segunda-feira, 30 de abril de 2018

'Alzheimerização' de demências preocupa médicos e atrapalha busca por tratamento, FSP


Embora o alzheimer a causa maior causa da síndrome demencial, mais de cem doenças geram condição



Fernando Tadeu Moraes
SÃO PAULO
Um homem ou uma mulher de mais ou menos 75 anos certo dia começa a repetir a mesma história como se a contasse pela primeira vez. Em outro, chega em casa sem o carro após tê-lo esquecido na frente da padaria do bairro. Logo está se atrapalhando em tarefas básicas do dia a dia, como cuidar do cachorro ou fazer o almoço. 
Preocupada, a família vai atrás de um médico e recebe o diagnóstico devastador: doença de Alzheimer (DA). O tratamento é iniciado, remédios são administrados, mas, após avaliação com outro especialista, descobre-se que a enfermidade por trás do quadro de demência é outra.
Histórias como essa não são incomuns nos consultórios e hospitais Brasil afora e resultam de um fenômeno que ainda persiste na prática médica, a despeito dos avanços na maneira de se diagnosticar a doença de Alzheimer.
"Há algum tempo a doença de Alzheimer passou a ser má utilizada na prática como sinônimo de demência da fase mais avançada da vida, o que nunca foi verdade para aqueles que estudam o assunto", afirma Ricardo Nitrini, professor titular de neurologia da Faculdade de Medicina da USP.
Um estudo americano ainda em curso, cujos primeiros resultados foram anunciados no ano passado, fornece alguns números para a discussão. 

Exames de imagem podem ajudar a encontrar possíveis causas de demências, como o mal de Alzheimer
Exames de imagem podem ajudar a encontrar possíveis causas de demências, como o mal de Alzheimer - Evan Vucci/Associated Press
Quase 4.000 pessoas com déficit cognitivo leve e demência foram testadas. Os resultados mostraram que 30% dos pacientes com demência não possuíam, no cérebro, as placas formadas pela proteína beta-amilóide, um das lesões características do alzheimer --portanto, não tinham a doença.
Tais constatações geram algumas perguntas. Como surgiu essa confusão entre alzheimer e demência? Qual é maneira correta de se realizar o diagnóstico de alzheimer? Quais são as consequências de um tratamento equivocado? Como a busca por uma cura foi afetada por esses erros?
Para tentar respondê-las, é necessário compreender como o conhecimento da doença mudou nas últimas décadas.
Descrita em 1906 pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer a partir do caso de uma mulher de 51 anos, a doença de Alzheimer era considerada até os anos 1970 uma moléstia rara que acometia pessoas relativamente jovens.
A partir da década de 1970, porém, começaram a surgir estudos mostrando que a DA era, na verdade, a mesma doença que frequentemente causava demência em idosos.
"A forma pré-senil é muito influenciada pela genética e começa antes dos 65. Já a forma senil acontece mais tarde, mas ainda não entendemos bem a carga genética envolvida. Na prática, porém, quando se analisa o cérebro desses doentes não é possível distinguir uma forma da outra", diz Claudia Suemoto, professora de geriatria da USP.
Ambas provocam as lesões causadas pelo acúmulo anormal das proteínas que caracteriza a doença de Alzheimer --a tau e a beta-amilóide--, responsável pela degeneração de neurônios e por dificultar a comunicação entre eles.
"Essa descoberta, aliada a estudos em populações e em bancos de cérebros, mostrou que a DA é a causa de demência mais frequente em idosos, reforçando a associação entre demência e alzheimer. Assim, saímos de um período em que a DA era considerada rara, para uma situação em que casos de demências não relacionadas a ela são erroneamente diagnosticadas como tal", diz o neurologista Paulo Caramelli, professor titular da UFMG.
Caramelli qualifica esse fenômeno de "alzheimerização". "Embora a doença de Alzheimer seja a principal causa de demência em idosos, uma coisa não é sinônimo da outra. De um lado, existem cerca de 100 enfermidades que causam demência; de outro, hoje se sabe que a DA também provoca alterações anteriores e mais leves."
Estudos conduzidos na última década mostraram que a doença de Alzheimer principia cerca de 15 anos antes da fase de demência, sendo esta antecedida de uma etapa assintomática e uma de comprometimento cognitivo leve.
A chance de receber o diagnóstico de alzheimer sem ter a doença aumenta ainda mais em locais onde a estrutura médico-hospitalar é precária, situação ainda comum no país.
Paulo Caramelli conta que recentemente consultou cerca de 20 colegas de diversos estados do país acerca dos desafios do diagnóstico de alzheimer em suas regiões.
"Todos reconheceram que falta acesso a recursos diagnósticos, como exames de neuroimagem, mas também apontaram a dificuldade de especialistas que fazem o atendimento primário de reconhecer precocemente os sintomas e de fazer o diagnóstico correto."
Hoje, o procedimento deve começar com entrevistas com o paciente e sua família e aplicação de testes de raciocínio, memória, atenção, entre outros. Constatado que se trata um caso de demência, parte-se para a investigação das causas. 
Exames de sangue descartam outras doenças que podem atrapalhar a cognição, como problemas de tireoide e falta de vitamina B12. Por fim, são feitos testes de neuroimagem, como ressonância nuclear magnética e tomografia por emissão de pósitrons. 
"Cerca de 5% dos pacientes apresentam algum tipo de demência potencialmente tratável e que pode ser identificado por meio de exames de imagem", diz Claudia da Costa Leite, especialista em neuroradiologia e professora da USP. 
De acordo com Caramelli, no entanto, em poucos lugares no país vai-se além de entrevistar o enfermo e a família.
Mas mesmo que esse receituário seja seguido à risca, nunca há 100% de certeza no diagnóstico, algo só obtido com a análise do cérebro após a morte. "O termo demência causada pela doença de Alzheimer deve sempre vir acompanhado dos adjetivos provável ou possível", adverte Nitrini.
E com as falhas de diagnóstico vêm também os tratamentos errados.
"Os medicamentos de alzheimer podem eventualmente funcionar para certas demências, sobretudo para aquelas com evolução similar. Mas há demências para as quais eles não funcionam, atrasando o tratamento certo, trazendo custos para o sistema público e expondo o paciente a efeitos colaterais" diz Caramelli.
Os danos só não são maiores porque ainda não há cura ou formas de reverter a DA --e até essa ausência pode estar relacionada à confusão entre demência e alzheimer.
Segundo Nitrini, uma hipótese para explicar as falhas nos testes de novas drogas é a inclusão de casos de outras demências nos experimentos. "Atualmente busca-se ser preciso no diagnóstico para que apenas se inclua casos comprovados de alzheimer nos ensaios clínicos, mas ainda não é possível excluir completamente outras doenças."

