quinta-feira, 6 de outubro de 2011


ENCHENTES: RETER AS ÁGUAS DE CHUVA EM RESERVATÓRIOS DOMÉSTICOS E EMPRESARIAIS

Esse é o terceiro artigo de uma série de textos dedicados à demonstração da importância das medidas ditas não estruturais no combate às enchentes urbanas. Esses textos estão concebidos para, o mais didaticamente quanto o espaço permite, demonstrar a imperiosa necessidade da adoção de uma nova cultura técnica para a gestão dos problemas urbanos e orientar ações que podem perfeitamente ser adotadas pela sociedade e pelas administrações públicas e privadas desde já, por sua simples deliberação, sem nenhuma necessidade burocrática que as desestimule a tanto.
Com os dois primeiros artigos tratamos dos bosques florestados, da serapilheira, das calçadas drenantes e das valetas drenantes, hoje trataremos dos reservatórios domésticos e empresariais destinados à acumulação de águas de chuva.
Mas antes vamos recuperar o que, no primeiro artigo, já foi esclarecido sobre as principais causas das enchentes urbanas. E vamos todos também saber que as medidas não estruturais são aquelas que, inteligentemente, atacam diretamente as causas das enchentes e não somente suas conseqüências.
Sobre as principais causas de nossas enchentes urbanas não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento provocado pelos milhões de metros cúbicos de sedimentos que anualmente provém dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana.
Esse quadro determina o que podemos chamar a equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.
Para se ter uma idéia da dimensão desse problema da impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento - índice que mostra a relação entre o volume da chuva que escoa superficialmente e o volume que infiltra no terreno - na cidade de São Paulo está em torno de 80%; ou seja, 80% do volume de uma chuva escoa superficialmente comprometendo rapidamente o sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido.
Diante de um cenário assim colocado, qual seria a providência mais inteligente e imediata para combater as enchentes (e que estranhamente as administrações públicas, todas muito simpáticas às grandes obras e aos seus impactos político-eleitorais, não adotam)? Claro, sem dúvida, concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das cidades fazendo com que a região urbanizada recupere ao menos boa parte de sua capacidade original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação. Concomitantemente, promover um intenso combate técnico à erosão provocada por obras pontuais ou generalizadas de terraplenagem. Ou seja, fazer a lição de casa, parar de errar. Parece fácil, mas não é. Essa mudança de atitude exigirá uma verdadeira revolução cultural na forma como todos, especialmente nossa engenharia e nosso urbanismo, até hoje têm visto suas relações com a cidade.
Tomada a decisão dessa mudança cultural, haverá à mão, inteiramente já desenvolvido, um verdadeiro arsenal de expedientes e dispositivos técnicos para que esse esforço de redução do escoamento superficial das águas de chuva seja coroado de sucesso: calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para acumulação e infiltração de águas de chuva em prédios, empreendimentos comerciais, industriais, esportivos, de lazer, multiplicação dos bosques florestados, ocupando com eles todos os espaços públicos e privados livres da cidade.
Dentro desse elenco os dispositivos de acumulação de águas de chuva, seja por simples reservação para utilização ou posterior descarte, seja por reservação com infiltração, pelo que muito agradeceriam nossas águas subterrâneas, destacam-se dos demais pelo grande volume que podem reter e pelos resultados rápidos que proporciona; isto é, esses dispositivos aumentam em muito a capacidade de retenção das águas pluviais no momento de pico de um episódio pluviométrico com potencial de causar inundações. Importante ainda considerar que os dispositivos e providências a seguir descritos não são frutos de uma imaginação criativa, são com sucesso e largamente utilizados em cidades americanas, européias e japonesas que, como São Paulo, são submetidas ao risco de enchentes.
Sua adoção deve ser de obrigatoriedade legal, mas seria extremamente recomendável que, ao menos em uma fase inicial, houvesse do poder público algum tipo de incentivo fiscal que em parte compensasse os gastos privados em sua implantação.
Há já para o Estado de São Paulo a inovadora Lei das Piscininhas, Lei n.º 13.276, de 4 de janeiro de 2002, a qual obriga lotes urbanos que tenham mais de 500 m2 de área impermeabilizada a implantar reservatórios para acumulação de águas de chuva. Uma lei pioneira, mas que por um inegável desinteresse das administrações públicas e por alguma complexidade de seu entendimento acabou não gerando os resultados esperados. Pode-se evoluir nessa legislação, tornando-a mais abrangente e de fácil entendimento e fiscalização. O autor desse texto sugere que uma nova legislação deva trabalhar com uma expectativa de acumulação de 2 m3 de água para cada 100 m2 de área do lote urbano ocupado  por edifícios com mais de três (3) andares ou edificações de qualquer altura com área impermeabilizada maior que trezentos metros quadrados (300 m2), e de acumulação de 1 m3 para cada 100 m2 do lote urbano ocupado por edificações térreas com área impermeabilizada menor que 300 m2. Uma legislação assim concebida deverá ter validade tanto para áreas privadas como para áreas públicas. Áreas extensas, privadas ou públicas, com baixa ou nenhuma ocupação predial, como praças, parques, terrenos desocupados, também deverão estar submetidos a uma legislação específica que os obrigue a acumular águas de chuva.
Para se ter uma idéia aproximada da eficiência desses sistemas de acumulação/infiltração considere-se uma quadra urbana de 10.000 m2 dividida em lotes de 1.000 m2 ocupados por prédios de apartamentos. A uma proporção de acumulação de 2 m3 / 100 m2 teríamos para toda a quadra uma capacidade de acumulação/infiltração de 200 m3 de águas pluviais. Considerada uma chuva crítica de 60 mm – que corresponderia a um volume total de 600 m3 de água sobre a área considerada - somente com esses dispositivos teríamos reduzido o Coeficiente de Escoamento dessa quadra em cerca de 35%. Considerando que as áreas que por legislação existente devem ser deixadas permeáveis retenham, em projeção conservadora, algo próximo de mais 15% do volume total dessa chuva, e mais 10% tenham se consumido como água de molhamento e perdas por evaporação, teríamos chegado para a referida quadra de 10.000 m2 a um Coeficiente de Escoamento em torno de 40%; ou seja, somente 40% do volume de águas de chuva que nela incidissem chegariam ao sistema urbano de drenagem. Sem dúvida, um índice compatível com uma cidade tecnicamente civilizada na gestão de suas águas pluviais.
Para que se obtenha a maior funcionalidade desses dispositivos dentro de um programa de combate as enchentes a operação de acumulação e esgotamento deverá ser coordenada centralizadamente pelo município, de forma que frente a cada nova possibilidade de chuvas críticas a capacidade de acumulação esteja sempre totalmente disponível.
Quantos aos famosos píscinões, grandes reservatórios de retenção de águas de chuva que têm sido construídos no espaço urbano público, o grande problema é que, diferentemente das cidades de países desenvolvidos que os adotam, nossas grandes cidades apresentam dois fenômenos gravíssimos, que obrigam técnicos, administradores públicos e sociedade entenderem o piscinão como a última das alternativas técnicas a se lançar mão para o retardamento da velocidade de escoamento das águas de chuva: a enorme e perigosa carga de poluição de suas águas superficiais e a fantástica carga de sedimentos originados especialmente da erosão nas zonas periféricas de expansão urbana que, acrescidos de lixo e entulho de construção civil, acaba por assorear e entulhar rapidamente esses dispositivos. Assim, além dos transtornos urbanísticos a eles associados, os piscinões constituem gravíssimos focos de riscos sanitários e ambientais, fato comprovado pela desvalorização imobiliária que provoca em sua área de entorno.  
A seguir são ilustrados vários exemplos de dispositivos de acumulação e infiltração de águas pluviais, ressaltando-se, entretanto, que o tema admite ainda uma extensa dose de criatividade e inventividade técnicas, ou seja, de inovações tecnológicas que permitam a escolha mais adequada para cada situação particular considerada.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
·   Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia 
·   Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
·   Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
·   Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio



