domingo, 2 de junho de 2024

Em 'Jardim dos Desejos', Paul Schrader aproxima violência física da mora, FSP

 Em seus cursos de roteiro, Paul Schrader não ensina como dividir o roteiro em atos ou coisas assim. Pergunta o que naquele momento inquieta o aluno. Esse é o seu ponto de partida.

Adotando o mesmo raciocínio, pode-se pensar que "Jardim dos Desejos" nasceu da preocupação de Schrader —roteirista e diretor, como de hábito— com a natureza. Não por acaso, no centro das coisas está Narvel Roth, ou Narv (Joel Edgerton), o mestre jardineiro. Compreender a natureza faz parte de seu trabalho, mas sobretudo é um prazer. Em dado momento ele tira os sapatos para demonstrar a importância do contato direto com a terra. Que também quer dizer, claro, contato com a Terra.

Cena do filme 'Jardim dos Desejos', de Paul Schrader
Cena do filme 'Jardim dos Desejos', de Paul Schrader - Divulgação

Mais adiante (ou até antes), Narv cheira a terra (ou uma flor) e escreve em seu diário que o prazer causado só iguala... o momento que precede o apertar do gatilho de um revólver. E o espectador dá um pulo na cadeira pela surpresa e pensa: Epa! Aí tem.

Com efeito, a imagem do revólver sinaliza uma cambalhota de 180º no filme. Até porque introduz outras preocupações, como a existência de movimentos neonazistas tão fanáticos quanto atuantes, por exemplo.

Narv habita esse jardim paradisíaco, mas é bom saber que nem sempre foi assim. A dona do lugar é a afável herdeira Norma (Sigourney Weaver), que realiza de tempos em tempos uma grande exposição de suas flores, seguida de leilão beneficente.

Norma tem um problema na vida: a sobrinha neta, filha de sua finada irmã, parece que é tão descabeçada como a mãe —ao menos é o que pensa Norma— e por isso virá trabalhar como aprendiz no jardim. A moça é uma linda mestiça chamada Maya (Quintessa Swindell) e, à parte a simpatia e a doçura, é viciada em drogas e, pior, namora um traficante bem violento. O que vem a seguir diz respeito menos a flores e jardins do que à necessidade de resolver fatos passados da vida de Maya e de Narv.

Isso pelo que diz respeito ao roteiro, onde já se percebem certas preocupações habituais no recente Schrader —o meio ambiente sobretudo— e outras quase permanentes —as drogas, o mal do mundo. Aqui ambos se manifestam de uma maneira surpreendente: tudo está na pele, tudo é visível.

Essa opção de mise-en-scène centrada nas aparências conduz a uma inevitável conclusão: todo homem é dotado de várias peles, ou várias camadas de uma mesma pele, cada uma carregando suas dores, desejos, fraquezas e mesmo crimes.

Porque os personagens de Schrader, malgrado as aparências, estão sempre caminhando no fio da navalha, entre revelação e perdição. Diferente de seus mestres tão apregoados e citados nos filmes (Bresson, Dreyer), cujas questões são antes de tudo morais, em Schrader o drama moral não exclui o físico. Antes, se confundem e depois se fundem. A crença em algo (não necessariamente Deus) engendra a dúvida e a dor. Eventualmente, alívio e felicidade.

Talvez essa aproximação entre moral e físico dificulte com frequência a aproximação à obra de Schrader, embora seja determinante para sua originalidade. Mas é o que faz ele ser mais conhecido, até hoje, como roteirista de "Taxi Driver" do que por uma obra cada vez mais sólida.

Ao contrário da maior parte de seus colegas de geração, Schrader a partir de certo ponto se escondeu do sucesso, optou pelos filmes de pequeno orçamento e distantes do sucesso garantido, no entanto, cada vez mais importantes, como "Adam: Memórias de uma Guerra" (2008), "O Contador de Cartas" (2021), "Fé Corrompida" e agora este "Jardim dos Desejos" (2022).

