terça-feira, 2 de julho de 2013

A mídia perde o bonde, por Carlos Heitor Cony na FSP


RIO DE JANEIRO - À margem dos comentários provocados pelos últimos acontecimentos em todo o país, que, apesar de redundantes, atingiram a mídia internacional, pode-se chegar a uma constatação periférica. As manifestações e reivindicações que o povo, principalmente os jovens, levou para as ruas e praças foram criadas e operadas pelas redes sociais, que podem ser comparadas aos icebergs: a parte maior fica submersa, o que se torna visível é a pequena porção de um obstáculo que pode destruir não apenas um titânico navio, mas todo um sistema político.
Até então, era a mídia impressa que criava e orientava os grandes movimentos populares. Bastaria lembrar os mais recentes: o impedimento de um presidente da República, a luta pelas Diretas-Já e até mesmo a morte de Vargas e o golpe de 1964 foram produzidos pela indignação da imprensa prontamente transmitida ao povo.
Com a crescente propagação dos sites e blogs, o poder de mobilizar a população foi transferido para a internet, onde cada cidadão, sem necessidade de qualquer habilitação ou representação, pode expressar a sua cólera contra toda instituição, grupo ou indivíduo.
Não há manuais de Redação ou leis específicas que possam patrulhar o descontentamento que, quando é geral, transforma-se em manifestações que paralisam o país, confundem o governo e podem até provocar o vandalismo de alguns.
O universo virtual criado e gradativamente aumentado pela internet (que ainda está atravessando sua idade da pedra) fez a mídia autorizada (jornal, rádio e TV) perder o bonde da história.
Não há mais a oportunidade para um só título ("J'accuse!") mudar o rumo de uma infâmia nacional. Temos agora milhares de Zolas capazes de acusar os abusos e os crimes contra o povo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Plebiscito pode economizar bilhões , por Paulo Moreira Leite


Em minha humilde ignorância, confesso que não entendo quem diz que o plebiscito sobre reforma política pode custar caro demais. Meio bilhão, disse alguém.

Até ministros do STF tocaram neste assunto. 
Data Venia, eu acho estranho.
 
Falar em meio bilhão ou até mais é falar de uma pechincha.
 
Nós sabemos que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais caros do mundo. Isso porque é um sistema privado, em que empresas particulares disputam o direito de alugar os poderes públicos para defender seus interesses em troca de apoio para seus votos. As estimativas de gastos totais – é disso que estamos falando -- com campanhas eleitorais superam, com facilidade, meio bilhão de reais. São gastos que ocorrem de quatro em quatro anos, aos quais deve-se acrescentar uma soma imponderável, o caixa 2. Sem ser malévolo demais, não custa recordar que cada centavo investido em campanha é recuperado, com juros, ao longo do governo. Quem paga, mais uma vez, é o contribuinte. 
 
O debate não é apenas este, porém.  
 
Um plebiscito pode dar um impulso decisivo para o país construir um sistema de financiamento público, em que os recursos do Estado são empregados para sustentar a democracia – e não negócios privados.
 
Explico. Nos dias de hoje, o limite dos gastos eleitorais é dado pelo volume dos interesses em jogo. Falando de um país com um PIB na casa do trilhão e uma coleção de interesses que giram em torno do Estado na mesma proporção, você pode imaginar o que está em jogo a cada eleição.
 
Bancos contribuem com muito. Empreiteiras e grandes corporações, também. Como a economia não é feita por anjos nem a política encenada por querubins, o saldo é uma dança milionária na campanha. Troca-se o dinheiro da campanha pelo favor do governo. Experimente telefonar para o gabinete de um simples deputado e pedir para ser atendido. Não passará do cidadão que atender o telefone e anotar o recado, certo?
 
Mas dê um milhão de reais para a campanha deste deputado e conte no relógio os segundos que irá esperar para ouvir sua voz ao telefone. Não é humano. É político.
 
Não venha me falar que isso acontece porque o brasileiro está precisando tomar lições de moral na escola e falta colocar corruptos na cadeia em regime de prisão perpétua.
 
O sistema eleitoral norte-americano é privado, os poderes públicos são alugados por empresas de lobistas e muito daquilo que hoje se faz por baixo do pano, no Brasil, pode-se fazer às claras nos EUA.
 
A essência não muda, porém. Empresas privadas conseguiram impedir uma reforma do sistema de saúde que pudesse atender à maioria da população a partir de uma intervenção maior do Estado, como acontece na Europa. Por causa disso, os norte-americanos pagam por uma saúde mais cara e muito menos eficiente em comparação com países de desenvolvimento semelhante.
 
A força do dinheiro privado nos meios políticos explica até determinadas aventuras militares, estimulando investimentos desnecessários e nocivos ao país e mesmo para a humanidade.
 
