terça-feira, 6 de outubro de 2009

O papel pode morrer; a leitura, não

por Daniel Piza

Nunca se produziram tantos livros no mundo. O maior sucesso recente da literatura mundial foi uma série de romances juvenis, Harry Potter, cujos volumes têm mais de 700 páginas cada um. O índice de leitura no Brasil aumenta ano a ano. O melhor livro de ficção nacional do último decênio, Dois Irmãos, de Milton Hatoum (2000), já soma cem mil exemplares vendidos; é um sucesso de crítica e público. Feiras literárias como a de Paraty unem grandes autores em salas lotadas. Imprensa? As duas mais sofisticadas revistas de língua inglesa, The Economist e The New Yorker, que se caracterizam pelos textos extensos e análises críticas, hoje têm a maior circulação de sua história: mais de 1 milhão de exemplares cada uma. No Brasil, nunca se falou tanto em jornalismo literário, nome de uma coleção de livros (que teve títulos como A Sangue Frio, de Truman Capote, e Hiroshima, de John Hersey, na lista dos mais vendidos em não-ficção), e nunca se tentou praticá-lo tanto. Entre os estudantes, o jornalismo cultural passou a ser o mais procurado, em vez do político e do econômico.
Quem diz que textos em papel estão morrendo, portanto, está desdenhando fatos. Se há uma queda geral no nível cultural, se hoje vemos até pessoas das artes e das idéias com formação geral deficiente, não é por causa de alguma incompatibilidade fundamental entre o homem contemporâneo e a superfície impressa. O que há é uma perda do valor desse conceito, “formação”, num mundo tão bombardeado de informações e de tantas horas perdidas em trânsito, distração e consumismo. Pois quem deseja tomar contato com o que se escreveu de melhor no passado tem ampla oferta de produtos e eventos. Editoras como Cosac Naify, Companhia das Letras, 34 e L&PM têm feito ótimo trabalho de reedições e novas traduções de clássicos, inclusive com vendas em bancas de jornal a menos de R$ 10 o exemplar. Assim como CDs, DVDs e os sites com vídeos e áudios, o acervo de textos antigos é hoje maior do que já foi em qualquer era anterior; temos Shakespeare a um clique no mundo todo.
Sim, a circulação de jornais tem caído nos últimos anos, sobretudo nos países ricos, como EUA, e boa parte disso pode ser atribuída à concorrência de outros meios de comunicação; a televisão, por sinal, está tão preocupada com a internet quanto a imprensa escrita. Para o sujeito que trabalha e tem família, há uma sensação de que está informado ao longo do dia: escuta rádio no caminho, fica diante do computador o dia inteiro, há TVs com canais de notícia 24h em todos os lugares, volta para casa e ainda consome mais jornalismo até pelo celular. Como não querer que nesse mundo pulverizado o jornal diário em papel não perca espaço? Isso, porém, não significa que ele não vá continuar a ser lido por uma minoria, ainda que em suporte digital (em aparelhos como o Kindle, que foi redesenhado justamente para baixar jornais), nem que a leitura de livros e revistas vá deixar de ser um hábito distintivo do Homo sapiens. Na convergência de mídias, nada elimina o que houve antes: apenas absorve e transforma – e, se a humanidade quiser, pode até ser para melhor.

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