terça-feira, 27 de setembro de 2011


Os caminhos do desenvolvimento

Coluna Econômica - 27/09/2011
Participei ontem de uma mesa do 8o Fórum de Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. A discussão foi sobre o tema "Até que ponto existe uma articulação ou uma coalizão político-social para o desenvolvimento sustentado?".
Da discussão, participaram economistas e sociólogos.
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A grande questão colocada foi identificar que fatores poderiam deflagrar um processo de crescimento similar ao do Japão e Coreia, nos anos 50 e 60, China e Índia mais recentemente.
Nas últimas décadas houve enormes avanços em várias áreas, especialmente no amadurecimento democrático brasileiro. Setores aprenderam a negociar com setores, União, estados e municípios se tornaram parceiros, consolidou a ideia de que o país é a soma de um conjunto enorme de atores - as grandes e pequenas empresas, o agronegócio e a agricultura familiar, o mercado e as políticas sociais. Criou-se um potente mercado de consumo interno e o Banco Central – com a decisão de reduzir a taxa Selic em meio ponto – finalmente passou a enfrentar a questão dos juros escandalosamente altos dos últimos 20 anos.
O que falta, então, para o salto?
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O primeiro fator é acabar com o espírito de “porque me envergonho do meu país”.
De fato, nas últimas décadas um bordão incessantemente repetido por comentaristas econômicos e políticos era o da vergonha de ser brasileiro. Qualquer tentativa de criar políticas alternativas, que derrubassem os juros, era descartada partindo-se do pressuposto de que o país não teria competência para fugir dos manuais de economia recomendados pela banca internacional – mesmo que nenhum outro país do mundo ostentasse a excrescência de juros básicos acima de 10% ao ano.
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A industrialização dos anos 30, por exemplo, só foi possível depois de uma década de crise, dos anos 1920, na qual, a partir da disseminação dos rádios, dando expressão a uma cultura popular e erudita que devolveram a autoestima nacional.
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O segundo grande desafio é alguma episódio que deflagre o chamado “espírito animal” do empresário, isto é, aumente sua propensão a investir e canalize as energias do país para pontos fundamentais para o desenvolvimento.
Tenho para mim e tenho escrito há tempos sobre isso – e os economistas Yoshiaki Nakano e Luiz Carlos Bresser-Pereira endossam também a tese – que o fator capaz de deflagrar esse espírito é a redução dos juros e a desvalorização cambial.
Embora haja riscos de uma volta provisória da inflação, esses dois movimentos trariam vários efeitos colaterais fundamentais para a explosão de desenvolvimento brasileiro.
De um lado, estimularia investimentos privados, liberando uma enorme quantidade de recursos hoje aplicados na rolagem da dívida pública.
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Muitos economistas sustentam que a emergência da Coreia se deveu a investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento, apoio a grandes grupos empresariais. Mas, antes de tudo, houve uma desvalorização cambial que baixou os preços dos produtos coreanos no mercado internacional, permitindo ao país vender bens de qualidade inferior, mas por preço competitivo.
Depois desse primeiro empuxe, ainda nos anos 50, criou-se uma dinâmica de desenvolvimento que facilitou as grandes reformas estruturais.

A saúde doente

A penalização dos hospitais públicos por uma política vesga ao primado da vida e ao direito coletivo à assistência médica e hospitalar, perfeitamente possível, degrada a disponibilidade desses serviços

