segunda-feira, 4 de março de 2013

O imperador e suas duas mulheres



Leopoldina morreu na penúria, daí as bijuterias dentro do caixão. E Amélia, hoje múmia, encantava os amigos de D. Pedro

23 de fevereiro de 2013 | 16h 53
ISABEL LUSTOSA*
Das perguntas que me fizeram acerca da exumação dos cadáveres de d. Pedro, d. Leopoldina e d. Amélia, a mais frequente diz respeito a qual seria a relevância das revelações que saíram da tumba de suas majestades. A princípio, apenas se confirmaram informações que eram bem conhecidas, pois o trabalho de pesquisa realizado por Otávio Tarquínio de Sousa para produzir a biografia em três volumes de d. Pedro I, lançada em 1952 pela José Olympio, é tão completo que dificilmente podem surgir novidades. Outras biografias vieram, mas o que elas acrescentam são novos olhares sobre o personagem e sobre as razões que o moviam. Se a excelente biografia de d. Leopoldina escrita por Carlos Oberacker Jr. e publicada em 1973 pelo Conselho Federal de Cultura é pouco conhecida, os especialistas certamente a ela têm acesso e podem constatar que ali também está reunida de forma clara e organizada o maior volume de informações possível sobre a primeira imperatriz do Brasil. A vida de d. Amélia desperta menor interesse, pois, tendo vivido entre nós menos de três anos, entre 1829 e 1831, e ainda muito jovem, restaram poucos testemunhos sobre ela. Sua única biografia publicada no Brasil apareceu em 1927 e foi escrita por Maria Junqueira Schmidt.
D. Pedro I teve duas mulheres: Leopoldina e Amélia - Reprodução
Reprodução
D. Pedro I teve duas mulheres: Leopoldina e Amélia
Violência e paixão. Uma revelação que os jornais deram como novidade foi o fato de d. Leopoldina não ter o fêmur fraturado como se supunha. A meu ver, a surpresa, para os que conhecem sua biografia, foi a de descobrir que existia essa suposição. De onde ela surgiu não tenho ideia, pois Oberacker vasculhou toda a documentação ligada aos episódios que resultaram na morte da imperatriz, inclusive os boletins médicos, e diz que o barão de Inhomirim, médico que a atendeu, registra de fato uma “inchação erisipelatosa de toda a coxa, perna e pé”, mas não fala de fratura nenhuma. O biógrafo de Leopoldina descarta inclusive a possibilidade de que o aborto que ela sofreu poucos dias após a suposta agressão tenha sido causado por um pontapé no ventre. A distância entre os dois episódios seria prova de que não houve relação causal: a violência teria ocorrido no dia 20 de novembro e a imperatriz abortou apenas entre os dias 1º e 2 de dezembro.
De qualquer maneira, a informação de que d. Pedro dera pontapés na mulher grávida circulava no Rio de Janeiro do final do Primeiro Reinado. Se até 1831 era apenas sussurrada, uma semana depois da Abdicação, no manifesto que publicou contra d. Pedro em seu jornal Tribuno do Povo (14-04-1831), Francisco das Chagas de Oliveira França diz que d. Pedro tinha maltratado a imperatriz com pontapés, estando ela grávida. A agressão teria acontecido no dia 20 de novembro de 1826, quando d. Pedro preparava-se para partir para a Cisplatina, onde então corria a guerra que resultaria na criação do Uruguai. A imperatriz estava doente e seus males eram agravados pela profunda depressão em que mergulhara durante aquele ano, talvez pela forma mais ostensiva com que d. Pedro passara a exibir a relação com a Domitila. O escândalo tornou-se tema de panfletos apócrifos que circularam no Rio de Janeiro e, por isso, com o objetivo de dar a impressão de que reinava a mais perfeita harmonia em seu lar, d. Pedro quis apresentar as duas mulheres juntas durante o beija-mão de despedida.
