10 de janeiro de 2010
por Ethevaldo Siqueira
O peso da internet deverá ser, pela primeira vez, relevante na campanha eleitoral deste ano, pois o Brasil deverá contar com mais de 75 milhões de internautas no mês de outubro. Com essa magnitude, é bem provável que a web se transforme num gigantesco palanque eletrônico na campanha política e exerça um novo e significativo papel nas eleições.
Não duvido que a internet venha até superar o interesse da televisão, atraindo mais eleitores, porque permitirá debates mais amplos e segmentados de idéias, mais respostas e maior esclarecimento de dúvidas. Os internautas poderão optar entre centenas de sites e blogs, e fugir à chatice dos horários gratuitos de rádio e TV. Teremos, então, comícios virtuais para milhões de pessoas, a qualquer hora, em qualquer lugar, com grande presença de vídeos do YouTube.
Preocupam-me, no entanto, os possíveis problemas que teremos nessa campanha eletrônica. Mais do que isso: considero frustrantes os resultados da experiência que temos tido até aqui, de utilização política e cultural da internet. Não me refiro à experiência do uso da internet nas eleições presidenciais de 2002 e 2006, mas à recente proliferação de blogs políticos.
Não há nenhuma dúvida de que o cenário da campanha eleitoral de 2010 venha a ser bem diferente, com a participação da massa de 75 milhões de internautas – 18 milhões dos quais com acessos em banda larga –, embora ninguém possa afirmar que partidos e candidatos estejam preparados para usar corretamente o potencial dessa nova mídia.
Sou pessimista, leitor, e forçado a concordar com a opinião de Nicholas Carr, escritor norte-americano especializado em tecnologia da informação, que citei em colunas anteriores, para quem a internet tende a inibir nossa capacidade de reflexão e, portanto, a deixar-nos “mais estúpidos”. Ou, para ser mais duro, com a conclusão de Stanislaw Lem, escritor de ficção científica polonês, falecido em 2006, que disse: “Não imaginava que o mundo tivesse tantos idiotas até o momento em que comecei a usar a internet”.
MASSA DE ASNEIRAS
É irritante a montanha de asneiras que encontramos na maioria dos comentários postados em blogs e sites em geral. Poucos são os participantes de debates na internet que, realmente, agregam conhecimento, que trazem argumentos sérios e opiniões abalizadas, em seus comentários. É claro que há exceções magníficas e honrosas na maioria dos sites e blogs. Mas são exceções.
Além da massa de textos eivados de erros e deformações da língua portuguesa que predomina na web, o que vemos com maior frequência são desabafos grosseiros e agressivos, quase sempre gratuitos. Sem educação para a democracia e escudados no anonimato, internautas jovens e adultos revelam uma ousadia que ultrapassa todos os limites do bom-senso. Simplesmente por discordar do interlocutor, passam a ameaçá-lo, xingá-lo e a descarregar sobre ele sua boçalidade.
Acompanho de perto alguns blogs de melhor qualidade que enfrentam penoso e permanente trabalho de filtrar mais de 80% dos comentários recebidos, por inadequação absoluta da linguagem. E pior: a maioria dos interlocutores não se apoia em fatos, números confiáveis ou conceitos corretos, e prefere partir para a xingação pura e simples.
LINGUAGEM DE PALANQUE
Não tenho dúvida: o que predomina na internet até aqui é a linguagem de palanque, populista e demagógica, impregnada de chavões, acusações grosseiras, calúnias, mentiras, preconceitos e afirmações totalmente absurdas. Não se trata de mera linguagem candente ou emocional, mas de degradação inaceitável dos padrões éticos de debate, como tenho comprovado inclusive nas diversas discussões de temas polêmicos de telecomunicações promovidos em meu site (www.telequest.com.br), nos últimos meses.
À medida que se aproximam as eleições, o leitor pode comprovar o volume crescente dessa linguagem panfletária ou de palanque. Os analistas mais indulgentes dizem que “isso é natural e faz parte do aprendizado da grande massa de internautas”. Não vejo o problema com tanta tranquilidade e acho que estamos diante de um terrível bombardeio e de uma agressividade crescente na campanha eleitoral. Pior do que isso: corremos o risco de criar um ambiente de confusão política que tende a afetar muito mais as camadas de menor escolaridade, vítimas fáceis da demagogia e do populismo.
Embora pessimista no curto prazo, sou otimista num futuro mais distante, pois acho que a linguagem de palanque tende a perder totalmente a sua eficácia e sua credibilidade. A experiência nos mostra que, diante do radicalismo sistemático, a maioria dos brasileiros rejeita os candidatos e suas mensagens políticas – venham de onde vierem, da esquerda ou da direita, do governo ou da oposição. O destempero verbal não convence. Funciona apenas como fogos de artifício. O equilíbrio, a serenidade e o respeito podem persuadir muito mais do que as investidas hidrófobas ou as mentiras arquitetadas.
De qualquer modo, com todas as suas imperfeições, a internet abre uma nova oportunidade de evolução da democracia no Brasil.
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