terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Deirdre Nansen McCloskey - Pode rir de nós, Brasil, FSP

 

O Brasil é uma democracia liberal melhor que os Estados Unidos. Vejam as evidências.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) imediatamente indiciou os "vândalos fascistas" que atacaram Brasília em 8 de janeiro último. Em comparação, os Estados Unidos demoraram muitos meses desde o dia 6 de janeiro de 2021 para afirmar a regra mais importante do Estado de Direito.

A violência não pode ser usada na política. Usar a violência com fins políticos é chamado de "terrorismo" —e é a estrada direta para o fascismo.

Em 1922, quando Benito Mussolini liderou um grupo de bandidos em sua Marcha para Roma, o experimento imperfeito da Itália depois de 1871 com a democracia liberal foi condenado. Quando os fascistas e os comunistas lutaram nas ruas de Berlim, no final dos anos 1920, o destino da Alemanha foi selado.

Golpistas invedem prédio do Congresso americano em Washington - Win Mcnamee - 6.jan.21/AFP

As autoridades brasileiras, na semana passada, também começaram imediatamente os processos contra os instigadores e os financiadores. Os revoltosos simplesmente foram tolos ao acreditar na afirmação de Jair Bolsonaro (PL) de que a eleição tinha sido roubada. Seus mestres escondendo-se na Flórida os exploraram.

Os Estados Unidos, em comparação, levaram dois anos a mais. Nada foi feito ainda com os cérebros —pessoas como Steve Bannon, que planejou o 6 de janeiro e está envolvido nos ataques em Brasília.

Em comparação, a Suprema Corte brasileira suspendeu imediatamente o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, que havia fugido para a Flórida para se unir a seu chefe, Jair. Já o nosso chefão da máfia dos EUA continua solto, também vivendo na Flórida.

A Justiça rápida e certeira contra tentativas violentas de derrubar um governo democraticamente eleito é essencial para o Estado de Direito. O Brasil faz isso. Os EUA ainda não fizeram.

Mas não são apenas os acontecimentos das últimas duas semanas que mostram a superioridade da democracia liberal do Brasil. Vocês colocaram Lula e muitos de seus companheiros na prisão. Nos EUA, não. Seria impossível condenar uma grande parcela dos congressistas americanos. Não porque eles sejam limpos. Eles são carros sujos esperando para ser lavados. Empresas do tipo Odebrecht abundam nos EUA. Mas um processo em massa no Congresso não vai acontecer. No Brasil aconteceu.

Por quê? Talvez seja sua experiência com o fascismo real entre 1964 e 1985.

Nós, gringos, costumávamos rir das "repúblicas de bananas" latino-americanas. Quatro anos de Donald Trump e depois o 6 de janeiro de 2021 cortaram nosso riso. Depois das últimas semanas, vocês podem rir de nós.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Medo de caça às bruxas e ações de radicais são os primeiros desafios do novo comandante do Exército. Marcelo Godoy OESP

 O medo de uma caça às bruxas no Exército e a necessidade de contenção de extremistas são ameaças que o novo comandante, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, vai enfrentar. Após a demissão do general Júlio César de Arruda, integrantes da ativa continuam a fazer críticas ao governo. Contê-los será um desafio. Ao mesmo tempo, setores petistas defendem a degola de outros oficiais, além do afastamento do tenente-coronel Mauro César Cid do comando do 1.º Batalhão de Ações de Comando (1.º BAC).

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que foi nomeado no sábado por Luiz Inácio Lula da Silva
O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que foi nomeado no sábado por Luiz Inácio Lula da Silva 

Trata-se aqui de um erro. Há fatos suficientes contra militares que compareceram ou incentivaram os eventos do dia 8, a intentona bolsonarista, como os coronéis Adriano Testoni e José Placídio. Eles devem ser punidos. Mas não há provas que comprometam, por enquanto, os integrantes do Comando Militar do Planalto (CMP). Foi por iniciativa do general Geraldo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP, que três subunidades do Batalhão da Guarda Presidencial estavam de prontidão no dia 8.

Foi ainda por ordem do general que os dois primeiros contingentes extras para proteger o Palácio do Planalto foram enviados contra os extremistas, antes de serem solicitados pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Este sim dispensou reforço no prédio 20 horas antes da invasão. Aqui se deve indagar por quê. Falha houve na inteligência. E seus culpados devem ser procurados no Centro de Inteligência do Exército (CIE), nos órgãos de inteligência federais e nos das polícias do governo do Distrito Federal.

Sem as informações corretas, Dutra e outros não tinham como dispor dos meios adequados no terreno a fim de defender a sede do Poder Executivo. A caça às bruxas se alimenta ainda do clima que tomou conta das Forças Armadas, logo após a eleição presidencial. Esta mal havia acabado quando o coronel de um dos Batalhões de Polícia do Exército (BPE), do Comando Militar do Leste (CML), resolveu gravar dois áudios e compartilhá-los no grupo de sua turma de Academia das Agulhas Negras (Aman).

“Ora, senhores, será que ninguém viu o que aconteceu? Será que ninguém viu que as eleições foram ganhas com uma diferença de 1 milhão e 800 mil votos?” O oficial prossegue, levantando suspeitas sobre a lisura da votação no Nordeste, área que deu ampla vitória a Luiz Inácio Lula da Silva: “Será que ninguém viu que muitos desses votos foram comprados com dinheiro apreendido em rodovias? O monte de transporte de gente, que é comum no Nordeste? Meus amigos que serviram no Nordeste podem confirmar isso”.

