terça-feira, 29 de março de 2016

Polícia Civil realiza 2ª fase da operação contra fraude na merenda em SP, do G1


Sete foram presos em Bebedouro, Barretos, Severínia, Campinas e na capital.
Esquema envolvia pagamento de propina a servidores e deputados paulistas.

Do G1 Ribeirão e Franca
A Polícia Civil e o Ministério Público Estadual realizam na manhã desta terça-feira (29) a segunda fase da Operação Alba Branca, que investiga a suspeita de fraude em licitações da merenda escolar em 22 cidades paulistas nos últimos dois anos.
Em nota, a Delegacia Seccional de Bebedouro (SP), sede da operação, informou que sete mandados de prisão e dez de busca e apreensão foram cumpridos desde às 6h em Bebedouro, Barretos (SP), Severínia (SP), Campinas (SP) e na capital paulista.
“O ponto central desse trabalho de investigação vem sendo focado nos integrantes e também em colaboradores da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), que, conforme as investigações já evidenciaram, vinham fraudando tais procedimentos que visavam à venda e compra de itens que integram a merenda escolar de escolas da rede pública municipal e estadual, causando ainda, prejuízos para pequenos agricultores associados”, diz a nota.
O caso
O esquema começou a ser investigado no segundo semestre do ano passado. Em 19 de janeiro, seis suspeitos foram presos: o presidente da Coaf, Carlos Alberto Santana da Silva, o ex-presidente Cássio Chebabi, o diretor Carlos Luciano Lopes e os funcionários Adriano Gilberto Mauro, Caio Pereira Chaves e César Bertholino. Após acordo de delação, todos foram soltos.
Ainda de acordo com os interrogados, as propinas variavam entre 10% e 30% do total do contrato que seria firmado entre a Coaf e a prefeitura, e esse valor era acrescido no preço final, o que ocasionava um superfaturamento dos produtos negociados.
O delegado seccional de Bebedouro, José Eduardo Vasconcelos, explicou que a investigação do caso teve início após um ex-funcionário da Coaf procurar o 1º Distrito Policial da cidade para denunciar o suposto esquema.

domingo, 27 de março de 2016

O Lixo - Luis Fernando Veríssimo, 2008


Gosto muito de Luis Fernando Veríssimo, como escritor, humorista e leio as sua crónicas sempre a sorrir, senão a gargalhar. Costumava acompanhá-las no Expresso e tenho alguns livros que reunem diversas crónicas e histórias que satirizam o quotidiano. Julgo que o humor é uma forma sublime de entendimento.
Aqui fica um texto retirado do seu livro "O analista de Bagé", apenas para partilhar uma leitura.

«O Lixo -
Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É.
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.- No seu lixo ou no meu?»

Temer é solução porque evita a eleição - ELIO GASPARI


O GLOBO - 27/03

A Odebrecht enriqueceu o idioma politico nacional quando um de seus cleptotécnicos chamou de "Setor de Operações Estruturadas" seu departamento de pixulecos. As planilhas onde a empresa listou 316 maganos que amamentava apressaram a montagem de outro setor de operações estruturadas, poderoso e multipartidário.

Seu objetivo principal é obter a ascensão de Michel Temer à Presidência. Vale ressaltar que na planilha da Odebrecht estão os nomes de todos os marqueses dos grandes partidos, menos o dele.

Temer é um estuário de esperanças. Junta os cidadãos que detestam o PT, os eleitores que passaram a detestar a doutora Dilma, os empresários atônitos com a paralisia do Estado e sobretudo os políticos e fornecedores do governo, aterrorizados com a atividade do Ministério Público.

Temer é acima de tudo conveniente. Vota-se o impedimento da doutora, ele assume, reduz a tensão, forma um ministério de celebridades, consegue uma trégua (sobretudo na imprensa), leva para o governo gente que perdeu a eleição e impõe seu estilo tolerante, tranquilizando os comissários depostos. Se for possível, ajuda a preservar a vida pública de seus correligionários que temem a chegada dos rapazes da Federal. Essas seriam as esperanças.

Outra coisa é aquilo que o caminho do impedimento garante. Se não houver a deposição da doutora, haverá o risco da cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, que levaria à convocação de uma eleição presidencial imediata e direta. Isso não interessa à oligarquia ferida pela Lava Jato nem ao andar de cima da vida nacional. Não interessa porque não tem candidato à mão e porque a banda oposicionista que está encalacrada na Lava Jato sabe que deve evitar a avenida Paulista e o julgamento popular.

Temer convém por muitos motivos, sobretudo porque evita a eleição. A serviço dessa circunstância move-se o setor de operações estruturadas. Ele não funciona como o da Odebrecht. Não tem sede, comando nem agenda detalhada. Toca de ouvido e conversa em silêncio. Quando foi necessário, aprendeu a conviver com o PT, dando-lhe conforto. Ele só não consegue conviver com a Lava Jato.