Os convidados que aguardavam na antecâmara ouviram as vozes alteradas do imperador e da imperatriz em discussão. D. Leopoldina recusava-se a se apresentar ao lado da Marquesa de Santos. D. Pedro teria usado a força física para obrigá-la, ela resistira, caindo ou se jogando no chão, e ele a teria chutado. Os relatos do tempo sobre o que realmente aconteceu giram todos em torno dessa cena dramática. John Armitage, comerciante inglês que viveu no Rio de Janeiro entre as décadas de 1820 e 1830 e publicou História do Brasil, diz que d. Pedro tivera uma entrevista com a imperatriz de que “alguma altercação resultou. (...) assevera-se até que lhe dera pancadas”. O soldado alemão Carl Seidl, que lutou na Guerra da Cisplatina, conta que após a morte da imperatriz circulara no Rio o boato de que d. Pedro em “momento de cólera maltratara gravemente sua esposa em adiantada gravidez, mesmo que lhe dera pontapés”, e que essa fora a causa da morte. Mas foi o diplomata francês Gabriac que divulgou na Europa a agressão, revelando em sua correspondência que nos dias que sucederam à partida de d. Pedro para o sul a imperatriz apresentava contusões. O fato é que a história circulou no Velho Mundo e contribuiria depois para que a mão do imperador viúvo fosse recusada por 16 princesas.
A pobreza da imperatriz. Outra revelação que nos trouxeram os corpos foi a de que a imperatriz fora enterrada com joias falsas. Isso também só vem comprovar o que dizem inúmeros relatos do tempo: o estado de penúria em que d. Leopoldina viveu no Rio de Janeiro. Depois da partida de d. João VI para Portugal, em abril de 1821, levando em seus navios todo o ouro do Banco do Brasil, d. Pedro se viu em grandes dificuldades financeiras. Solidária com o marido, d. Leopoldina abriu mão de gerir os dinheiros a que, pelo contrato matrimonial, tinha direito. Nunca mais o recuperou. O notório avarento que era d. Pedro aproveitou essa concessão para controlar as despesas da mulher, que passara a viver com muito poucos recursos. São muitas as cartas de d. Leopoldina para comerciantes e agiotas pedindo empréstimos para fazer face a suas despesas e às obras sociais a que se considerava obrigada em virtude de sua posição. Isso talvez explique por que a primeira imperatriz do Brasil, terra do ouro e das pedras preciosas, tenha descido à cova adornada por bijuterias.
Um general português. A boa forma física do imperador, homem muito ativo, exímio cavaleiro que gostava de bater recordes de distância e velocidade, foi confirmada por seu esqueleto. Os episódios que lhe quebraram as costelas também eram conhecidos. O primeiro, uma queda de cavalo em 1823, e o segundo, um acidente com um carro dirigido por ele em 1829, quando também se machucaram a rainha d. Maria, o irmão de d. Amélia e ela mesma, todos levemente. Quem sofreu mais dano foi o imperador, que precisou de muitos dias para se recuperar.
Também não surpreendeu aos que conhecem a biografia de d. Pedro que ele só tenha levado para o túmulo insígnias portuguesas, não trazendo sobre si nenhuma lembrança do Brasil. D. Pedro aliás, não era muito dado a ostentar insígnias. Ao desfilar em Paris ao lado do rei da França, durante os festejos pelo primeiro aniversário da Revolução de Julho de 1830, os jornais comentaram o fato de que ele não usasse nenhuma condecoração portuguesa, nenhuma patente militar. Levava apenas a Ordem da Rosa, que ele criara no Brasil em homenagem a d. Amélia. Talvez compadecido dessa excessiva simplicidade foi que o rei Luís Felipe ordenou a Casimir Périer, presidente do conselho de ministros, que fosse ao hotel onde d. Pedro se hospedara e o condecorasse com a Legião de Honra.