POR QUE OCORREM FALHAS NO DIAGNÓSTICO DO MAL DE ALZHEIMER

Há um erro intrínseco ao diagnóstico, em cerca de 10% dos casos, por isso, a confirmação só ocorre por meio de biópsia ou autopsia, que não são feitas em pessoas vivas

MAIORES PROBLEMAS

  • Há casos de médicos que não aplicam o protocolo correto de diagnóstico
  • Em muitos locais do país, falta acesso às técnicas de neuroimagem
  • Há desconhecimento de clínicos gerais e geriatras, que muitas vezes fazem o atendimento primário dos doentes

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO

Quando um idoso começa  a apresentar  sintomas  como perda  de memória  e confusão mental, a família deve procurar preferencialmente um neurologista 
A primeira coisa a ser feita é entrevistar o paciente e sua família e aplicar testes de raciocínio, de memória, de atenção, entre outros
Um exemplo é apresentar uma lista de figuras como a abaixo e pedir para o paciente memorizá-la

Brasil só cria vagas de trabalho de até 2 salários, FSP

No 1º trimestre, Nordeste e Norte tiveram saldo positivo em postos com remuneração mais baixa

Laís Alegretti
BRASÍLIA
O Brasil só criou empregos formais, neste ano, com remuneração de até dois salários mínimos (R$ 1.908).
As contratações foram maiores do que as demissões apenas em vagas com rendimentos mais baixos, segundo dados do primeiro trimestre levantados pela Folha no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
Houve fechamento de vagas em todas as faixas com vencimento maior do que dois salários mínimos.
No Norte e no Nordeste, a situação é pior: no mesmo período, a abertura de empregos ficou na faixa de até um salário mínimo (R$ 954).
O Ministério do Trabalho diz que os números refletem um processo de recuperação e que a expectativa é que o saldo positivo chegue aos cargos com melhor remuneração.
“O ideal seria que estivesse bem distribuído entre as faixas, mas há melhora em relação a 2017”, afirma Mariana Eugênio, analista de Políticas Sociais do ministério.
No primeiro trimestre de 2017, o saldo positivo estava concentrado nos empregos de até um salário mínimo e meio. Em 2016, foi registrado o pior cenário para o período: só foram abertas vagas de até um salário mínimo.
Anos atrás, contudo, o Brasil criava oportunidades com remunerações maiores: no início de 2008, foram geradas vagas de até quatro salários mínimos e também de sete a dez.
A economista Vivian Almeida, professora do Ibmec, aponta que o emprego, muitas vezes, demora mais a reagir.
“O mercado de trabalho tende a responder um período depois. Primeiro, há, por exemplo, aumento nas vendas, depois no emprego.”
A maior parte do impacto de crises econômicas no mercado de trabalho ocorre nos postos com menor remuneração, segundo Bruno Ottoni, pesquisador do iDados e Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O cenário ainda mais desfavorável no Norte e no Nordeste pode ser explicado, segundo ele, pelo fato de os salários médios nessas regiões serem menores. “Assim, o valor do salário mínimo fica mais custoso para o empregador.”
Com o emprego mais fraco do que o esperado no ano, o Ibre revisou a projeção inicial de criação de 800 mil vagas em 2018 para 630 mil (considera o envio de dados pelas empresas no prazo).
Apesar de o governo ter defendido, em 2017, que a reforma trabalhista permitiria a abertura de 2 milhões de empregos em dois anos, o Ministério do Trabalho hoje não divulga a expectativa para o saldo do Caged em 2018.
As novas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) entraram em vigor no fim do ano passado e dependem, em vários pontos, de regulamentação.
A oferta de vagas em modalidades previstas na nova lei, como contratos intermitente e regime parcial, tem sido “decepcionante”, segundo Ottoni.
Essas duas modalidades de contrato de trabalho responderam, juntas, pela abertura de 6,4 mil vagas em março, de acordo com o dado mais recente do governo.
O índice de desemprego também preocupa nessa fase de recuperação econômica. 
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o país tem hoje 13,7 milhões de pessoas em busca de trabalho. No primeiro trimestre, o índice ficou em 13,1%, alta de 1,3 ponto percentual em relação ao trimestre finalizado em dezembro.