25 de setembro de 2011 | 3h 08
O Estado de S.Paulo
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O boicote dos médicos a vários planos de saúde, que lhes pagam pelas consultas menos do que recomenda o índice de inflação, indica, antes de tudo, que é outra a saúde que vai mal: a da economia brasileira. A inflação crescente e preocupante, em vista de gastos perdulários e imprudentes dos três poderes, assombra os que vivem de salário e temem o pior: serem lesados no desencontro de reajustes entre os ganhos dos que lucram com a medicina e os dos que nela trabalham.
A reclamação dos médicos no fundo é um termômetro da saúde da economia. Dados exibidos em sua greve anterior, de abril, mostravam que o faturamento anual dos planos médico-hospitalares, entre 2003 e 2009 mais que dobrou: subiu 129%. Em contrapartida, o preço médio pago por consulta médica teve um reajuste de apenas 44%. Neste ano, denunciam os médicos, ainda há operadoras de companhias de seguros que pagam R$ 20 por consulta médica, dois cartuchos de pipoca numa rede de cinemas de São Paulo. Não sei se há muita gente disposta a medir o valor de sua saúde e de sua vida por esses parâmetros.
Entre 2000 e 2010, o índice de elevação dos preços ao consumidor foi de 106,33%, enquanto a Agência Nacional de Saúde autorizou aumentos que somaram 132,97% nos planos individuais e familiares de saúde. Esses aumentos se tornaram brutalmente descompassados entre 2004 e 2007, os segurados pagando pelo seguro-saúde muito mais do que a inflação de cada ano. No fim das contas, o governo impôs aos segurados a elevação do preço do seguro-saúde, mas os ganhos adicionais foram para as empresas de seguro e não para o reajuste do atendimento médico.
Há no Brasil 46 milhões de segurados, 46 milhões de brasileiros transferidos para a medicina privada, aliviando, portanto, os custos da medicina pública que deveria assisti-los. O que praticamente indica um comprometimento do ideal de termos uma medicina social adequada ao tamanho e às carências do País. O primado do lucro na questão da saúde privada revela sua irracionalidade no boicote destes dias, o segundo do ano, em face da inflação que cresce e do desgaste do valor de salários e ganhos dos que vivem de seu trabalho profissional. A previsão da Comissão Nacional de Saúde Suplementar é a de que os planos de saúde devem faturar mais de R$ 70 bilhões em 2011.
Pesquisa realizada pelo DataFolha, mostrou que 92% dos médicos da amostra já sofreram interferência dos planos de saúde em sua autonomia profissional, muitos deles no sentido de desestimular internações hospitalares, procedimentos e prescrição de medicamentos de alto custo. Portanto, os agentes do economismo que invadiu a prática médica, em nome dos interesses das seguradoras, transformaram-se em substitutos do médico sem que seus critérios tenham passado pelos rigores dos exames que comprovam quem está ou não habilitado para o exercício da medicina.
Curiosamente, a hostilidade até frequente contra médicos, enfermeiros e atendentes que se pode observar em hospitais públicos, dos que reclamam a prontidão que alegam haver na medicina privada, não alcança essas anomalias em hospitais particulares. Uma insidiosa e postiça indisposição contra os hospitais públicos deforma a avaliação popular dos verdadeiros problemas que nos hospitais públicos há, que são os do menosprezo pela saúde pública no rateio dos recursos do governo. No fim, nessa sovinice indevida, o governo se torna propagandista e corretor das companhias de seguros.
A arquitetura organizacional do SUS, no que respeita à medicina pública, é boa, bem pensada, otimiza a infraestrutura disponível. A grande questão é a insuficiência de médicos, de enfermeiros e de hospitais. O próprio estabelecimento de critérios de precedência e prioridade no atendimento já indica que estamos em face de muita gente para pouca e geralmente boa medicina. Marcar uma consulta pode levar meses. E fazer um exame solicitado pelo médico pode levar outros tantos meses. Sem contar que, depois disso, marcar e conseguir o retorno pode tomar mais meses ainda. De modo que, entre a hipótese inicial de diagnóstico e o retorno ao médico, para verificação dos resultados e recomendação do tratamento, pode decorrer longo tempo. Cabe, em certos casos, perguntar se o tempo decorrido e a evolução natural da enfermidade não invalidam o diagnóstico, além de invalidar o tratamento eventualmente recomendado depois de tanto tempo.
Há medicina de primeiro mundo também em hospitais públicos, talvez mais neles do que na maioria dos hospitais particulares para quem depende de seguro-saúde, sobretudo em face das interferências indicadas na pesquisa do DataFolha. Entretanto, a penalização dos hospitais públicos por uma política vesga ao primado da vida e ao direito coletivo à assistência médica e hospitalar, que é perfeitamente possível entre nós, nos coloca num estágio retrógrado da disponibilidade desses serviços. Até Cuba, que é muito mais pobre do que nós, não descura caráter social da medicina a todos acessível.


