domingo, 4 de agosto de 2013

Livro relata horrores de hospício mineiro


"Holocausto Brasileiro" traz histórias do Hospital Colônia de Barbacena, onde morreram mais de 60 mil pessoas
Para a autora, 'país desconhecia uma de suas piores tragédias' porque internos eram 'indesejados sociais'
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
Francisca dos Reis trabalhava na cozinha do hospital e queria uma vaga como assistente de enfermagem. Foi encaminhada para um teste. Viu uma de suas colegas colocar um pedaço de cobertor na boca de um homem amarrado, molhar a testa dele e acionar a engenhoca.
A descarga elétrica matou o paciente na hora. Seu corpo foi embrulhado com um lençol e deixado no chão. A segunda sessão de eletrochoque aconteceu em seguida. O homem era mais jovem. Morreu imediatamente. Francisca desistiu de concorrer ao posto na enfermaria.
Era 1979 e os eletrochoques faziam parte do cotidiano do Hospital Colônia de Barbacena (MG), o maior hospício do Brasil. As descargas eram tão fortes que chegavam a afetar o abastecimento de luz do município mineiro, conhecido como a "cidade das rosas".
Lá, em 1903, o hospício começou a funcionar. Foi construído nas terras da antiga Fazenda Caveira, que Joaquim Silvério dos Reis recebeu como prêmio por sua delação ao movimento dos inconfidentes mineiros.
Ali, 60 mil pessoas morreram. Nos anos 1960, 5.000 pacientes habitavam o lugar projetado para 200. Dormiam sobre capim no chão, andavam nus, bebiam água do esgoto, comiam em cochos, passavam frio e fome.
O relato dessa rotina de está em "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, 40, ganhadora de prêmios Esso e Vladimir Herzog.
"O Colônia tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos", escreve Arbex.
Por telefone, ela diz à Folha que tomou conhecimento da tragédia de Barbacena em 2009, folheando um livro do governo do Estado onde apareciam fotos do interior do hospício feitas em 1961 para a revista "O Cruzeiro". Eram imagens chocantes de degradação e abandono.
Arbex, repórter especial do jornal "Tribuna de Minas" (em Juiz de Fora), começou uma apuração sobre o caso e publicou reportagens em 2011. No ano passado, resolveu aprofundar o trabalho.
Tirando dinheiro do próprio bolso, viajou nos finais de semana e entrevistou mais de cem pessoas em três Estados. Os testemunhos de internos, médicos e funcionários que passaram pelo hospício são a base do livro.
A obra relata histórias como a de Antônio Gomes da Silva, levado ao hospital quando tinha 25 anos. Aos 68, ele conta: "Não sei por que me prenderam. Depois que perdi meu emprego, tudo se descontrolou. Da cadeia, me mandaram para o hospital, onde eu ficava pelado, embora houvesse muita roupa na lavanderia. Se existe inferno, o Colônia era esse lugar". Ele só deixou o hospício em 2003.
Arbex contabiliza ao menos 30 bebês nascidos no Colônia doados sem o consentimento das mães. E narra o ato desesperado de algumas grávidas, que jogavam suas fezes no corpo para se proteger de ataques de funcionários.
A jornalista diz que o que mais a chocou foi constatar que "o país desconhecia uma de suas piores tragédias". Para ela, o silêncio de décadas ocorreu porque os internos "eram indesejados sociais, e existe uma teoria de limpeza social que vigora até hoje".
Na sua visão, a situação em prisões e em outros locais ainda reflete essa "invisibilidade social". "O modelo da internação compulsória não seria uma reedição desses abusos sob a forma de política pública? A sociedade precisa discutir essas questões."
A ditadura sufocou o drama de Barbacena, denunciado em 1961 por "O Cruzeiro", e o caso só voltou a ganhar relevo em 1979, quando novas reportagens e denúncias sobre o hospício puderam circular.
A partir dos anos 1980, o hospício foi sendo modificado e desativado; pacientes foram transferidos para instituições menores.
Até 1994 havia celas no hospital. Hoje, o lugar atende várias especialidades médicas. Na área psiquiátrica ainda estão 160 pessoas remanescentes do antigo Colônia.
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Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"
Assessoria de Imprensa
Thaís Barreto