Os impasses da União Europeia

Coluna Econômica - 06/10/2011
A crise europeia é tipicamente fruto da falta de estadistas no continente. Nos anos 60, a Europa do pós-guerra emergia com gigantes à frente de seus países, criando o Mercado Comum Europeu, base da futura integração econômica do continente.
Mais tarde, nos anos 90, o Acordo de Lisboa consolidou as bases da União Europeia. Haveria moeda única. Para tal, seria preciso regimes fiscais e desenvolvimento homogêneos. Criou-se, então, um fundo destinado a estimular o desenvolvimento das regiões mais atrasadas.
O vandalismo financeiro dos últimos anos levou a um vórtice de endividamento que, agora, vem cobrar a conta. É aí que se entra nas características atuais da crise.
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No fundo, toda a discussão é sobre quem paga a conta. O sistema bancário pretende que sejam aportes de países mais desenvolvidos e o sacrifício dos países endividados. Fazem parte dessa frente os presidentes do Banco Central Europeu, do Banco Mundial e parte do FMI.
Já os países – especialmente França e Alemanha – querem uma divisão da conta, na forma de perdão de parte da dívida grega – procedimento mais que usual nas negociações bancárias. Os bancos resistem, com receio de criar precedentes quando tiverem que renegociar dívidas de economias maiores, como Itália e Espanha.
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É fato claro, óbvio, indiscutível que a Grécia não tem condições de bancar as condições exigidas pelo FMI e pelos países da União Europeia. São condições leoninas, politicamente inexequíveis e economicamente ineficientes.
A meta a ser perseguida por todos é a relação dívida/PIB grego.
Vamos a alguns pequenos exemplos sobre o que pode acontecer .
1. Imagine que a dívida grega seja de 150 e o PIB grego de 100. A relação dívida/PIB é de 150%.
2. O PIB cai 5% e a dívida sobe 8% (como efeito do custo da rolagem.). O PIB cai para 95 e a dívida sobe para 151,2. Só nesse movimento (quase inercial) a relação aumenta para 159%.
3. Mais: a queda da arrecadação sempre é maior que a queda efetiva do PIB. Suponha que a arrecadação caia 10%. Significaria 10% a mais no montante da dívida (caso conseguisse empréstimos adicionais). E aí a relação dívida/PIB saltaria para 175%.
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Estou apresentando grandes números – não especificamente os números da Grécia – para demonstrar a impossibilidade de qualquer ajuste fiscal recessivo, ou qualquer saída que não contemple um imenso deságio na dívida grega.
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Vai acabar saindo, seja pela constatação da impossibilidade da Grécia pagar sua dívida, seja pelo fato de que não interessa a nenhum dos países líderes da União Europeia romper os laços de solidariedade continental. A Alemanha tem uma economia sólida. Mas sem a União Europeia, sem nenhuma chance de competir com os Estados Unidos ou os gigantes asiáticos.
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Bündchen também discrimina os homens



