sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Monica, mais que deusa, Ruy Castro, FSP

 A morte de Monica Vitti na quarta-feira (2) gerou na imprensa mundial a esperada manchete: "Morre uma deusa do cinema italiano". Que ela era uma deusa, não se discute. Mas deusas vivem no Olimpo, e o importante em Monica foi o que ela fez na Terra, ao representar mulheres adultas, conscientes, independentes. Não parecia haver muitas na vida real. E se, nos anos 60, elas começaram a surgir em grande número, foi porque viram Monica em "A Aventura" (1960), "A Noite" (1961) e "O Eclipse" (1962), seus filmes com o diretor e então marido Michelangelo Antonioni.

Pelo menos as manchetes não a chamaram de "a última deusa do cinema italiano" —não na presença de Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale, Sandra Milo, Antonella Lualdi, Marisa Allasio, Stefania Sandrelli, Catherine Spaak, Luciana Paluzzi, Dominique Sanda e Ornella Muti, que estão vivas, imagino que aposentadas e não quero saber com que idade. Para nós, que nos apaixonamos por elas quando tinham 20 ou 30 anos, rever hoje seus filmes —e eles existem em vários formatos— é uma maneira de também voltarmos a alguma idade da qual nunca deveríamos ter saído.

A categoria deusa inclui as que já se foram, mas que a câmera preservou para nós e para os que só sabem delas de ouvir falar: Alida Valli, Carla Del Poggio, Silvana Mangano, Silvana Pampanini, Lucia Bosè, Rossana Podestà, Rosana Schiaffino, Elsa Martinelli, Sylva Koscina, Virna Lisi, Laura Antonelli. Qual cinema produziu mais deusas que o italiano? Mas não acredite em mim —puxe para sua tela uma imagem dessas mulheres.

Elas eram diferentes das americanas. Embora tão deslumbrantes quanto, seus papéis e suas personalidades nos davam a ilusão de que poderíamos de repente encontrá-las. E, na nossa imaginação, encontrávamos mesmo.

Não sei se Antonioni teria sido grande sem Monica Vitti. Mas garanto que, sem ele ou sem o cinema, ela seria a mesma grande mulher.

Material de propaganda de filmes italianos dos anos 50 e 60 estrelados pelas deusas
Material de propaganda de filmes italianos dos anos 50 e 60 estrelados pelas deusas - Heloisa Seixas

Hélio Schwartsman - Dilma, Bolsonaro e o impeachment, FSP

 O governo de Dilma Rousseff cometeu muitos e graves erros, especialmente na economia. Foi vendo o amplo apoio parlamentar de que nominalmente gozava esvair-se e, quando não conseguiu reunir nem 1/3 dos deputados ou dos senadores para salvar-lhe a pele, sofreu o impeachment. O governo de Jair Bolsonaro é colossalmente pior que o de Dilma. Ele cometeu muitos e graves erros na economia e em quase todas as esferas. Ainda assim, Bolsonaro foi poupado do impeachment. Como explicar isso?

O Parlamento é que dá as cartas —e é bom que seja assim. Dá para fazer uma democracia com deputados e sem um presidente, mas um presidente sem legisladores não passa de um tirano. Dilma tinha como vice Michel Temer, que fez sua carreira no Parlamento e se relacionava bem com os mais diversos grupos.

Quando o governo começou a fazer água, os congressistas olharam para Temer, que piscou de volta. Foi para ele que a massa de parlamentares sem grandes convicções ideológicas, mas ciosa de conservar-se no poder, correu. Não foram traídos. Na Presidência, Temer inaugurou uma espécie de parlamentarismo branco, no qual o centrão e associados tiveram farto acesso a cargos e verbas.

Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade aos borbotões e viu seus índices de popularidade caírem. Poderia ter sofrido o impeachment. Mas os congressistas olharam para o vice Hamilton Mourão, que não piscou de volta. Viram, porém, uma oportunidade. Poderiam, em troca de manter Bolsonaro no cargo, explorar diretamente o Orçamento. As verbas para emendas parlamentares, tanto as declaradas como as secretas, aumentaram. Os cargos também apareceram. Bolsonaro e seus sequazes pararam até de falar mal do centrão.

