domingo, 6 de dezembro de 2020

Eleitor se moveu para a direita, e derrota de Bolsonaro é impressão, afirma Haddad à Folha, FSP

SÃO PAULO

Para Fernando Haddad (PT), 57, o centro não foi o grande vitorioso em 2020. Ele vê um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita e não crava uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza”, diz em entrevista à Folha.

Haddad afirma trabalhar para que o ex-presidente Lula (PT) seja candidato à Presidência em 2022 e evita se colocar no jogo, embora tenha sido o plano B em 2018.

O ex-prefeito petista diz que houve frustração em seu partido com a eleição municipal, embora avalie que a sigla mantém seu tamanho —mesmo após perder prefeituras. Foram 652 cidades conquistadas em 2012, contra 256 em 2016 e 183 neste ano. Em 2020, a população governada pelo PT se manteve nos cerca de 6 milhões registrados em 2016.

Retrato de Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo
Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

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A avaliação entre políticos de é a de que, na eleição de 2020, o bolsonarismo e o petismo perderam, enquanto o centro cresceu. Concorda? A minha avaliação é outra. Bolsonaro administrou mal seu próprio cacife político, e isso passa a impressão de que ele foi o grande derrotado. Mas, se considerarmos que o bolsonarismo é uma recidiva do período autoritário com requintes de obscurantismo, vamos verificar que os partidos que, de alguma forma, descendem da matriz autoritária foram os que mais cresceram. O PT ficou no tamanho de 2016, com uma leve vantagem. PSDB, MDB e PSB foram os partidos que mais perderam espaço.

Houve um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita, mas menor do que eu esperava. O que coincide com um período em que o bolsonarismo não está tão mal avaliado, com aprovação na casa de um terço. E obviamente isso tem muito a ver com o regime fiscal do combate à pandemia, foi despejado muito dinheiro na economia —contrariando o próprio governo, que queria investir muito menos.

Quais partidos de tradição autoritária cresceram? O PP, o próprio PSL, Republicanos, DEM. Estou falando em número de votos no primeiro turno.

É prematuro dizer que Bolsonaro pode não ser reeleito? É prematuro. Os próximos dois anos estão envoltos em indeterminações, porque o ano de 2020 foi atípico. Foram investidos quase meio trilhão de reais para sustentar a economia numa situação dramática.

Políticos de centro dizem que a população rejeitou radicalismos, mencionando PT e Bolsonaro. Como vê o PT na cadeira de radical? É uma técnica de comunicação, mais do que uma definição. Qualquer cientista político sabe que o PT é um partido de centro-esquerda, sempre foi tratado dessa maneira. Se o jogo político fosse limpo, continuaria sendo tratado assim. Faz parte da narrativa desses partidos de ter escolhido um extremista em 2018. É um pouco para limpar o currículo, dizer que estavam entre dois extremos, mas isso é uma fantasia, é pouco verossímil.

Por que Bolsonaro não emplacou quem ele indicou?Há um aumento da rejeição a Bolsonaro, mas isso não contradiz o fato de que houve um deslocamento do centro para a direita, sobretudo do eleitorado do MDB, PSDB e PSB. Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza. Ter um terço de aprovação sem nenhuma entrega é considerável. Até por inexperiência, ele está ocupando a Presidência da República, não está exercendo o cargo.

Por outro lado, o PT e a esquerda encolheram. Não acho. O PT teve um número um pouquinho maior de votos do que em 2016 —nos grandes centros, justamente onde o bolsonarismo teve aumento de rejeição. O PT decresceu nas pequenas cidades, onde o auxílio emergencial faz muita diferença. Tudo somado, o PT ficou do mesmo tamanho.

Em comparação com 2016, seu pior momento. O PT imaginava que fosse angariar um apoio maior do que teve em 2016 e isso não aconteceu. Mas quando se fala que não ganhamos em nenhuma capital… Nós ganhamos Rio Branco (AC) em 2016, que é menor que as quatro cidades onde ganhamos no segundo turno em 2020. O PT teve um desempenho melhor nas médias e grandes cidades e perdeu apoio nas pequenas, ficou do mesmo tamanho. O que frustrou as expectativas, já que o partido imaginou que fosse recuperar pelo menos uma parte do que perdeu em 2016 .