Ninguém quer rogar praga contra um eventual governo Temer, mas que tal um advogado de empreiteiras no círculo dos marqueses do Planalto ou mesmo no Ministério da Justiça?

ODEBRECHT

Em outubro de 2014, quando o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou suas traficâncias ao Ministério Público, Marcelo Odebrecht assinou uma "nota de esclarecimento" na qual queixou-se de "alguns veículos" da imprensa por tratarem como verdadeira a "denúncia vazia de um criminoso confesso que é 'premiado' por denunciar a major quantidade possível de empresas e pessoas".

Uma verdadeira aula.

Na semana passada a Odebrecht anunciou sua disposição de prestar "colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato." Quem souber o que vem a ser "colaboração definitiva" ganha um fim de semana em Angra, com direito a tornozeleira.

Continuando em seu tom professoral de 2014 a empresa diz que a Lava Jato revelou "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".

Tudo bem, antes da Lava Jato os doutores não sabiam de nada. Nem depois, visto que em novembro passado, com Marcelo na cadeia, continuavam aspergindo capilés.

O Ministério Público informa que não há negociação em andamento para se obter a colaboração definitiva ou provisória da Odebrecht.

RECORDAR É VIVER

Diante da planilha do "Setor de Operações Estruturadas" da Odebrecht é bom lembrar que em 1995 caiu no colo do tucanato a "Pasta Rosa", com a contabilidade político-eleitoral da Federação Brasileira dos Bancos. Ela era muito mais rica e mais bem documentada do que a papelada da Odebrecht.

O tucanato sentou gloriosamente em cima da pasta, passaram-se 20 anos e continua fingindo que não houve nada.

EXAGEROS

A doutora Dilma diz que o juiz Sérgio Moro colocou "em risco a soberania nacional" ao divulgar telefonemas em que ela estava na outra ponta da linha.

Falso como depoimento de comissário. A conversa da doutora com Lula não tratou de assunto relacionado com a soberania do país. Também não envolveu qualquer recurso criptográfico. Se Moro tivesse divulgado um trecho de telegrama secreto, esticando-se a corda, o argumento da soberania poderia ter algum valor.

Quem grampeou a soberania do Brasil foi o companheiro Obama, mas essa é outra história.

Já o juiz Moro diz que os grampos divulgados por ele defendiam o interesse público. Algum dia o doutor poderá explicar que interesse público havia na divulgação do telefonema 80829474, de 9 de março.

Nele Lula e sua filha Lurian combinam que tomarão café da manhã juntos no dia seguinte. Nada mais. Dessa rápida conversa resulta apenas uma curiosidade, a senhora chama Lula de "gato".

DILMA E TALLEYRAND

Coxo, Talleyrand caminhava com um aparelho ortopédico. Seduziu tout Paris, encantando a alma de mulheres e o bolso dos homens. (Ele seria o pai do pintor Delacroix.)

Atribui-se a Talleyrand uma frase que teria sido útil para os comissários que acabaram presos por causa dos pixulecos.

Um sujeito lhe disse:

"Dou-lhe vinte mil francos e não conto a ninguém".
Ele respondeu:

"Dê-me quarenta mil e conte a quem quiser".

O NÚMERO MÁGICO É 342 E NÃO 171

A ideia de que o governo precisa de 171 votos para barrar o impedimento da doutora Dilma é verdadeira, mas incompleta. Ela é repetida com frequência, inclusive aqui.

O processo de impeachment requer dois terços dos votos da Câmara (342) para ir em frente. O número mágico é esse.

O governo não precisa de 171 votos a favor de Dilma. Essa condição seria suficiente, mas não é necessária. O que ele precisa é que a maioria favorável ao impedimento não chegue a 342.

Isso pode ser conseguido com votos contra a iniciativa (na qual o deputado se expõe), pela abstenção e sobretudo pela simples ausência. Assim, se 152 deputados ficarem a favor da doutora (19 abaixo dos 171 do terço), mas 19 outros não aparecerem na hora da votação, o pedido de impeachment vai ao arquivo.

Foi isso que aconteceu em 1984 com a emenda que restabelecia as eleições diretas. Ela precisava do voto de 320 deputados. Quem decidiu a parada foram as ausências (113). Contra, votaram apenas 65 deputados. Com 298 votos, a emenda morreu. Na hora de a onça beber água o governo pressionava deputados pedindo-lhes que não comparecessem.

No caso do impedimento de Collor, quando rompeu-se o dique de proteção ao governo eram necessários 336 votos e 441 deputados decidiram afastá-lo.