Emborcamento precoce Na cidade de São Paulo, um em cada três estudantes entre 15 e 18 anos já bebeu cinco ou mais doses de álcool em uma única ocasião

25 de setembro de 2011 | 3h 06
O Estado de S.Paulo
ARTHUR GUERRA DE ANDRADE
O uso nocivo de álcool resulta em 2,5 milhões de mortes por ano no mundo. Cerca de 320 mil jovens entre 15 e 29 anos de idade morrem de causas relacionadas a essa substância - o equivalente a 9% de todas as mortes nessa faixa etária. Tais estimativas, da Organização Mundial da Saúde (OMS), são preocupantes, tanto é que, em menos de uma semana, tivemos ao menos dois eventos importantes relacionados ao assunto.
No dia 19 foi realizada uma reunião de alto nível da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre prevenção e controle de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), aberta pela presidente Dilma Rousseff. Nesse encontro (e na declaração política resultante dele), os principais fatores de risco em comum entre as DCNTs discutidas (doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e enfermidades respiratórias crônicas), e evitáveis, foram: o sobrepeso e a obesidade resultantes da falta de uma alimentação saudável e da inatividade física, o tabagismo e o consumo nocivo de álcool.
Para diminuir o impacto deste último, ações e políticas públicas efetivas, baseadas em evidências científicas e adequadas ao contexto local, deveriam ser implementadas de maneira integrada por diferentes setores. Citou-se ainda o documento intitulado Estratégia Global para Redução do Uso Nocivo de Álcool, lançado pela OMS em 2010, que traz sugestões a serem aplicadas em todo o mundo - respeitadas, é claro, as diferenças culturais e socioeconômicas de cada país.
É nesse contexto de políticas públicas que se insere o segundo evento da semana: a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei 698/2011, que proíbe, no Estado de São Paulo, a venda, a oferta, o fornecimento, a entrega e a permissão de consumo de bebida alcoólica, ainda que gratuitamente, aos menores de 18 anos de idade. Aqui, é importante apresentar o cenário do uso de álcool entre nossos jovens, baseado em pesquisas científicas recentes.
Um levantamento com estudantes do ensino médio em escolas particulares da cidade de São Paulo, realizado no ano passado, revelou que um em cada três estudantes entre 15 e 18 anos já havia bebido cinco ou mais doses de álcool em uma única ocasião, ao menos uma vez no mês anterior à pesquisa.
Quando analisamos o panorama brasileiro, nos deparamos com dados igualmente preocupantes. No 1º Levantamento Nacional sobre Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, que contou com mais de 12 mil estudantes, verificou-se que 79% dos entrevistados menores de 18 anos já tinham consumido algum tipo de bebida alcoólica. Além disso, estima-se que o primeiro consumo ocorra entre 13 e 15 anos de idade, considerando a população geral brasileira de adultos jovens (entre 18 e 25 anos).
Isso é um sério problema de saúde pública porque na adolescência o sistema nervoso central ainda se encontra em desenvolvimento e, portanto, mais suscetível aos efeitos do álcool. Nota-se, ainda, que o uso precoce de tal substância é um importante indicativo de maior risco para o desenvolvimento de transtornos relacionados (abuso ou dependência).
Como especialista em dependência química há 30 anos, tenho a clareza de que o uso nocivo e a dependência do álcool, por ser uma questão complexa e multifatorial, não é um problema que pode ser resolvido de maneira simples e rápida, como muitos de nós gostaríamos.
Abordá-lo sob uma visão interdisciplinar é essencial para lidarmos de maneira mais adequada com esse problema de saúde pública global. Ações integradas e complementares, baseadas em evidências científicas, sustentáveis e, principalmente, eficazes somente poderão ser desenvolvidas e implementadas se instituições de diferentes setores contribuírem junto à sociedade. Nesse aspecto, unem-se prevenção e tratamento. Além disso, não podemos deixar de lado o desenvolvimento educacional e social - disseminar amplamente o conhecimento adquirido por meio de pesquisas científicas deve ser prioritário.
Sim, ainda há solução para o uso nocivo de álcool. Ela envolve investir fortemente em programas de prevenção, inibir de forma intensiva o uso nocivo dessa substância e recuperar aqueles que dela já se tornaram dependentes.