O arranjo funciona para reduzir tensões políticas, mas cria um enorme problema moral. Em nenhum universo em que a ética tenha valor dá para sustentar que Bolsonaro merece menos o impeachment do que Dilma.

Entenda a briga pelo prédio e pelo nome do Maksoud Plaza, FSP

 Fernanda Brigatti

SÃO PAULO

De ícone da hotelaria em São Paulo, lembrado por ter dado palco aos últimos quatro shows de Frank Sinatra no Brasil e ser o cenário de filmes e novelas, para o centro de uma sucessão de disputas judiciais envolvendo brigas por herança, rompimentos familiares, acusações de má gestão e milhões de reais em dívidas.

O fechamento do hotel Maksoud Plaza, no dia 7 de setembro, foi mais um evento midiático de uma espiral de disputas envolvendo esse que foi um dos mais famosos empreendimentos hoteleiros e de gastronomia na capital paulista.

Inaugurado em 1979, o Maksoud Plaza viveu seu auge nos anos 1980 e 1990, quando era lembrado por ser tanto um ponto de encontro de artistas e boêmios, quanto por ser um centro gastronômico e cultural relevante. Os bares e restaurantes 24 horas combinavam com o imaginário de uma cidade que não dormia.

O prédio em que o hotel funcionou foi arrematado por acionistas do grupo logístico JSL em 2011 - Tuca Vieira-22.mai.14/Folhapress

O 150Night Club recebeu, além de Sinatra, lendas do jazz e do blues como Etta James, Alberta Hunter, Bobby Short e Buddy Guy. No Trianon Piano Bar, os Peixoto, irmãos de Cauby, embalavam noites com um repertório de jazz e bossa nova.

Na cozinha, o La Cuisine du Soleil, inaugurado pelo ícone da nouvelle cuisine francesa Roger Vergé, é considerado um marco da gastronomia na capital.

Instalado em uma região nobre do bairro Bela Vista, o prédio tem 22 andares, 372 quartos, 44 suítes principais e chegou a empregar cerca de 350 funcionários. Hospedou estrelas como Mick Jagger, Ozzy Osbourne, Ray Charles, Catherine Deneuve e Pedro Almodóvar.

No começo dos anos 2000, o brilho começou a esvanecer. A crise econômica da virada da década e a expansão da concorrência fizeram o Maksoud Plaza iniciar um ciclo de profunda crise. Em 2003, quando o hotel completava 25 anos, Henry Maksoud, seu fundador, se ressentia das dificuldades. "A indústria hoteleira está destroçada", disse à Folha, na época.

Henry Maksoud morreu em abril de 2014, aos 85 anos. Um ano antes, depois de uma internação por pneumonia, ele se afastou dos negócios e passou o controle ao neto, que já trabalhava no grupo.

Alguns dias depois, os irmãos Roberto e Claudio, seus filhos, contestaram a validade de um testamento no qual o pai dedicou 50% de sua fortuna para a segunda mulher, Georgina, e Henry Maksoud Neto, que é filho de Roberto.

Meses antes da morte do patriarca, Roberto e Claudio ajuizaram uma ação, extinta com a morte de Maksoud, com pedido de interdição do pai. Eles alegavam que a madrasta não permitia que os filhos o visitassem.

Frank Sinatra em show no hotel Maksoud Plaza em 1981; anos depois, o cantor seria homenageado no Frank Bar, instalado no lobby do hotel - Divulgação/Maksoud Plaza

O hotel não foi o único negócio fundado por ele –e isso é também, de certa forma, a origem de uma das crises recentes envolvendo a família. O grupo Maksoud herdou dívidas tributárias e trabalhistas da Hidroservice, empresa de engenharia que atuou nas construções dos aeroportos Galeão, no Rio, e Eduardo Gomes, em Manaus (AM), e é a controladora do hotel.

Na década de 1990, o prédio e o terreno da rua São Carlos Pinhal, onde funcionava o Plaza, foram alienados como garantia em ações trabalhistas.

Em 2011, o prédio acabaria arrematado por Jussara e Fernando Simões por R$ 142 milhões, mas o hotel continuou funcionando enquanto o grupo Maksoud contestava os termos do leilão na Justiça.

Tornado o número 1 da gestão do hotel, Maksoud Neto tentou reerguer o Plaza. A nova gestão contratou consultorias especializadas e adotou novos procedimentos de governança e auditoria de resultados, reduzindo as ações trabalhistas em 93%.

