Lá vamos nós, mais uma vez, fazer a costumeira penitência. É bobagem tentar esconder ou inventar desculpas: muito melhor é dizer logo de cara que a maior parte da imprensa de alcance nacional pecou de novo, e pecou feio, ao prever durante meses seguidos que a Copa do Mundo de 2014 ia ser um desastre sem limites. O Brasil, coitado, iria se envergonhar até o fim dos tempos com a exibição mundial da inépcia do governo para executar qualquer projeto desse porte, mesmo tendo sete anos de prazo para entregar o serviço. Ficaria exposta a ganância das empresas presenteadas com o suntuoso bufê da construção de estádios e das demais obras indispensáveis para abrigar a Copa. Haveria uma coleção inédita de aberrações, com o estouro sistemático de orçamentos, a miserável qualidade dos equipamentos entregues ao público e daí para pior. Deu justamente o contrário. A Copa do Mundo de 2014, até agora, foi acima de tudo o triunfo do futebol — uma sucessão de jogos espetaculares, a exibição de craques como não se via fazia décadas e a presença em campo de todos os oito países que levaram o título mundial em seus 84 anos de disputa. No jogo entre Bélgica e Rússia, para resumir o assunto, havia 70000 torcedores no Maracanã — não é preciso dizer mais nada, realmente, sobre o sucesso da Copa de 2014. Para efeitos práticos, além disso, tudo funcionou: os desatinos da organização não impediram o espetáculo, os 600 000 visitantes estrangeiros acharam o Brasil o máximo e 24 horas depois de encerrado o primeiro jogo ninguém mais se lembrava dos horrores anunciados durante os últimos meses.
É a vida. O que se viu com a Copa de 2014, mais uma vez, foi a aplicação da Lei Universal das Aparências que Enganam — segundo a qual quanto maior a antecedência com que é prevista uma catástrofe futura, tanto menor é a possibilidade de que ela venha de fato a acontecer. O momento mais notável na história dessa lei, possivelmente, foi o infame "bug do milênio". Lembram-se dele? O mundo iria parar a partir de zero hora do ano 2000, pelo derretimento inevitável de todos os computadores do planeta; bilhões de dólares foram gastos por governos e empresas para se defender previamente dessa alucinação, e na hora da desgraça não aconteceu absolutamente nada. As grandes crises, financeiras, que de tanto em tanto tempo vão acabar com o capitalismo no mundo (cada uma delas, inevitavelmente, é apresentada pelos meios de comunicação como "a pior desde 1929"), vêm, vão e se dispersam como os desfiles de escolas de samba. Institutos de pesquisa de opinião, com todos os seus métodos de trabalho testados cientificamente em laboratório, vivem recorrendo a "viradas milagrosas" de última hora para explicar por que o candidato que iria ganhar perdeu, e vice-versa.
A Copa de 2014 é uma boa oportunidade para repetir que a imprensa erra, sim — mas erra em público, à luz do sol, e se errar muito acabará morrendo por falta de leitores, ouvintes e telespectadores. Ao contrário do governo, que jamais reconhece a mínima falha em nada que faça, a imprensa não pode esconder suas responsabilidades. Não tem maioria de 70% no Congresso para abafar seus pecados. Não pode recorrer a embargos infringentes para manter-se impune, nem a ministros amigos no Supremo Tribunal Federal. Não tem a seu dispor cerca de 1,5 trilhão de reais, arrecadados a cada ano em impostos, para comprar quem e o que bem entende. Os jornalistas, no Brasil e no mundo, sem dúvida deveriam ser mais modestos e fazer mais força para errar menos — mas o jornalismo, infelizmente, é uma atividade em que se acumula pouco conhecimento. Fazer o quê? É preciso, bem ou mal, conviver com essa realidade. Afinal, jornalistas têm de ganhar o seu sustento de mais a mais, às vezes chegam até a estar certos. No caso da Copa, na verdade, o que importa é deixar bem claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O sucesso não muda em nada atos de desgoverno, e os atos de desgoverno não mudam em nada o fato de que a Copa foi um imenso êxito. São, apenas, duas realidades diferentes. A qualidade sensacional desta competição, que mexe como nenhuma outra na alma de bilhões de seres humanos, não vai fazer aparecer os benefícios para os brasileiros que foram prometidos e jamais serão entregues; no dia seguinte à final, o poder público nunca mais se lembrará das promessas que fez. As verdades que os jornalistas expuseram não passaram a ser mentiras. O que estava errado continua errado. É isso — e só isso.
Esperemos, agora, a Olimpíada do Rio de Janeiro.
É a vida. O que se viu com a Copa de 2014, mais uma vez, foi a aplicação da Lei Universal das Aparências que Enganam — segundo a qual quanto maior a antecedência com que é prevista uma catástrofe futura, tanto menor é a possibilidade de que ela venha de fato a acontecer. O momento mais notável na história dessa lei, possivelmente, foi o infame "bug do milênio". Lembram-se dele? O mundo iria parar a partir de zero hora do ano 2000, pelo derretimento inevitável de todos os computadores do planeta; bilhões de dólares foram gastos por governos e empresas para se defender previamente dessa alucinação, e na hora da desgraça não aconteceu absolutamente nada. As grandes crises, financeiras, que de tanto em tanto tempo vão acabar com o capitalismo no mundo (cada uma delas, inevitavelmente, é apresentada pelos meios de comunicação como "a pior desde 1929"), vêm, vão e se dispersam como os desfiles de escolas de samba. Institutos de pesquisa de opinião, com todos os seus métodos de trabalho testados cientificamente em laboratório, vivem recorrendo a "viradas milagrosas" de última hora para explicar por que o candidato que iria ganhar perdeu, e vice-versa.
A Copa de 2014 é uma boa oportunidade para repetir que a imprensa erra, sim — mas erra em público, à luz do sol, e se errar muito acabará morrendo por falta de leitores, ouvintes e telespectadores. Ao contrário do governo, que jamais reconhece a mínima falha em nada que faça, a imprensa não pode esconder suas responsabilidades. Não tem maioria de 70% no Congresso para abafar seus pecados. Não pode recorrer a embargos infringentes para manter-se impune, nem a ministros amigos no Supremo Tribunal Federal. Não tem a seu dispor cerca de 1,5 trilhão de reais, arrecadados a cada ano em impostos, para comprar quem e o que bem entende. Os jornalistas, no Brasil e no mundo, sem dúvida deveriam ser mais modestos e fazer mais força para errar menos — mas o jornalismo, infelizmente, é uma atividade em que se acumula pouco conhecimento. Fazer o quê? É preciso, bem ou mal, conviver com essa realidade. Afinal, jornalistas têm de ganhar o seu sustento de mais a mais, às vezes chegam até a estar certos. No caso da Copa, na verdade, o que importa é deixar bem claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O sucesso não muda em nada atos de desgoverno, e os atos de desgoverno não mudam em nada o fato de que a Copa foi um imenso êxito. São, apenas, duas realidades diferentes. A qualidade sensacional desta competição, que mexe como nenhuma outra na alma de bilhões de seres humanos, não vai fazer aparecer os benefícios para os brasileiros que foram prometidos e jamais serão entregues; no dia seguinte à final, o poder público nunca mais se lembrará das promessas que fez. As verdades que os jornalistas expuseram não passaram a ser mentiras. O que estava errado continua errado. É isso — e só isso.
Esperemos, agora, a Olimpíada do Rio de Janeiro.