Não vê erros de condução na direção do partido? Pode ter havido em campanhas específicas, mas um erro geral, não.

Considerando Boulos em São Paulo, não faltou renovação no PT? Mas o PT lançou um candidato novo também [o ex-secretário municipal e ex-deputado Jilmar Tatto].

Um nome que está na política há mais tempo, não é a juventude que Boulos representa. Foi uma eleição que favoreceu muito o recall. O fato de Boulos ter sido candidato a presidente deu uma vantagem a ele muito grande. Ele tinha uma rede social já muito bem estruturada. Boulos conta com apoio do PSOL muito entusiasticamente, é um candidato que está sendo trabalhado pelo partido como um todo. Ao contrário do PT que não trabalha em torno de figuras específicas e sim mais no global. Teve muita migração de votos do PT para Boulos.

Como as chances eram de repetir em São Paulo o que aconteceu no Rio, muita gente resolveu apostar as fichas em alguém que fosse mais representativo desse pensamento progressista. Como Tatto era menos conhecido e Boulos largou na frente, acaba acontecendo isso. O que aconteceu com Boulos em 2018 foi exatamente isso, com sinal trocado. Ele teve 0,6% dos votos.

O PT errou ao lançar Tatto? Achava difícil o PT, que governou a cidade em três mandatos, não lançar um candidato. Sempre vai haver essa discussão. Recife, São Paulo e Rio vão ser discutidos futuramente sobre a condução da direção do partido.

Era melhor ter feito aliança com PSOL e PC do B? Para isso, teríamos que ter partido do tabuleiro nacional. Não poderia ter sido uma negociação cidade a cidade.

Qual o papel de Boulos agora? Eu gosto muito dele. Um bom quadro, uma boa novidade para a esquerda.

Pode ser candidato à Presidência? Compor chapa com o PT? A minha posição sobre 2022 está muito ligada ao fato de eu estar lutando muito para que Lula recupere seus direitos políticos, sobretudo depois da desmoralização de Sergio Moro. Espero que o Judiciário faça justiça e nós possamos seguir com Lula candidato.

Esse HC [habeas corpus] tem dois anos que foi pedido e é uma demanda jurídica que tem precedência sobre as outras. Acumulam-se evidências e provas de parcialidade do [então] juiz. Eu não sei mais o que precisa acontecer para que o sistema de justiça reconheça que houve clara violação de direitos fundamentais.

Boulos disse à Folha que vai trabalhar pela união da esquerda. Acho muito difícil o PSOL e o PC do B abrirem mão de candidatos próprios em função da cláusula de barreira. A união mais relevante é a de segundo turno, é garantir que quem quer que vá para o segundo turno derrote Bolsonaro. Para não acontecer o que aconteceu em 2018, quando setores democráticos resolveram apoiar a extrema direita para prejudicar o PT.

A centro-direita apoiaria a esquerda contra Bolsonaro no segundo turno?Temos [Luciano] Huck, Ciro [Gomes] e [João] Doria. Tem que perguntar para eles se votariam no Bolsonaro. Acho engraçado que o jornalismo não pergunte isso para aqueles que votaram no Bolsonaro em 2018. Se eles nos acusariam de extremista para justificar o voto no verdadeiro extremista ou não. Conheço tucanos que não repetiriam o voto no Bolsonaro e tucanos que repetiriam. Isso é relevante para mostrar quem é de fato extremista.

E se o PT tiver que apoiar qualquer um desses três contra Bolsonaro?  Para não fazer exercício de futurologia, o PT declarou voto no Eduardo Paes [no Rio], que é do DEM. Em tese, a gente sabe distinguir um fascista de um não fascista. Aparentemente, quem não sabe é a direita.

