sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A brincadeira do PIB chinês Alberto Tamer


O Estado de S. Paulo - 19/08/2010



Saiu o PIB da China no segundo trimestre. Passou o Japão e agora é a segunda economia mundial. Não é que a China cresceu mais, foi o Japão que cresceu menos. Mesmo assim, a diferença entre ambos é simbólica. China US$ 1,33 trilhão, Japão, US$ 1,28 trilhão. Mas nada disso é importante, mesmo porque a diferença entre a segunda economia mundial em relação à primeira - os US$ 14 trilhões dos Estados Unidos - é imensa. A China representa hoje 2,4% do PIB mundial e os Estados Unidos, 24,6%.

Não há razão para tanta festa. O que importa é que a China vem mantendo esse ritmo de crescimento mesmo com recessão mundial. Avança menos, mas continua avançando 9% enquanto os outros ainda não reagem. Tudo mais, comparações com o PIB do Japão, da Alemanha, é puro marketing. Bem aproveitado pelo governo chinês que acordou e está iniciando um belo trabalho de relações públicas no cenário internacional.

Mas vai passar os EUA! Essa é outra armadilha estatística (resisti muito à palavra brincadeira) Exercícios de futurologia nos quais até alguns economistas do FMI caíram. Em 2030, o PIB da China será maior que o dos EUA e da União Europeia! A coluna entrou nesse jogo estatístico e chegou à conclusão que se os EUA crescerem 2% o ano e a China mantiver o ritmo atual, de 10%, em 31 anos...

Brincadeira por quê? Simplesmente porque o crescimento da China depende do crescimento das exportações para os EUA e a UE seus principais mercados. No primeiro semestre, as exportações da China para o mercado mundial aumentaram em 35% e as importações 52%. Principal mercado, EUA, US$ 290 bilhões. Ou seja, 25% das exportações chinesas! A mesma proporção com os 27 países da UE. É um número menos representativo, certo, pois teríamos de levar em conta também as importações. Mas, mesmo assim confirma que o crescimento da China no ritmo atual ainda está diretamente ligado ao crescimento do mercado e da economia mundial.

O socorro do governo. Isso ficou comprovado no ano passado, quando a recessão afetou o fluxo comercial e só foi superada pela China com um vigoroso pacote de estímulo fiscal de US$ 600 bilhões. Representou cerca de 12% do PIB desse ano. Mesmo assim, o mercado interno contribuiu com apenas 8,7% do crescimento do PIB em 2009. Antes da crise, representava 12%.

Não dá para repetir a dose? Não, pelo menos na mesma proporção. O governo começou a criar nos últimos dois anos um novo modelo de economia voltado para o mercado, com o potencial de pelo menos 500 milhões de novos consumidores. Pelo menos 10 milhões migram por ano para as cidades, mas com as repercussões da crise mundial sobre a ocupação da mão de obra, grande parte está voltando para suas cidades. Há crédito demais, que beneficiou muito o setor imobiliário. No ano passado, a alta nas bolsas passou de 80%, o mercado imobiliário cresceu mais de 40% em área construída e cerca de 80% em valor por metro quadrado. O governo chinês vem aplicando com êxito a terceirização de parte da produção em países vizinhos, a custos menores. Há ainda a vantagem de obter matéria-prima nos países africanos e, agora, também de olho no Brasil.

E o tal segundo lugar? Isso não tem importância. O que importa é que a China continue crescendo no ritmo atual, que seu PIB dobre em alguns anos, que importe mais. Sem isso, a recuperação da economia mundial continuará ameaçada. Não se pode contar com os outros emergentes - Brasil, Índia. Pesam pouco no mercado mundial. O que pesa são os mais de 500 milhões de chineses que ainda não consomem o que o mundo precisa produzir. Tema para próximas colunas.

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