Na Folha de S. Paulo, 5/10/2011
*Fausto Rodrigues de Lima, Promotor de Justiça do Distrito Federal
Para a campanha referida, o marido ideal precisa ser o provedor; caso contrário, não pode ter uma mulher linda e disponível para o sexo
Para gastar todo o dinheiro do marido e conseguir sua compreensão, a mulher brasileira precisa lhe conceder sexo. O ensinamento de uma campanha da lingerie Hope, protagonizada por Gisele Bündchen, causou justa indignação a ponto de aSecretaria de Políticas para as mulheres pedir sua suspensão.
Essa e outras manifestações sexistas escamoteiam faceta pouca explorada: o homem também é discriminado. Ora, para a campanha referida, o marido ideal precisa ser o provedor; caso contrário, não pode ter uma mulher linda e disponível para o sexo. Como um cão no cio, necessita de sexo a todo momento e a todo custo. Não deve se importar com a satisfação da parceira; basta que ela finja prazer.
Se analisarmos comerciais dirigidos aos homens, veremos que, nessas peças, eles são tratados como crianças abobalhadas. Os de cerveja os perfilam como tipos pouco inteligentes, fazendo (e rindo de) piadas idiotas, e com um só objetivo na vida: sexo. Um recente comercial da Volkswagen mostra um pai com vergonha do filho pois o menino, além de não surfar ou tocar guitarra, ainda não “pegou” uma garota.
Como todo projeto de dominação e preconceito, a discriminação de gênero, embora baseada numa suposta inferioridade feminina, atinge a todos, porque cria regras “naturais” para o comportamento dessa ou daquela pessoa, baseando-se apenas em seu sexo. Adeus, individualidade e diversidade.
No mundo que se convencionou chamar masculino, não há lugar para poesia, para emoções. Sensibilidade é uma capacidade indesejável, ligada a tudo o que é considerado inferior, ou seja, ao feminino.
A educação dirigida aos meninos é completamente diferenciada. Bonecas são brinquedos educativos para as futuras mamães, mas causam horror se manipuladas por meninos. O “instinto materno” é aprendido desde a infância, mas não se ensina o paterno (não à toa, se considera tão natural as mulheres ficarem com os filhos numa separação).
Homem não chora, é autossuficiente, não demonstra fragilidade e não leva desaforo pra casa. Se ele se irrita, agride pessoas, deve ser compreendido, porque, afinal, é apenas um. homem, infantilizado pela família e pela sociedade. Enquanto mulheresdividem com outras medos e frustrações, o homem se fecha. Do ambiente familiar, repleto de emocionalidades, resta a ele fugir. O bar e o álcool são o refúgio viril que a sociedade lhe dá.
É preciso rever certos conceitos. Isso passa pelos meios de comunicação de massa, que reforçam estereótipos e criam outros, à guisa de fazer “piadas inocentes”.
Nós, homens do século 21, somos seres pensantes. Não queremos prover ninguém, almejamos unir esforços. Se por acaso nossa renda for insuficiente ou nula, que nos respeitem. Gostamos, sim, de sexo, mas não pensamos nisso 24 horas por dia. Nos interessa o futebol mas também o balé, a música, a arte, a poesia. E choramos, sim.
Por isso, pedimos ao Conar que suspenda a propaganda da Hope e outras ridículas, não só por ofenderem nossas mães, filhas e esposas, mas por nos agredirem profundamente enquanto homens.

*FAUSTO RODRIGUES DE LIMA é promotor de Justiça do Distrito Federal e coautor do livro “violência doméstica – A Intervenção Criminal e Multidisciplinar”