Apesar de fazer pouco tempo que nos deixara (o imperador abdicou em abril de 1831 e morreu em setembro de 1834), a verdade é que naquele curto e intensíssimo período ele foi sobretudo um português. Quando deixou Paris, em janeiro de 1832, D. Pedro se ajoelhou diante da filha, a rainha Maria da Glória, dizendo-lhe: “Minha senhora, aqui está um general português que vai defender seus direitos e restituir-lhe a coroa”. E foi essa guerra, tão diversa dos embates que entre nós travou com o Parlamento e a imprensa de oposição, que fez dele um herói, um comandante destemido que sabia inspirar seus soldados, um defensor da Constituição e do liberalismo. Um herói que batia na mulher? Pois é. Para os que precisam de heróis talvez não seja bom examiná-los tão profundamente. Podem ser muito contraditórios. Fiquem apenas com o esqueleto.
Neta de Napoleão. O corpo mumificado da segunda imperatriz, d. Amélia, apesar de mais impressionante, desperta menor interesse daqueles que se ocupam com a história do Primeiro Reinado, na qual ela teve papel muito restrito. Chegou aqui aos 17 anos e partiu aos 20. Sua beleza indiscutível, cantada pelos amigos do imperador que, na Europa, buscavam uma princesa que fosse, sobretudo, bonita, deslumbrou d. Pedro. Teria efeito também muito positivo quando ela aparecesse em Paris, ao lado do marido, depois da Abdicação. As belas feições de d. Amélia eram realçadas pelas maneiras educadas, mas também pelo fato de ser filha de Eugênio Beauharnais, o enteado de Napoleão que fora perfilhado por ele. Depois da morte de d. Pedro, d. Amélia permaneceria em Portugal, onde foi, pouco a pouco, ficando esquecida, distante da enteada, d. Maria II, pelas habituais intrigas da corte portuguesa. Sua única ligação com o Brasil era a filha que tivera com d. Pedro, Amélia Eugênia, que morreu de tuberculose na Ilha da Madeira, aos 21 anos de idade. Há, aliás, no arquivo do descendente da condessa de Belmonte, o arquiteto Luciano Cavalcanti de Albuquerque, uma bela carta de d. Amélia descrevendo o sofrimento que a perda da filha lhe causara.
Do ponto de vista desses aspectos biográficos já conhecidos, de fato, a exumação dos corpos imperiais não trouxe grandes novidades. Assim mesmo representam contribuição significativa, pois a história inscrita no corpo das pessoas, a partir dos modernos recursos da ciência, pode resultar em descobertas formidáveis. Pode também servir como mais uma prova de algo que conhecíamos mas não tínhamos certeza. Com elas podemos virar a página sobre esse assunto, anular as especulações e partir para outra coisa. Esses corpos são documentos, tais como os papéis guardados há séculos nos arquivos. Servem como servem todas as informações que podem jogar luz sobre uma época, os costumes dessa época e as pessoas que nela viveram, soberanos ou escravos. Servem porque não sabemos o que o próximo biógrafo de d. Pedro buscará no futuro, quando talvez venha a trabalhar a história a partir de algum paradigma completamente inédito.
ISABEL LUSTOSA É HISTORIADORA DA FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, TITULAR DA CÁTEDRA SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA/MAISON DES SCIENCES DE L'HOMME E AUTORA DE D. PEDRO I (CIA. DAS LETRAS)