Parece uma boa escolha, que combina bem com um estilo em que a interpretação dos atores fica não raro próxima de Bresson ou Dreyer, mas os planos que introduzem as sequências, em geral planos gerais sem personagens ou figurantes. Esses planos intermediários remetem, claro, a Yasujiro Ozu, o terceiro pilar da cinefilia de Schrader.

Que, não é demais lembrar, começa aos 18 anos. Até então, criado num protestantismo estrito, nunca tinha visto um filme. Depois de ver um filme, mergulhou no cinema. Mais tarde mergulharia nas drogas —outro assunto recorrente em seus filmes— e faria da violência de todos os tipos um tema que permeia seu trabalho —e que é muito presente na sociedade que o cerca.

Em geral, Schrader aproxima a violência física da moral, e no caso ambas podem ser mortais. Seu cinema flutua quase sempre entre as duas, assim como as consequências da violência, de qualquer tipo que seja, pode ser mortal para o corpo, para a alma e, mais recentemente, para a Terra.

Onda de negociações de US$ 200 bilhões na indústria de xisto dos EUA redesenha o cenário energético, FSP

 Myles McCormick

Jamie Smyth
NOVA YORK (EUA) | FINANCIAL TIMES

As negociações no setor de petróleo e gás dos EUA dispararam para quase US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) no último ano, à medida que os maiores produtores competem para engolir rivais em uma corrida por escala que redesenhou o cenário energético nacional.

Mas à medida que os melhores terrenos de perfuração do país são adquiridos, as empresas estão ampliando sua busca e olhando além dos campos de petróleo mais procurados em busca de aquisições que fortalecerão sua capacidade de bombear hidrocarbonetos nos próximos anos.

Reserva Estratégica de Petróleo Bryan Mound, uma instalação de armazenamento de petróleo, no Texas, EUA - Adrees Latif -27.abr.20/REUTERS

"Estamos no meio de uma onda de consolidação e não acho que tenha acabado ainda", disse Jon Hughes, diretor executivo da Petrie Partners, uma empresa de banco de investimento boutique que assessorou a venda de US$ 60 bilhões (R$ 312 bilhões) da Pioneer Natural Resources para a ExxonMobil.

"Passamos de cerca de 65 para 41 empresas de petróleo e gás de capital aberto nos EUA em menos de cinco anos."

Desde julho passado, empresas como Exxon, Chevron e Occidental Petroleum anunciaram negócios no valor de US$ 194 bilhões (R$ 1 trilhão) em todo o setor de xisto dos EUA, de acordo com a consultoria Rystad Energy. Isso é quase o triplo do montante no período anterior de 12 meses. O mais recente ocorreu esta semana, quando a ConocoPhillips anunciou a aquisição de US$ 22,5 bilhões da Marathon Oil (R$ 117 bilhões), após negociações entre as empresas terem sido relatadas pelo Financial Times.

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Pelo menos outros US$ 62 bilhões (R$ 323 bilhões) em ativos são conhecidos por estarem no mercado, de acordo com a Rystad.

Empresas como Permian Resources, Matador Resources, Chord Energy e Civitas Resources estão na mira de grandes players, disse Michael Alfaro, da Gallo Partners, um fundo de hedge focado em industriais e energia. Ele também apontou para empresas de capital fechado, incluindo Double Eagle e Mewbourne Oil, como perspectivas atraentes.

A EOG, sediada em Houston, avaliada em US$ 70 bilhões (R$ 364,70 bilhões), e a Devon Energy, com sede em Oklahoma, avaliada em US$ 30 bilhões (R$ 156 bilhões), são os maiores players dos EUA listados publicamente que ainda não entraram na onda recente. A Devon corre o risco de se tornar um alvo para outros players se não se fortalecer, disseram analistas. A empresa havia mantido conversas com a Marathon, mas foi superada pela Conoco, disseram pessoas familiarizadas com o negócio.

A onda de negociações entrou em uma nova fase. Com grande parte dos melhores terrenos já ocupados na prolífica Bacia do Permiano, no Texas e Novo México —o coração da indústria petrolífera do país— as empresas estão buscando mais longe. A consolidação deixou quase dois terços do petróleo de xisto do campo nas mãos de apenas seis empresas, estimou a Rystad.

