domingo, 6 de novembro de 2011



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GARGALOS COM DIAS CONTADOS

publicado em suplemento no OESP 25 de outubro de 2011

Os acessos aos portos brasileiros ganham a atenção dos governos e devem deixar de ser problema nos próximos anos

Ninguém questiona o crescimento vertiginoso e a modernização dosportos brasileiros nos últimos dez anos, mas já se reconhece que esse movimento não foi devidamente acompanhado pela infraestrutura das localidades em que operam. Tanto que a imensa dificuldade de acesso aos portos é hoje apontada como um dos principais entraves para que o comércio exterior do País deslanche, já que este depende em mais de 90% das atividades portuárias. Mas, apesar de todas as dificuldades, o setor se mostra otimista com a movimentação de governos e iniciativa privada para reverter esta situação senão em curto, pelo menos em médio prazo, e apontando até a possibilidade, num prazo maior, de turbinar as ferrovias para tornar todo o processo mais econômico.

O Brasil conta hoje com 36 portos públicos e 126 terminais privativos. Os principais, em termos de movimentação, estão situados em áreas urbanas, o que significa populações locais e portos disputando os mesmos caminhos, que se tornam lentos e poluídos no caso das rodovias. Ou ainda muito mais morosos, no caso das ferrovias, em que as velocidades já reduzidas por traçados antigos caem pela metade em função do peso das cargas e só podem ocorrer no período noturno, já que o período diurno é exclusivo para passageiros.

Toda a carga hoje destinada ao setor portuário nacional depende em 80% do modal rodoviário e em 20% do ferroviário. “Nossa grande meta é alterar esse panorama e isso coincide com a meta do Ministério dos Transportes, que pretende mudar essa situação até 2025, de modo que se chegue naquele ano na base de até 35% de transporte de carga por ferrovias e 45% por rodovias no país todo”, defende o diretor de planejamento da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp – Autoridade Portuária de Santos), Renato Barco.

O Porto de Santos ocupa hoje o primeiro lugar em valor total de mercadorias movimentadas no País. De 2001 a 2010, a sua movimentação total de cargas dobrou, passando de 48 milhões de toneladas para 96 milhões de toneladas, devendo encerrar este ano com 100 milhões de toneladas. No ano passado, movimentou R$ 154 bilhões, ou 25% da balança comercial brasileira no período. Tamanha importância faz com que o Porto de Santos esteja atento e até promova estudos para fazer frente aos gargalos que surgem para travar seu crescimento.

"Lembro que a Secretaria de Portos desenvolveu um estudo de demanda, financiado pelo BID, que projetou em 230 milhões de toneladas o volume de carga aqui movimentado em 2024. Isso nos levou a um outro estudo, feito pela USP em 2009, sobre as necessidades dali decorrentes. E foi justamente ele que nos deu ferramentas para reivindicarmos agora, junto aos governos municipais, estadual e federal, a execução de obras para que a carga flua pelo Porto de Santos, tanto para importação como para exportação.”

Segundo Barco, o Porto de Santos está preparado para atender àquela demanda projetada. “Eu diria que as instalações do porto são adequadas para atender àquela projeção, mas as cargas têm de chegar. Hoje, a situação está sob controle, recebendo mais de 12 mil veículos/dia só na margem direita. O chamado Mergulhão, passagem subterrânea na avenida Perimetral da Margem Direita do porto, estará em fase de licitação do projeto executivo até dezembro. Mas medidas importantes têm de ser tomadas para que não tenhamos problemas em relação aos acessos.”

Um levantamento do Conselho da Autoridade Portuária indicou a necessidade de 46 intervenções nas cidades de Santos, Guarujá e Cubatão para resolver a questão da acessibilidade ao Porto de Santos por rodovia, ferrovia e hidrovia. Alguns já estão sendo atacados como é o caso da avenida Perimetral da Margem Direita do Porto, em que o governo federal investiu R$ 51 milhões. O trecho já concluído eliminou dois importantes gargalos.

“Outra obra importante é a construção do Ferroanel, que vai acabar com a competição do trem de carga com o trem de passageiro e não limitará mais nossas operações ao horário noturno no modal ferroviário”, diz Barco, que defende para já medidas que permitam o início do trecho sul do Ferroanel, sendo que o trecho norte deverá ser entregue até 2016.

O dirigente também elogia ações da iniciativa privada no ataque à questão da acessibilidade aos portos. “AMRS Logística adquiriu novas locomotivas para operar na cremalheira da Serra do Mar, substituindo máquinas dos anos 70.”A medida possibilitará a elevação das operações, que dos atuais 8 milhões de toneladas deverão chegar até 28 milhões de toneladas/ ano em quatro anos.