Professores assumem aulas nas prisões


Docentes contratados pelo governo paulista entram nas salas prisionais, antes sob responsabilidade da Administração Penitenciária

24 de fevereiro de 2013 | 2h 07

Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
Após três anos de experiência em uma escola estadual em Hortolândia, Aldo Cesar de Lima aceitou um desafio: tornou-se, no início deste mês, professor no presídio. Uma troca que foi feita por outros 537 docentes da rede. É que, neste ano, as classes prisionais saíram das mãos da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e estão sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação (SEE).
A mudança ocorre dois anos e meio após uma resolução do Conselho Nacional de Educação definir que a garantia de educação nos estabelecimentos penais passasse a ser atribuição direta do órgão responsável. São Paulo foi um dos últimos Estados a fazer essa transferência. As 154 penitenciárias paulistas abrigam cerca de 200 mil presos, sendo que 15 mil deles estudam, o que corresponde a 7,5% da população encarcerada.
"Isso trará um grande impacto, até pelo tamanho de seu sistema prisional (o maior do País, com mais de um terço dos detentos)", avalia a coordenadora-geral de Reintegração Social e Ensino da diretoria de Políticas Penitenciárias do Ministério da Justiça, Mara Fregapani Barreto. Ela explica que o objetivo é fazer com que as questões sejam tratadas sempre em parceria da SAP com a Educação. Tanto que, desde 2012, para pleitear recursos da União, os Estados têm de mandar seu plano de educação assinado pelos dois secretários.

Estrutura. Para atender à demanda, são necessários 1.532 docentes. "Neste início não foi possível suprir tudo, até por falta de professores interessados, mas as atribuições continuarão no decorrer do ano", explica Andréa dos Santos Oliveira, do Núcleo de Inclusão Educacional da Secretaria de Educação. Ela diz que, apesar de pagamento de bônus salarial, adicional de local de exercício e insalubridade estar sendo discutido, ainda não há nenhum projeto de lei a respeito.
Por enquanto, para lecionar no presídio, o professor temporário foi motivado pela garantia de não ficar sem trabalho e, claro, pelo desafio - como conta Aldo. Ele costumava pegar um ônibus com ponto final na penitenciária e ouvia a conversa das mulheres dos presos. "O assunto eram os planos, sempre otimistas, para quando a pena terminasse. Mas eu sabia que era quase impossível."
Quando, no fim do ano passado, soube das aulas na prisão, decidiu ir. "Passei a noite adaptando o material. Tudo o que quero é corresponder às expectativas dos meus alunos. Quero que eles tenham o mesmo preparo que um aluno de fora."
Antes de pisar no presídio, ele e todos os outros professores participaram de dois dias de videoconferência e fizeram uma visita de ambientação à unidade prisional. O material pedagógico utilizado é o mesmo das turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, de acordo com a secretaria, os cursos de formação devem começar em abril e com dois eixos de atuação.
O primeiro dará conta do conteúdo pedagógico com foco na atuação em salas multisseriadas - as turmas não são separadas por série, mas em ciclos: anos inicias e finais do fundamental e ensino médio. Além desse preparo técnico, uma parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) garantirá formação específica para trabalhos em contexto de privação de liberdade.
Para Denise Carreira, coordenadora da área de Educação da Ação Educativa e membro de grupos de estudo sobre educação nas prisões, a mudança da SAP para a Educação representa um avanço. Mas há ressalvas. "Como é uma política que exige formação, seria importante que houvesse estímulo para que profissionais experientes viessem para o sistema. Mas foram chamados até professores com vínculo precário, como os temporários. Outro problema foi deixá-los assumir antes dos cursos de formação. Também é preciso cuidado para não escolarizar demais e esquecer de se adaptar aos interessados."


'Aqui o preso nem levanta a cabeça'

