10% e a alta dos alimentos chegou a quase 15%, com itens básicos como batata (67%), leite (66%) e café (58%) com variações de preços ainda mais significativas no período de um ano.
Com a inflação corroendo a renda das famílias, ela s ficaram menos capazes de honrar compromissos financeiros. Com isso, tanto o percentual de famílias endividadas (78%), como o de famílias com dívidas em atraso (29%) estão em nível recorde, segundo os dados mais recentes da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor).
Saboia cita ainda o avanço do número de trabalhadores informais no mercado de trabalho.
"Há uma certa badalação por parte do governo, dizendo que o mercado de trabalho está indo muito bem. Mas muitos dos empregos gerados são informais. Isso por um lado é bom, pois a taxa de desemprego está menor e as pessoas estão conseguindo de alguma maneira serem absorvidas no mercado de trabalho, mas muitas delas estão sendo absorvidas de maneira precária", diz o professor da UFRJ.
Julia Braga, da UFF, destaca ainda a fraqueza da renda, que apesar de uma ligeira melhora em julho, segue muito próxima do patamar de dez anos atrás.
"O recente aumento do emprego está associado a uma renda baixa, corroída pela inflação de 2021 e do primeiro semestre de 2022. Num patamar de R$ 2.700, a renda média dos trabalhadores brasileiros é similar à de dez anos atrás, ela está praticamente estagnada", observa a professora.
"Isso tudo tem impacto no bem-estar das pessoas, porque a população continua crescendo e os novos postos de trabalho que estão sendo gerados são de baixa renda. Além disso, não há uma política de valorização do salário mínimo e há uma piora na distribuição de renda. Então é um crescimento econômico que não atinge toda a população, o que fica claro com o aumento da fome."
E COMO TUDO ISSO AFETA A ELEIÇÃO?
Então temos de um lado: PIB em alta, desemprego em queda e auxílio de R$ 600 no bolso.
E do outro: inflação de alimentos persistente, endividamento e número de trabalhadores informais recordes e renda estagnada ao nível de dez anos atrás.
Com a proximidade das eleições de outubro, a pergunta inevitável é: qual o efeito dessa combinação de fatores no voto do eleitor?
"Se eu pudesse resumir o efeito da economia no quadro eleitoral de 2022, eu diria o seguinte: ela mantém a viabilidade e a competitividade da candidatura à reeleição [de Jair Bolsonaro], mas não traz um sentimento de continuidade natural para a maioria do eleitorado", diz Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendência Consultoria.
"Muito embora haja alguns indicadores de dinamismo da atividade econômica, há algumas características dessa retomada –que são um peso relevante da informalidade e um quadro inflacionário ainda desafiador– que mantêm uma sensação de vulnerabilidade, o que resulta na elevada rejeição do governo e num sentimento de mudança em ano eleitoral. Não por acaso o ex-presidente Lula aparece sistematicamente à frente das pesquisas."
Cortez observa que a melhora da economia tem sido fundamental para apertar a diferença entre os dois candidatos, mas acredita que uma virada dependeria de a campanha do governo conseguir reverter a rejeição pessoal de Bolsonaro, que tem fatores para além da economia, como a dificuldade do presidente junto ao eleitorado feminino e o desempenho na pandemia.
Ele destaca ainda que a recuperação da economia é muito recente e isso é um dos fatores para o anseio do governo por levar a eleição para o segundo turno.
"Essa melhora da economia é praticamente um fato novo na campanha. Mas a percepção disso pela pessoas é um processo lento, que demanda tempo, não por acaso o governo faz um esforço relevante por um segundo turno, porque ele precisa de tempo para que essa melhora de indicadores se torne um fato político."
Este texto foi publicado originalmente aqui.