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Há pais cegos, mas por quererem. Passei horas estudando o ranking do Enem. Descobri o que não está na superfície: para uma escola ir bem, basta participar de uma farsa.
A número 1 no ranking, uma pequena filial do Objetivo, com sufixo qualquer, participou com 41 alunos! Ora, se pegarmos a escola real deles, que fica no mesmo famoso endereço da av. Paulista, com 280 alunos participantes, a classificação cai para o 547º lugar.
Não é diferente com a plataforma Eleva, que se gaba de ter nas suas unidades do Rio, Pensi, 4 das 15 escolas mais bem avaliadas. Lá a estratégia é mais discreta: fazer turmas mínimas com alto grau de filtragem.
Depois, é só usar essa elite para fazer de conta que o resto é tão bom quanto. O investidor da plataforma, Jorge Paulo Lemann, um cidadão honesto e vencedor, não se deu conta do que estão fazendo em seu nome.
Não é irregular, nem fora das regras do Enem, mas é um engodo perante os pais. Há que se perguntar: a quem interessa? Por que o Inep não força a fusão das notas dessas escolas, que já seguem o modelo "cursinho asiático trucidante"?
Causa espanto que as escolas públicas se deem mal nesse sistema de decoreba? Ora, o famoso Objetivo, em 547º lugar, não é muito diferente da maioria das escolas públicas -isso sim é fascinante.
Qualquer escola é capaz de filtrar alunos vencedores de olimpíadas matemáticas, sob o comando de professores sargentos de prova.
Interessante observar que os empresários estão mandando cada vez mais na educação. Os do ramo e, nos últimos dez anos, também os de fora do ramo. Uma coleção de entidades empresariais, cada qual com sua vaidade pessoal, tem "ensinado" que a boa educação depende de boa gestão.
Isso, contudo, é uma balela. Depende de mudanças conceituais na metodologia obsoleta.
Aliás, depois de uma década investindo pesado no teste Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil passou de 56º para 58º no ranking mundial, entre 65 países.
Não que o Pisa seja isento da mesma fraude. É só olhar a progressão: no começo, tinha Finlândia lá em cima, como também Suécia, Suíça e Holanda. No último ranking, só dá ditadura.
Dois terços dos primeiros dez lugares são tomados por países em que não há liberdade para o aluno, seja para escolher ou ser feliz. As nações asiáticas dominam o ranking, e o massacre dos jovens é imperioso.
Muitos alunos da Coreia do Sul, por exemplo, têm um turno triplo: oito horas de escola seguidas de cursinho por quatro horas. E depois, lição de casa. O canal britânico BBC mostrou que muitos dormem às 2h e acordam às 6h30, para recomeçar tudo.
É com esses países que o Brasil oficial, fomentado por empresários, quer concorrer no ranking.
A escola, não só no Brasil, está presa numa pantomima que parece interessar a todos. O conteúdo que cai nas provas é reduzido, não chega a 1% do que o Google possui sobre aquele assunto. Dessa amostragem mínima, eivada de bobagens (fórmulas matemáticas de segundo grau e decorebas de química ou biologia), submetem-se os alunos a enfadonhas sessões de releitura de apostilas obsoletas.
Professores fazem de conta que ensinaram. Alunos fazem cara de que aprenderam. Pais e sociedade babam em rankings do Enem.
Até no Enade, que avalia as universidades, existem ardis -alunos são mantidos em recuperação e outros avançam antes da hora para melhorar a pontuação geral.
Quantos alunos já não foram incentivados a não fazerem as provas? Quantos testes de recuperação não foram marcados para a mesma hora dos exames oficiais?
A reforma do ensino médio segue a mesma toada. Reconhecendo-se o fracasso, faz-se apenas uma redução de disciplinas. Pensando bem, elas nem deveriam existir num mundo em que só interessa saber questionar -e procurar no Google.
Afinal, queremos formar cidadãos livres e pensantes ou seguir o Enem e o Pisa no embate dos conteúdos e rankings embrutecedores?
Olho vivo, meus caros pais. Vocês também participam dessa tramoia.
RICARDO SEMLER, empresário, é sócio da Semco Partners e fundador do Instituto Lumiar, que administra as escolas Lumiar. Foi professor visitante da Harvard Law School