Juliana Cunha conta que 'lá fora' já foi agredida

24 de fevereiro de 2013 | 2h 06
Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
À espera de sua primeira aula na Penitenciária 2 de Hortolândia, há duas semanas, a professora Juliana Cunha, de 35 anos e com 13 de magistério, parecia calma. "Lá fora, já fui agredida. Os alunos jogaram uma carteira em cima de mim quando eu estava grávida. Aqui, é diferente. Os presos respeitam tanto que nem levantam a cabeça."
Juliana: 'Conteúdo para 50 minutos de aula' - Jonne Roriz/Estadão
Jonne Roriz/Estadão
Juliana: 'Conteúdo para 50 minutos de aula'
Mal entrou na "cela de aula" gradeada, o discurso foi esquecido. Nos primeiros minutos, ficou acuada no cantinho da parede, num monólogo que lembrava aos detentos - a maioria deles com a camiseta branca por dentro da calça caqui - que, apesar dos erros, todos merecem uma segunda chance.
Professora de inglês e artes, ela assumiu aulas em três penitenciárias da cidade. São três revistas diárias e a precaução para evitar qualquer apetrecho que faça soar o detector de metais da portaria, como sutiã com aro de metal, sapato de salto ou brincos.
A restrição também é pedagógica. Está vetado o uso do vermelho nas aulas de artes (o tom incitaria a violência) ou a exibição de quadros de guerra. De pedagógico, essa foi a única orientação que recebeu até agora.
Na última sexta-feira, duas semanas após o início do trabalho, ela já tinha perdido o medo, mas não havia recebido nenhum material didático. "Estou adaptando livros do supletivo, mas gostaria de ser melhor orientada e também que nos oferecessem apoio pedagógico."
Enquanto isso não acontece, Juliana faz ioga e meditação para relaxar e gasta o resto do tempo livre preparando o material do dia seguinte. "E não é fácil, não. Na escola normal, você passa metade do tempo botando ordem, no presídio você precisa ter conteúdo para os 50 minutos." 


Monitor com passado e domínio

Preso por sequestro, Vitório Zdonek Filho dá aulas

24 de fevereiro de 2013 | 2h 06
Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
Não vai demorar uma semana e já serão todos malandrinhos, brincou Vitório Zdonek Filho, de 40 anos, quando alguém pediu que ele ajudasse os professores da Secretaria de Educação a se ambientarem por ali.
Zdonek: 'Muitos foram bem no Enem' - Jonne Roriz/Estadão
Jonne Roriz/Estadão
Zdonek: 'Muitos foram bem no Enem'
Da escola da cadeia, ele entende bem. Há seis anos, atua como preso monitor e, ali na Penitenciária 2 de Hortolândia, dá aulas do ensino fundamental ao médio. Sem que ninguém duvide de sua capacidade. Nem há razão para isso. Zdonek cumpre bem os dois requisitos avaliados pelos internos: um passado que lhe rende respeito dentro do presídio e conhecimento técnico.
O primeiro se deve ao crime cometido. Zdonek está ali condenado por sequestro, cuja complexidade e ousadia já o faz ser admirado pelos outros detentos. Quanto à formação pedagógica, basta assistir à meia hora de explicação sobre o novo acordo ortográfico para constatar o domínio do repertório.
Conhecimento que não é fruto de formação prévia, mas de dedicação. Após frequentar o ensino médio na penitenciária, Zdonek fez seu primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu se certificar. Repete o exame todo ano. Em 2012, diz que tirou 823, o suficiente para entrar até no curso de Medicina.
Tudo fruto de seu autodidatismo. Todos os dias, depois do fechamento das trancas, às 17 horas, Vitório tenta abstrair a fala alta da televisão e dos seis companheiros de cela e estuda por cerca de 5 horas. Até 2012, era ele quem decidia o currículo, a metodologia de trabalho e os horários das disciplinas. Dava certo.
"Muitos presos foram bem no Enem e se certificaram. Até o pessoal que já tinha curso superior gostava das aulas", conta, orgulhoso. No ano passado, dois de seus alunos eram contadores formados, presos por fraude.
Neste ano, a chegada dos professores da rede não o afastou da sala de aula. A turma do ensino médio continuará aos seus cuidados até que ele seja transferido para o regime semiaberto. 