O fim da TV analógica


04 de agosto de 2013 | 2h 14

RENATO CRUZ
Imagine ligar o seu televisor e ter somente uma tela preta, sem nenhum sinal. Isso pode acontecer com quem não tiver um aparelho ou conversor digital após o desligamento da transmissão analógica, que foi remarcado para o período de 2015 a 2018. Anteriormente, o apagão analógico estava previsto para 2016.
Mas por que isso vai acontecer? A TV digital estreou no Brasil em dezembro de 2007, em São Paulo. Cada emissora recebeu mais um canal, e passou a transmitir, simultaneamente, seus programas em um canal digital e outro analógico. O espectro radioelétrico, dos quais os canais de televisão fazem parte, é um bem escasso. O decreto com as regras para a digitalização da TV aberta no Brasil, publicado em 2006, definiu um período de dez anos para a transição. Depois desse prazo, os canais analógicos seriam devolvidos, e a transmissão da TV continuaria somente digital. Um novo decreto, publicado na semana, prevê um desligamento escalonado, mês a mês, por grupos de cidades.
Quem assina TV paga não será afetado por essa transição. A digitalização da televisão por assinatura foi feita pelas próprias empresas do setor, e não tem nada a ver com o processo de digitalização da TV aberta, nem com o apagão programado dos canais analógicos. Para os aparelhos ligados ao cabo ou ao satélite, nada vai mudar.
Mas os televisores analógicos não são simplesmente descartados. Em muitas casas, eles acabam indo para outros cômodos, como a cozinha ou um quartinho. E nem sempre são ligados ao cabo ou ao satélite. Dependem da antiga antena interna. Esses aparelhos serão afetados pelo desligamento da TV analógica.
A grande preocupação, no entanto, são os espectadores que não têm condições para comprar um televisor novo e nem mesmo um conversor, que transforma o sinal digital em analógico para que seja exibido num aparelho mais antigo. A TV é o meio de comunicação mais popular do Brasil, presente em 95% das casas. O governo prometeu anunciar esta semana o cronograma do desligamento da TV analógica e também um programa de subsídios para a população de baixa renda.
A experiência internacional mostra não ser possível fazer essa transição sem apoio financeiro ao consumidor de baixa renda. Até nos EUA o governo teve de distribuir cupons de desconto para a compra de conversores, para viabilizar o apagão analógico. Por lá, foram distribuídos cupons de US$ 40, e cada residência tinha direito a dois cupons. O Congresso dos EUA destinou US$ 1,5 bilhão para esse subsídio.
Mesmo com essa ajuda financeira, não deu tempo de desligar os canais analógicos americanos na data marcada, fevereiro de 2009. Eles tiveram de adiar o processo por quatro meses. Por aqui, vai ser um desafio garantir que ninguém fique sem sinal de televisão.

Verde-galinhismo - SÉRGIO AUGUSTO


ESTADÃO - 04/08

Os galinhas-verdes estão de volta. E com eles, o cocorocó da falange: "Anauê!" E as mesmas ideias fixas de 80 anos atrás, tal como Plínio Salgado as concebeu e evangelizou: Estado forte e centralizado, de base religiosa e índole autoritária, anticomunista, antiliberal e visceralmente nacionalista.

Braço direito estendido, nem da saudação copiada do fascismo italiano os cruzados da Frente Integralista Brasileira, tardio avatar da Ação Integralista Brasileira, abriram mão. Alguns até ousam sair às ruas de camisa verde, empunhando bandeiras com a velha sigla de sua primeira encarnação, o sigma, a suástica (ou o fáscio) tupiniquim. Sempre em nome de Deus, da Pátria e da Família - como nos tempos da AIB, posta na ilegalidade nos primeiros dias do Estado Novo e na orfandade com a morte de seu líder, em 1975.

Vanguarda do retrocesso, a FIB não surgiu do nada. O ultraconservadorismo em alta em diversos quadrantes facilitou sua ressurreição. É um fenômeno que se enquadra no vigente quadro de insatisfação de certos grupos sociais com a democracia liberal, a paulatina reafirmação dos direitos civis das minorias e a crescente tolerância da sociedade com hábitos e costumes longamente reprimidos.