O PT só trabalha com a hipótese de Lula candidato? Essa discussão ainda não está instalada, a não ser nessa semana que dois petistas se declararam candidatos, Jaques Wagner e Rui Costa. Mas não tem movimentação para calendário de prévias, o que seria razoável.

​​O sr. é candidato ao Planalto? Vamos ter um primeiro semestre decisivo, porque acredito que o Supremo vai pautar o julgamento. Se, como eu espero, o Supremo reconhecer que Sergio Moro não julgou de forma imparcial o presidente Lula, acho que as coisas se resolvem de uma maneira. Caso contrário, a direção nacional vai estabelecer alguma forma de consulta.

Se Lula puder ser candidato, vai ser ele, sem discussão?  Ele teria que ser ouvido. No PT, por unanimidade ele seria ungido representante até por toda a violência que ele sofreu.

O PT precisa se libertar de Lula? PT e Lula são eventos indissociáveis e mutuamente dependentes.

O PT ter tido um resultado aquém do esperado com Lula solto indica enfraquecimento dele? É muito difícil transferir voto para a ponta. Eleger um sucessor é uma coisa, eleger governador e prefeito depende de mil condicionantes locais.

O PT se perdeu na sua burocracia ou está no rumo certo? O PT tem 40 anos. Já é um milagre a existência do PT no Brasil. O PT não estava no roteiro histórico desse país e, de certa maneira, o antipetismo se impõe por isso. E ele vai errar e acertar e pra isso que se faz balanço interno. O Brasil sem o PT tem o passado pela frente.

Insistir em Lula não é um erro, não se mover pra frente? O erro é aceitar uma arbitrariedade como essa. É trocar um eventual, duvidoso e imoral ganho de curto prazo imaginando que nós não seremos julgados pela história quando tudo ficar devidamente esclarecido.

Em 2022, o PT pode abrir mão de ser cabeça de chapa? O PT nunca impôs nada, isso é fantasia. Ninguém pergunta ao PSDB se ele tem vocação hegemônica. Eles ficaram em que lugar em 2018? O PT e o PSDB estruturaram a política pós redemocratização. Eu acho impossível o PSDB não ter candidato à Presidência. O PT já abriu mão de vários estados em função de alianças nacionais. Acho muito difícil PT e PSDB não terem candidatos.

Moro agora trabalha numa consultoria que atende a Odebrecht, ele ainda tem condição de ser candidato? No Brasil, nada se enterra. Não conseguimos enterrar nada, a escravidão, a monarquia, o Estado Novo. Esse país tem enorme dificuldade de se resolver. Então você vai vivendo com zumbis.

Ele pode ser candidato? Não tenho a menor ideia. Pode. O que eu sempre entendi é que ele era ambicioso.

E Luciano Huck? Projeto pessoal as pessoas podem ter. Uma celebridade sempre tem uma afinidade com uma parte da opinião pública.

O sr. foi colocado na campanha, quando Covas, por exemplo, falava do rombo do caixa na prefeitura. Como se viu na campanha? Lamentei. Covas não precisava ter mentido, ele foi desmentido três ou quatro vezes por agências de checagem. Achei meio vergonhoso para justificar um grande fracasso dessa gestão, que é reduzir em 50% o nível de investimento com muito dinheiro em caixa. Se não fosse a minha gestão, São Paulo estaria na mesma situação do Rio.

Não vou pedir pra ninguém reconhecer isso agora. É bom que esteja no jornal, porque alguém vai ler essa entrevista daqui 20 anos e vai dizer: é verdade. Não peço para reconhecer porque a verdade virou uma brincadeira, não tem aderência.