APA vira santuário evangélico e refúgio de viciados em crack


FELIPE FRAZÃO - O Estado de S.Paulo
Era para ser uma mata protegida em uma das regiões mais carentes de áreas verdes de São Paulo. Mas a Mata do Iguatemi virou o "Monte Sagrado". Abandonada pelo poder público, a Área de Proteção Ambiental (APA) de 300 mil m² cravada entre conjuntos habitacionais na zona leste abriga uma espécie de santuário evangélico sob uma cobertura densa de árvores nativas remanescentes da Mata Atlântica.
E não só. A metros dali, um trecho mais degradado serve de refúgio a moradores de rua e dependentes químicos, à beira da Estrada do Iguatemi, via principal do bairro Jardim Pedra Branca. Ao olhar do leigo, seria só um matagal cortado por um riacho turvo. De esgoto. E mais: para certos moradores, a APA é apenas um terreno baldio de capim com gradil arrebentado. Sinônimo de local para o despejo ilegal de entulho e lixo doméstico.
Não bastasse tanto, a Mata do Iguatemi serviu de moradia a famílias que construíram ali 40 barracos de madeira, nos idos de 2004. Nove anos depois, ainda tem parte do terreno invadido. E segue à espera da intervenção estatal (mais informações nesta pág.).
Criada em 1993, a menor das cinco APAs paulistanas deveria ser conservada para preservar a biodiversidade e manter o microclima da região (mesmo que a lei permita moradias e parques abertos à visitação). Até agora, porém, a Mata do Iguatemi não tem plano de manejo nem regras de uso.
A flora e a fauna dali não são inteiramente conhecidas. A Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, gestora da APA, afirma que as espécies estão sendo catalogadas. Frequentadores e vizinhos dizem avistar gambás, cobras, esquilos, lagartos, pássaros e tucanos. "É Mata Atlântica boa e deveria ser mantida intacta", diz a bióloga Luciene Lacerda, do Grupo de Recuperação de Áreas Degradadas da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. "O Parque do Carmo é perto, as pessoas podem usar lá."
O 'monte'. Não é o que ocorre. Manhã, tarde e noite, enquanto evangélicos sobem o morro e somem mata adentro a orar, sem-teto e dependentes químicos se escondem para fumar crack. Os grupos não se cruzam, porque ocupam faixas distintas da APA.
Enquanto os viciados ficam no matagal de baixo, atrás de capim alto, arbustos, lixo, roupas queimadas, fogueiras e barracas madeira e lona, os fiéis entram pela parte de cima, em uma trilha aberta em frente ao conjunto habitacional da Rua Coração Sertanejo.
O caminho assusta à primeira visita. Quem segue as ripas de madeira que demarcam o trajeto escuta, logo nos primeiros 50 metros, um zumbido seguido por uma série de sussurros. O som fica quase inidentificável, misturado ao ruído de grilos. As copas das árvores altas se fecham acima e ao redor, confundindo a visão.
Adiante, numa grande clareira, pode-se distinguir o lamento e as rezas do som de insetos e do piar de pássaros. É a primeira de uma série abertas ao longo da trilha.
Evangélicos perambulam e rezam pelas clareiras. Montam barracas e acendem fogueiras. "Aqui sinto a presença de Deus", diz Vagner dos Santos, de 36 anos, evangelista da Igreja Pentecostal Jesus Cristo É o Ministério. Frequentador do "monte" há 13 anos, diz que às vezes "os verdinhos" (guardas florestais) vão até lá e pedem para não cortarem árvores. Os crentes também apelam: pregaram duas placas com a inscrição "não destrua as árvores".
Ariane Muller, de 46, diaconisa da Assembleia de Deus Ministério Resgate, conta que os evangélicos simulam na APA uma passagem bíblica do Monte Sinai: "Está dito que Moisés subia o monte para buscar a Deus. Aqui, nos reunimos para fazer propósitos com Deus. Fazemos pedidos e aguardamos respostas".
Há quem passe o dia inteiro na mata. O pastor José Moura, de 49, fica em uma barraca de lona e plástico. Ele explica que ali as pregações não incomodam vizinhos. "A gente não tem aonde ir, a não ser as matas. A mata não é interditada nunca." Mas fiéis contam que o acesso foi fechado duas vezes, por volta dos anos 2007 e 2009 - quando deixaram de ir ao Monte. Mas há muito, relatam, "pessoas arrebentaram a grade". E o acesso ficou livre outra vez.