O acordo da Conoco com a Marathon sinalizou uma mudança estratégica na onda de fusões e aquisições. A Marathon possui alguns terrenos no Permiano, mas seus ativos também estão espalhados por bacias menos conhecidas, como o Eagle Ford no Texas, o Bakken na Dakota do Norte e o Scoop Stack em Oklahoma. O acordo foi fechado depois que a Conoco perdeu para a rival Diamondback Energy em sua tentativa de comprar a Endeavor Energy Resources, um dos alvos mais cobiçados no Permiano.

"Com oportunidades limitadas restantes no Permiano, a competição intensificada poderia ter levado a ConocoPhillips a buscar opções significativas em outros lugares", disse Palash Ravi, analista sênior da Rystad. "A consolidação no xisto dos EUA provavelmente se deslocará para fora do Permiano."

A recente onda de negociações começou com a oferta de US$ 60 bilhões da Exxon pela Pioneer, a maior produtora de petróleo do Texas, em outubro passado. Isso foi rapidamente seguido pela Chevron, a maior rival da Exxon, anunciando um polêmico acordo de US$ 53 bilhões (R$ 2,8 trilhões) com a Hess.

Outros logo seguiram, à medida que as maiores empresas de petróleo competiam para adquirir rivais menores: a Occidental Petroleum superou a Diamondback em um acordo de US$ 12 bilhões (R$ 62,5 bilhões) pela CrownRock. A Diamondback mais tarde superou a Conoco com seu acordo de US$ 26 bilhões (R$ 135 bilhões) pela Endeavor. A aquisição de US$ 22 bilhões (R$ 114 bilhões) da Marathon pela Conoco na quarta-feira veio após semanas de disputa com a Devon Energy.

As tensões se tornaram públicas, com a Exxon e a Chevron discutindo sobre a aquisição da Hess pela última. A Exxon argumenta que tem o direito de preferência sobre qualquer venda da participação da Hess em um projeto lucrativo na costa da Guiana e entrou com um caso de arbitragem que poderia prejudicar o maior acordo na história da Chevron.

A onda de negociações também atraiu a atenção dos reguladores antitruste. A Comissão Federal de Comércio ainda não buscou bloquear um acordo, mas lançou investigações sobre muitas das maiores aquisições.

Sob Lina Khan, presidente da FTC, seis dos oito acordos de petróleo e gás anunciados com valores acima de US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) receberam pedidos de informações adicionais do regulador, de acordo com a Petrie Partners. Isso representa um aumento em relação a um em 27 ao longo de quase duas décadas anteriormente.

Das investigações lançadas, o regulador aprovou um acordo: a aquisição de US$ 60 bilhões da Pioneer pela Exxon. Mas sua aprovação foi condicionada a Scott Sheffield, ex-CEO da Pioneer, ser proibido de servir no conselho da Exxon, com base na alegação de que ele teria supostamente conspirado com a Opep para restringir o fornecimento de petróleo.

Sheffield, que chamou as alegações de "selvagens e inacreditáveis", disse que a postura antagonista da FTC —e sua capacidade de vasculhar comunicações passadas na descoberta— poderia fazer com que executivos pensassem duas vezes antes de fechar acordos.

"Estou muito preocupado que atacar declarações passadas como esta terá um efeito inibidor na capacidade e disposição dos líderes empresariais de expressar suas opiniões publicamente", disse ele ao FT.

A onda de negociações transformou o cenário de petróleo e gás dos EUA de um composto por milhares de operadores de pequena escala para um onde poucos grandes players têm influência.

O último acordo da Conoco lhe dará uma produção maior do que a supermajor TotalEnergies e em pé de igualdade com a BP, de acordo com a consultoria Wood Mackenzie. Conoco, Exxon e Chevron juntos representarão 25% dos recursos de petróleo de xisto restantes nos EUA, calcula a Rystad.

Embora muitos dos maiores acordos já tenham sido feitos, executivos do setor dizem que ainda há muita consolidação por vir.

"O cavalo saiu do celeiro em M&A e esperamos que a corrida armamentista por escala continue", disse Mark Viviano, gerente de portfólio do grupo de private equity Kimmeridge.

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