Fernando Haddad, 57

  • É bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela USP
  • Foi ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos Lula (PT) e Dilma (PT)
  • Foi prefeito de São Paulo de 2013 a 2016
  • Em 2018, foi candidato a presidente pelo PT e ficou em segundo lugar, com 45% dos votos
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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020 O JAIR QUE HÁ EM NÓS, Por Ivann Lago (simplesmente definitivo)

 O Brasil levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando seus eleitores escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro. Ex-integrante do Exército onde respondeu processo administrativo sob acusação de organização de ato terrorista; deputado de sete mandatos conhecido não pelos dois projetos de lei que conseguiu aprovar em 28 anos, mas pelas maquinações do submundo que incluem denúncias de “rachadinha”, contratação de parentes e envolvimento com milícias; ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar.


Embora seu discurso seja de negação da “velha política”, Bolsonaro, na verdade, representa não sua negação, mas o que há de pior nela. Ele é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas – e esse é o ponto que quero discutir hoje – ele está longe de ser algo surgido do nada ou brotado do chão pisoteado pela negação da política, alimentada nos anos que antecederam as eleições.

Pelo contrário, como pesquisador das relações entre cultura e comportamento político, estou cada vez mais convencido de que Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país.

Quando me refiro ao “brasileiro médio”, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e “malandro”. Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista segundo o que minhas pesquisas e minha experiência têm demonstrado.

No “mundo real” o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência... em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.

Os avanços civilizatórios que o mundo viveu, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inevitavelmente chegaram ao país. Se materializaram em legislações, em políticas públicas (de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo, de criminalização do preconceito), em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.

O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas. Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.

O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais. Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano”.

Se houve avanços – e eles são, sim, reais – nas relações de gênero, na inclusão de negros e homossexuais, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.

Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar. Como aquele desejo do menino piromaníaco que era obcecado pelo fogo e pela ideia de queimar tudo a sua volta, reprimido pelo controle dos pais e da sociedade. Reprimido por anos, um dia ele se manifesta num projeto profissional que faz do homem adulto um bombeiro, permitindo-lhe estar perto do fogo de uma forma socialmente aceitável.

Foi algo parecido que aconteceu com o “brasileiro médio”, com todos os seus preconceitos reprimidos e, a duras penas, escondidos, que viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.

Agora esse “cidadão comum” tem voz. Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.

Esse cidadão se vê empoderado quando as lideranças políticas que ele elegeu negam os problemas ambientais, pois eles são anunciados por cientistas que ele próprio vê como inúteis e contrários às suas crenças religiosas. Sente um prazer profundo quando seu governante maior faz acusações moralistas contra desafetos, e quando prega a morte de “bandidos” e a destruição de todos os opositores.

Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha alheia ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.

O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo “cidadão comum” como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.

Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches cuja força dá sustentação ao governo que o representa.

O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo benefício.

Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes. Por isso não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Para Petrobrás, petróleo terá espaço por muitas décadas, Denise Luna, OESP

 RIO - A transição energética para uma economia sem emissões de gases efeito estufa não será rápida, principalmente em países emergentes como o Brasil, na avaliação de Viviana Coelho, gerente de mudanças climáticas da Petrobrás. A função foi criada recentemente pela estatal para reforçar a imagem de sustentabilidade das suas operações, em um momento que investidores pressionam por políticas mais sustentáveis. Ela acredita que o petróleo ainda terá espaço por muitas décadas para produtores eficientes.

Há 18 anos na Petrobrás, a executiva, que até outubro ocupava a gerência de Emissões, Eficiência Energética e Transição para Baixo Carbono, afirma que há mais de uma década a Petrobrás tem a transição energética no radar, com perfeita consciência da tendência de redução da demanda e do preço do seu principal produto, o petróleo. Mas, diferentemente de algumas de suas rivais, a opção, neste momento, é não entrar na produção de energias renováveis e continuar apostando no petróleo.

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Analistas defendem que empresa deve explorar pré-sal o quanto antes Foto: Fabio Motta/Estadão

Os esforços são para manter em seu portfólio apenas projetos resilientes ao novo cenário de preços baixos. A seu favor, a empresa tem reservas gigantes da commodity no pré-sal, de baixo custo e baixo teor de carbono, garantindo, no entender de Coelho, uma vida longeva para os negócios da empresa. 