Mata do Iguatemi aguarda recuperação ambiental há 9 anos

Acordo entre Prefeitura e CDHU, que levou multa de R$ 5 milhões em 2004, prevê plantio de 7 mil árvores e cerca nova

24 de fevereiro de 2013 | 2h 05
O Estado de S.Paulo
O poder público de São Paulo sabe que a Área de Proteção Ambiental (APA) Mata do Iguatemi precisa ser recuperada. Até hoje, no entanto, o governo do Estado não fez a intervenção necessária. A morosidade na celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado no fim de janeiro com a Prefeitura, agravou a situação ao deixar a APA sem cuidados por nove anos seguidos.
Os efeitos de uma canetada de 2004 só começarão a ser vistos agora. Em dezembro daquele ano, fiscais da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) aplicaram multa de R$ 5.041.655,00 à Companhia de Desenvolvimento e Habitacional e Urbano (CDHU) por dano ambiental. A estatal de habitação é dona da área onde fica a APA e deveria mantê-la preservada.
A degradação foi constatada por fiscais da SVMA, que participavam de uma reintegração de posse da CDHU contra comerciantes e moradores de 40 barracos instalados ilegalmente dentro da APA. Lotes eram vendidos.
Os invasores foram removidos. E os fiscais do verde constataram "risco de dano ambiental grave": havia desmatamento, construção de cercas com árvores de Mata Atlântica, criação de animais, abertura de poços semiartesianos, esgoto a céu aberto e lançamento de resíduos domiciliares.
Inércia. A CDHU tentou recorrer da multa, mas a secretaria a manteve. Fiscais relataram que a CDHU movia um processo de reintegração de posse desde 2000 e que, à época, havia apenas 30 famílias invasoras na APA. Destacaram que, por causa "da inércia da CDHU", que não conteve a expansão, quatro anos depois o número de famílias subira para 40. Em 2006, a estatal pediu para celebrar um TAC. O Departamento de Controle da Qualidade Ambiental (Decont) da Prefeitura aceitou em 2008.
Desde então, a SVMA prorrogou sucessivamente os prazos para que a CDHU cumprisse as exigências do acordo. Técnicos da secretaria disseram que "concediam mais tempo quando a CDHU pedia, porque seria mais vantajoso que a empresa atendesse às exigências e reparasse a APA". E que, com a multa "a recuperação da APA seria obrigatória, com ou sem TAC".
Gastos. O acordo deve ficar mais barato para a CDHU, que não vai mais pagar os R$ 5 milhões. Ela ficou obrigada a desembolsar 10% da multa, cerca de R$ 500 mil. E deve gastar mais R$ 2.729.229,66 no projeto de reparação - conforme a planilha de custos. Mas a estatal estima desembolsar R$ 1,6 milhão, porque a recuperação será licitada. O edital está sendo preparado para lançamento ainda neste mês.
A reparação consiste no plantio de 7.689 de mudas de árvores nativas, onde houve ocupação irregular - o que não inclui as clareiras do Monte Sagrado. E de outras 1.358 mudas de bromélias - que formarão uma cerca viva, atrás de grades recolocadas.
Terra fértil e grama serão colocadas onde há entulho de construções irregulares e em um barranco de terra exposta. A CDHU também está obrigada a refazer a calçada ao redor do terreno com material que favoreça a drenagem da chuva. E a desviar o lançamento de esgoto.
A SVMA também fará vistorias na APA após a recuperação terminar. A CDHU tem de fazer a manutenção das intervenções na floresta por dois anos; apresentar relatórios semestrais e laudo sobre o dano ambiental constatado, que mostre também se houve contaminação do subsolo e das águas subterrâneas.
A CDHU tem seis meses para começar a intervenção, o que deve ocorrer até o fim de julho. A empresa prevê dois anos de obras. "Toda a área inserida na APA será recuperada e preservada", disse o governo por nota. / F.F.