A abertura do Frank Bar, no lobby, e da balada PanAnam, no 22º andar, levaram público novo ao hotel e ajudaram até a melhorar o nível de ocupação. Ambos foram idealizados pelo empresário Facundo Guerra.

Maksoud Neto atribuía aos empreendimentos uma ampliação de 20% na ocupação dos quartos, em meio a um movimento de estímulo de hospedagens por moradores de São Paulo. Em 2017, a taxa de ocupação chegava a 75%.

A PanAnam fechou em 2017, depois de uma fatalidade. Uma cliente se jogou do heliponto do prédio, que servia como fumódromo. A casa foi encerrada no dia seguinte.

O Frank, o Vino! e o 150Maksoud ainda funcionaram até o último dia do hotel, em dezembro.

Desde o anúncio do fechamento, os irmãos Claudio e Roberto intensificaram a ofensiva judicial contra Henry Maksoud Neto. Além da briga pelo inventário, os filhos do fundador do hotel também se opuseram ao pedido de recuperação judicial apresentado pelo grupo em 21 de setembro de 2020.

Em 17 de dezembro, os irmãos conseguiram uma decisão provisória para adiar a entrega do prédio aos Simões, que arremataram o prédio anos antes. A tutela não discutia se a entrega do imóvel deveria ou não ocorrer.

O desembargador Araldo Telles, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, apenas adiou o procedimento até 30 de janeiro para que houvesse tempo de o juiz da recuperação judicial se manifestar sobre os questionamentos apresentados pelos herdeiros no recurso.

Claudio e Roberto contestam diversos pontos da recuperação judicial, como o acordo que previa a entrega do prédio aos Simões. Eles chegaram a questionar a imparcialidade do administrador judicial nomeado para supervisionar a recuperação judicial, Oreste Laspro, por ele ter atuado como advogado da família Simões em duas ocasiões.

Os irmãos dizem que não deixarão de brigar para que o hotel seja reaberto no mesmo endereço.

O adiamento da entrega do prédio venceu no dia 30 de janeiro. Os Simões não dizem se a transferência foi formalizada.

"Após cumpridos os trâmites que​ envolvem a posse do imóvel, os novos proprietários se sentirão muito honrados em viabilizar uma nova atividade no local –ainda a ser definida", afirmam, em nota. Jussara e Fernando Simões são acionistas da Simpar, holding que controla a JSL, de logística, e a Movida.

MOMENTOS DO MAKSOUD PLAZA

1979
Inauguração do hotel Maksoud Plaza

1981
Entre 13 e 16 de agosto, Frank Sinatra se hospeda no hotel e se apresenta no 150Night Club

1990
Ex-funcionário da Hidroservice entra com ação trabalhista para cobrar salário e reverter uma justa causa

1992
Em 9 de dezembro, o cantor Axl Rose, do Guns N'Roses, atirou do mezanino, na madrugada, uma cadeira em direção a repórteres que estavam no térreo

2008
Prédio do Maksoud Plaza vai a leilão pela primeira vez, mas fracassa
Compradores desistem depois que liminar suspendeu os efeitos do leilão
O lance mínimo era de R$ 47,5 milhões, na época, cerca de R$ 104,2 milhões hoje

2011
Em novo leilão, o prédio foi arrematado pelo lance mínimo de R$ 70 milhões, cerca de R$ 153,6 milhões hoje

2013
Henry Maksoud se afasta da gestão do hotel, passando o comando ao neto

2014
Em 18 de abril, morreu Henry Maksoud, vítima de parada cardíaca
Os filhos Claudio e Roberto contestam testamento e começam briga pelo espólio

2015
Buscando revitalizar-se, o hotel inaugurou o PanAm Club (em janeiro) e o Frank Bar (em abril)

2019
TST valida leilão do prédio do hotel

2020
Sob o impacto da pandemia, o grupo pede recuperação judicial no dia 21 de setembro
A relação de credores das empresas do grupo tem nove páginas
Apenas em dívidas trabalhistas são 359 pessoas para quem o grupo deve dinheiro

2021
Em 7 de dezembro, o hotel fecha as portas, pegando funcionários e hóspedes de surpresa