“Em todos os cenários da Agência Internacional de Energia, você enxerga a desaceleração do consumo do petróleo, e eventualmente, em algum momento, uma retração nesse mercado. A gente não trabalha com uma data específica para o pico (do petróleo), o que fazemos é tentar ter um portfólio resiliente até para o pior caso. Trabalhamos com curva do preço do petróleo, e este ano revisamos essa curva, o que exige que nossos projetos tenham uma perspectiva de resiliência a US$ 35 (por barril)”, explica. Ela destaca que até os cenários mais agressivos mantêm o petróleo ainda por duas ou três décadas, com demanda significativa em 2040.

Nova geração

Ao mesmo tempo, diz, a empresa lançou em setembro o programa de Biorefino 2030, que prevê projetos para a produção de uma nova geração de combustíveis mais sustentáveis, como o diesel renovável e o bioquerosene de aviação. “Isso foi um exemplo prático de como a Petrobrás busca estar preparada para entrar em mercados que têm competência para ser o melhor player”, explica. “Existe uma transição em curso, mas não a ruptura completa, o petróleo não vai sumir de uma hora para outra, principalmente em países emergentes.”.

A executiva vê uma grande diferenciação no ritmo da redução do uso de combustíveis fósseis entre os países. “Teríamos cenários fracos se a gente não enxergasse que uma das tendências consolidadas do mundo é a expansão da mobilidade elétrica. É um fator que pressiona a redução do mercado. Por outro lado, você vê no Brasil, por ser um País em desenvolvimento, que ainda tem uma previsão de expansão no setor de transporte”, afirma.

Metas de neutralidade de carbono para 2050, como muitas petroleiras têm feito, não fazem parte das pretensões da estatal, por entender que um prazo desse porte passa por muitas condicionantes. “Gostamos de metas bem concretas, que possamos conseguir explicar como vamos chegar lá.”

Opção possível

Para analistas, a decisão da Petrobrás de não entrar na onda de produção de energia renovável, como muitas de suas concorrentes, é, no momento, a opção possível para uma empresa endividada e com grandes reservas de petróleo debaixo da terra.

“A Petrobrás não tem vantagens competitivas em geração renovável, isso ficou claro. O fato de não terem esse foco, porém, não significa que não tenha avançado em temas perpendiculares a essa pauta”, diz Ilan Arbetman, analista de petróleo e gás da Ativa Investimentos, citando o aumento da importância da redução das emissões no recente Plano Estratégico da empresa, que vai descartar projetos que tenham alta emissão de gás carbônico, entre outros avanços.

A descoberta do pré-sal, antes encarada como uma solução para as mazelas do Brasil, hoje representa um volume imenso de petróleo em um contexto de baixo preço e demanda, que pode até afastar investidores no médio prazo, o que torna o momento ainda mais desafiador para a petroleira brasileira. A vantagem, diz a companhia, é que o petróleo do pré-sal é de alta qualidade e com baixo teor de enxofre, e tem sido bem recebido pelo mercado internacional.

Para Renan Sujii, Estrategista Chefe de Investimentos no Grupo Harrison, a gestão da empresa desde Pedro Parente, em 2016, está olhando para dentro e focada na redução do endividamento. Até que isso seja solucionado, diz, será difícil ver a Petrobras diversificando suas operações. Pelo contrário, a empresa está se desfazendo de tudo que não seja petróleo e gás. Mas ele prevê que depois de resolvidos os problemas financeiros, a companhia deve olhar outros setores.

Shin Lai, estrategista da Upside Investor, diz que já há muitos sinais de que a era de declínio do petróleo está em andamento. “A China anunciou meta de emissões zero em 2060, a Inglaterra vai proibir venda de carros novos a gasolina em 2030 e com a eleição de Joe Biden, nos EUA, essa pressão vai ser ainda maior. Tudo isso coloca pressão sobre as petroleiras, ao mesmo tempo em que não podem acelerar a produção porque não tem demanda”, explica.