Também os investimentos da Rumo Logística foram citados no combate aos gargalos da acessibilidade ao porto. O terminal da Rumo em Santos é considerado a maior instalação portuária especializada no embarque de açúcar no mundo, com capacidade de embarque anual de 11 milhões de toneladas de açúcar. Além de obras diversas, a empresa aplicará R$ 1,3 bilhão até 2015 para o fortalecimento do modal ferroviário no transporte de açúcar da região Centro-Sul paulista, garantindo maior eficiência às exportações e retirando das estradas até 30 mil caminhões por mês.

O diretor da Codesp diz que muitas outras importantes obras na Baixada Santista estão em discussão e torce para que sejam implementadas o mais rápido possível para evitar transtornos enormes que ocorrem hoje, como na intersecção da rodovia Cônego Domênico Rangoni com a Via Anchieta. “Algumas vias têm de ser duplicadas, traçados antigos de viadutos precisam ser alterados e devem ser construídas as marginais da Anchieta com um sentido só para melhorar o fluxo de veículos.”

Também o Porto de Paranaguá está preocupado com o fato de os acessos rodoferroviários do Paraná não terem acompanhado o seu crescimento. Juntamente com os portos deVitória (Espírito Santo), Itaguaí (Rio de Janeiro) e Rio Grande (Rio Grande do Sul), ele respondeu por R$ 159,6 bilhões (26%) da balança comercial do País no ano passado. Além de apontado como a melhor origem e destino de cargas para o Mercado Comum do Sul (Mercosul), 40,70% de suas exportações vão para a comunidade europeia.

Ao destacar Paranaguá como o segundo maior porto do Brasil, o superintendente Airton Vidal Maron atribui o grande problema da acessibilidade à falta de investimentos por parte do governo federal. “Nossa única ferrovia tem mais de 120 anos e a principal rodovia é de quase 50 anos atrás”, argumenta.

Segundo Maron, o porto tomou algumas medidas paliativas, como pequenas intervenções nas vias internas, mas seria fundamental remodelar toda a entrada da cidade para ter uma passagem isolada só para a área portuária. “Temos estudado alternativas nesse sentido, coisas para serem executadas a médio prazo, mas que necessitam de recursos do governo federal. A previsão é de que precisamos de algo em torno de R$ 500 milhões em quatro anos, lembrando que se trata de um projeto de Estado e não de governo.”

Além da mudança de fluxo viário dentro da cidade e recuperação de algumas vias, o superintendente do Porto de Paranaguá está otimista com a ação do governo estadual junto à Valec com vistas a uma nova ligação ferroviária. “Se houver alocação de recursos, é também uma medida a médio prazo. São R$ 2 bilhões, mas a relação custo-benefício supera em muito esse valor, pois para que o porto tenha agilidade é preciso, antes de tudo, que a carga chegue até ele.” O certo é que em todo o Brasil vários projetos estão sendo desenvolvidos para melhorar os acessos especialmente junto aos principais terminais portuários como no caso do Rio de Janeiro, que desenvolve o Porto Maravilha e o Rio Século 21, com dezenas de intervenções urbanísticas que deverão resultar em melhorias para facilitar o acesso das cargas aos portos da região.

Para o diretor-geral da Agência Nacional de TransportesAquaviários (Antaq), Fernando Fialho, o fato de o acesso terrestre aos portos ser apontado hoje como o principal gargalo é decorrência mesmo do real crescimento do setor e, principalmente, pelo fato de outros grandes entraves já terem sido solucionados. “Nesse sentido, é importante contextualizar o que ocorreu nos últimos dez anos. Afinal, o Brasil saiu de uma conta de comércio de US$ 100 bilhões para algo quatro vezes maior, ou seja, US$ 400 bilhões em dez anos, lembrando que 99% das nossas exportações passam pelos portos e 90% das importações também.”

Fialho faz um rápido balanço das centenas de medidas que foram tomadas nos últimos anos e que possibilitaram uma considerável ampliação das operações portuárias brasileiras. “Foram muitas ações visando modernizar e capacitar melhor os portos, torná-los cada vez mais eficientes. Sem falar nos investimentos nas dragagens, que permitiram até que alguns voltassem a operar, como no caso do Porto de Recife, e outros pudessem receber navios de grande calado. Ou seja, foram atacados vários gargalos e, então, o que agora ficou evidente é a questão dos acessos.”

O diretor da Antaq entende que toda essa movimentação ao redor dosportos é mesmo necessária para um país que quer se tornar a quinta economia mundial. “E para isso temos de atrair cada vez mais investimentos da iniciativa privada nas ações para acabar com os entraves do setor portuário. Alei portuária favorece as parcerias público-privadas.” Lembra ainda que, para racionalizar os investimentos , a Secretaria de Portos encomendou um trabalho identificando os novos gargalos. “Em decorrência, Santos contará com R$ 6 bilhões nos próximos quatro anos.” 

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