Seus templários são contra a união de pessoas do mesmo sexo, o aborto, a liberação das drogas, o sistema de cotas, os partidos políticos, suspiram pela monarquia e se aferram a um verde-amarelismo que já soava arcaico quando a tinta do Manifesto da Anta ainda não havia secado. Se não pudermos enfiá-los no mesmo saco da montante evangélica, do folclórico Enéas Carneiro e seu também finado Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), de Jair Bolsonaro, de Marco Feliciano e a corrente fundamentalista por ele representada, dos skinheads que agridem e matam homossexuais, do Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil, do MIL-B (Movimento Integralista e Linearista Brasileiro) e do recém-ressurrecto Partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena), que outro saco nos resta?

De origem paulista, como a AIB, a FIB surgiu em 2004 e tenta expandir-se por todo o País, arrebanhando jovens, sobretudo na faixa dos 20 anos, preferencialmente através das redes sociais. Suas mensagens não dão um anauê sem invocar Cristo e esconjurar a "mentirosa escória vermelha". Consideram-se revolucionários e acreditam atuar "pelo bem do Brasil" e pela "cidadania patriótica", em cima de conceitos tão rígidos quanto nebulosos. Contrários ao "mal dos partidarismos egoístas", denunciado por Plínio Salgado, no Manifesto de Outubro de 1932, almejam um país (ou melhor, uma pátria) que não seja "retalhada" por agremiações políticas, "mas unida, forte e solidamente construída, de forma a se livrar da plutocracia apátrida internacional e do comunismo".

Entrevistado por O Globo, o vice-presidente estadual da frente no Rio, Caio Souto, estudante da Comunicação da PUC, 20 anos, defendeu o que poderíamos chamar de república sindicalista. "Para nós, os sindicatos é que devem representar a sociedade, não os partidos", disse ele, quem sabe alheio ao fato de que o governo João Goulart foi derrubado pelos militares, em 1964, justamente por pretender, segundo os golpistas, implantar uma república sindicalista no País. Como é sabido, o golpe foi ungido por grupos que proclamavam agir em nome de Deus, da Pátria e da Família.

Os neointegralistas não se escondem, têm homepage na internet, página no Facebook com mais de 2 mil seguidores e contam em seu rebanho com servidores públicos, estudantes e taxistas. Nada modestos, alardeiam que "a vitória já é nossa". Recusam a pecha de imitadores, saudosistas e anacrônicos. Mas, apesar de algumas pequenas divergências, grande parte dos militantes segue o mesmo conjunto de dogmas e princípios da década de 1930, assegura o professor Jefferson Barbosa, da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Unesp, em Marília, que defendeu uma tese de doutorado sobre os neointegralismo no ano passado.

Plínio Salgado considerava o Estado liberal democrático "opressor", tumultuoso, com o mais forte sempre esmagando o mais fraco, "a liberdade em desordem ou em suicídio", um regime "alicerçado nas formas arcaicas do sufrágio universal". Seus novos discípulos repetem a mesma cantilena. Basta ler os artigos do atual presidente nacional da FBI, Victor Emanuel Vilela Barbuy, na internet, cheios de hosanas e referências ao grão-mestre dos galinhas-verdes.

Advogado e historiador, declaradamente católico apostólico romano e monarquista, Barbuy, de 28 anos, sataniza o marxismo, mas não resistiu à tentação de parafrasear, ironicamente, o Manifesto Comunista, em seu mais recente panfleto digital: "Podemos dizer que um fantasma ronda o Brasil - o fantasma do integralismo". Esse espectro, segundo ele, estaria aterrorizando liberais, anarquistas e, principalmente, comunistas, "sobretudo aqueles que têm participado das últimas manifestações ocorridas em todo o País", no meio das quais "não passam de uma ínfima minoria", repelidos pela "esmagadora maioria dos manifestantes, composta de autênticos patriotas, nacionalistas e tradicionalistas, conscientes ou não".

Se tão ínfimos, por que preocupar-se tão obsessivamente com eles? E de onde Plínio.02 tirou a certeza de que o grosso dos manifestantes têm alma integralista, só faltando quem lhes diga: "Vocês são soldados de Deus, da Pátria e da Família Tradicional, bandeirantes do Brasil profundo, autêntico e verdadeiro e de sua tradição e, como tais, integralistas". Se o fizer em voz alta, no meio da multidão, corre o risco de ser vaiado.