Só para lembrar: na Guerra do Iraque, que fez pelo menos 200.000 mortos, George W. Bush beneficiava, entre outros, interesses dos lobistas privados do petróleo, negocio dos amigos de sua família, e de empresas militares, atividade do vice Dick Cheney.
 
Essa é a questão. A reforma política poderá consumar a necessária separação entre dinheiro e política, ao criar um sistema de contribuição pública exclusiva para campanhas eleitorais, ponto decisivo para uma política feita a partir de ideias, visões de mundo, valores e propostas – em vez de interesses encobertos e fortunas de bastidor.
 
Pense na agenda do país para os próximos anos. Os interesses privados, mais do que nunca, estarão cruzados no debate público. Avançando sobre parcelas cada vez maiores da classe média e dos trabalhadores, os planos privados de saúde só podem sobreviver com subsídios cada vez maiores do Estado. O mesmo se pode dizer de escolas privadas.
 
Não se trata, é obvio, de uma batalha fácil. Não faltam lobistas privados para chamar o financiamento público de gigantismo populista e adjetivos do gênero. Eles não querem, na verdade, perder a chance de votar muitas vezes. No dia em que vão à urna, como eu e você. No resto do mandato dos eleitos, quando pedem a recompensa por seus favores.
 
Com este dinheiro, eles garantem um privilégio. Impedem a construção de um país onde cada eleitor vale um voto.
 
Os 513 congressistas que irão debater a reforma política são filhos do esquema atual. Todos têm seus compromissos com o passado e muitos se beneficiam das receitas privadas de campanha para construir um patrimônio pessoal invejável. As célebres “sobras de campanha” estão na origem de muitas fortunas de tantos partidos, não é mesmo?
 
O plebiscito é um caminho para se mudar isso. Permitirá um debate esclarecedor a esse respeito. Caso o financiamento público seja aprovado, colocará a opinião da população na mão dos deputados que vão esclarecer a reforma.
 

Plano Real faz 19 anos com tomate 1.716% mais caro


Preço das tarifas de ônibus urbano foi outro grande vilão, com alta de 684%; em São Paulo, valor subiu de R$ 0,50 em 1994 para R$ 3 atualmente 

30 de junho de 2013 | 22h 58

Alana Martins e Juliana Karpinski, especial para o Estado
SÃO PAULO - Famoso por ter conquistado a tão sonhada estabilização da economia brasileira, o Plano Real completa 19 anos nesta segunda-feira, dia 1. Criado em 1994 pela equipe do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, durante o governo Itamar Franco, a nova moeda conseguiu o que vários outros planos econômicos não alcançaram: debelar a hiperinflação.
Segundo o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Weller, especialista em História Econômica, o êxito do Real se deve a três questões principais: liberalização comercial, câmbio estável e desindexação.
A liberalização comercial foi basicamente uma grande abertura do país ao capital estrangeiro. A medida veio acompanhada de uma taxa de câmbio estável, aumentou a concorrência aos produtos brasileiros e pressionou os preços para baixo.
Já a desindexação da economia consistiu em reduzir mecanismos de repasse automático da inflação, como os gatilhos salariais, que não permitiam que os preços se estabilizassem.
A inflação chegou a 916,46% no ano de 1994 e foi estabilizada em níveis baixos nos anos seguintes, mas não deixou de existir.
Entre 1994 e 2013, a taxa acumulada, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi de 332,33%. Alguns produtos, como o tomate, que se causou polêmica nas listas de compras no início deste ano, está no topo da lista dos produtos que mais subiram de preço: segundo o IBGE, o aumento acumulado é de 1.716,2% nos últimos 19 anos.
O preço das tarifas de ônibus urbano foi outro grande vilão, com alta de 684%. Em São Paulo, a tarifa subiu de R$ 0,50 em 1994 para R$ 3 atualmente.
Nem um dos componentes principais da dieta dos brasileiros subiu menos que a inflação. O feijão-carioca teve variação de 785,9% desde a criação do plano Real. Neste período, o salário mínimo subiu de R$ 64,79 para R$ 678, uma elevação de 1046,45%. Para Weller, mesmo com as recentes altas da inflação, o país não corre mais o risco de passar por uma nova hiperinflação. Isso porque a economia do País está mais inserida no conceito de economia de mercado.
Entretanto, o economista assinala que os protestos que têm tomado ruas recentemente são o primeiro sintoma de perda da "ilusão monetária".
"As pessoas perceberam que o ganho do salário nominal (sem descontar a inflação) nos últimos anos está sendo corroído pela inflação. Houve uma queda no salário real. E isso foi percebido rapidamente", afirma.