Depois, o coronel criticou as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tirou do ar perfis de redes sociais que espalhavam notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. “Será que ninguém viu que isso mudou as eleições, que todos os apoiadores foram cerceados, que não puderam falar, tiveram seus canais bloqueados, jornalistas afastados? Será que ninguém viu que um preso foi solto? Será que vamos ficar à mercê de uma parcela que não representa a maioria? Vamos ser governados por aquela equipe toda que apareceu na televisão, aquele cara lá que apareceu com dinheiro na cueca? Será que ninguém viu isso?”

O oficial pergunta aos colegas o que eles pensam do silêncio do então presidente Jair Bolsonaro, criticando o que lhe parece ser a omissão dos chefes. “É por isso que queremos ouvir o que vocês acham, porque até agora o presidente não se pronunciou. Ninguém tá vendo o que está acontecendo não?” Ele então conclui: “Se ninguém viu, eu vou dizer para vocês: existe dúvida sobre a legitimidade desse processo. Existe dúvida sobre a legitimidade do que ocorreu”. Os áudios do coronel do BPE mostram a penetração do radicalismo nos grupos de aplicativos de mensagens de oficiais do Exército nos dias que antecederam a posse de Lula.

Lula recebe o general Tomás em Brasília, após nomeá-lo comandante do Exército, no sábado
Lula recebe o general Tomás em Brasília, após nomeá-lo comandante do Exército, no sábado 

Em outro grupo, um capitão de mar e guerra do quadro técnico da Armada escreveu, ao ver Lula discursando no parlatório do Palácio do Planalto: “Hora do sniper”. Um coronel do quadro de Material Bélico do Exército mandou mensagem nesse mesmo dia a um colega que sugeriu um atentado: “Esse é o momento”. Os dois oficiais da ativa fizeram os comentários no momento em que Lula já havia prestado o juramento constitucional e tomado posse como presidente. E como comandante em chefe das Forças Armadas.

Foram comentários em um grupo privado de militares. Representariam uma impropriedade, se fossem obra de cidadãos comuns. Mas ditas por militares que portam armas com a responsabilidade de defender a Constituição e os Poderes da República as frases soam como uma ameaça desleal e incompatível com a farda. A coluna teve acesso às mensagens. Como os áudios do coronel do BPE, elas ajudam a compreender os muitos militares que simpatizavam com as pessoas na frente dos quartéis e, assim, se mantiveram sem perceber a escalada de radicalização que se seguiu entre os acampados, levando até a atos terroristas.

Erro de avaliação – além da simpatia – foi responsável em parte pelo apagão da inteligência militar diante dos extremistas. Mas não só. Havia oficiais no CIE que trabalhavam em dezembro com o cenário de que um golpe estava sendo preparado. Um deles alertou um interlocutor civil. Foi nessa época que o então ministro da Justiça Anderson Torres recebeu a minuta de decreto de Estado de Defesa, apreendida em sua casa. Preparava-se um golpe em Brasília. Disso a maioria do Alto Comando do Exército não tem mais dúvida.

O tenente-coronel do Exército, Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro durante cerimonia no Palácio do Planalto
O tenente-coronel do Exército, Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro durante cerimonia no Palácio do Planalto 

Até porque os generais se recusaram a virar a mesa, como era desejado pelos bolsonaristas que acampavam nos quartéis. E pelos oficiais da ativa e da reserva que se manifestavam publicamente ou de forma reservada em redes sociais. Militares e bolsonaristas montaram uma campanha de assédio aos generais contra a vitória de Lula. Inconformados com o fracasso, passaram difamar integrantes do Alto Comando que julgavam tê-los traído. Passaram a designá-los como melancias, caso dos generais Tomás, Richard Nunes e Valério Stumpf.

Alvaro Costa e Silva Nos EUA, Bolsonaro vira coach de golpe, FSP

 

Impedido de torrar dinheiro no cartão corporativo, Bolsonaro vai receber ajuda financeira de empresários para esticar a temporada na Flórida e fingir que a encrenca no Brasil não é com ele. A forma de pagamento causou admiração e espanto: foram acertadas seis palestras sobre política, ao preço de US$ 10 mil cada uma, além do contrato para escrever um livro de memórias.

Bolsonaro, que é um desastre vocal e não consegue completar uma frase, palestrante? Bolsonaro, que se orgulhava de ter aberto um clube de tiro por dia enquanto o país fechava bibliotecas, escritor? Nas redes, a turma não perdoou. Sugeriram que ele repetisse a performance da famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020 e explicasse ao público americano a relação entre liberdade e hemorroida. Quanto à obra autobiográfica, uma proposta de título se destacou: "Memórias Póstumas de um Capitão de Milícias".

Ex-presidente Jair Bolsonaro recebe apoiadores em condomínio na região de Orlando
Ex-presidente Jair Bolsonaro recebe apoiadores em condomínio na região de Orlando - Thiago Amâncio - 1º.jan.23/Folhapress

Castigar e corrigir os costumes rindo-se deles é sempre um refresco para a cabeça e o fígado. Mas não se pode descartar a chance de Bolsonaro obter sucesso na nova profissão. Sobretudo nos EUA, que puseram Trump no poder (inspirando brasileiros a votar na extrema direita) e acabam de eleger deputado federal pelo Partido Republicano um falsário de Niterói (RJ).

O cardápio de temas com os quais Bolsonaro esteve envolvido ou dos quais foi protagonista é comparável ao da Bíblia: histórias de crueldade, ingratidão, fraude e perfídia. Ele poderia explicar sua atuação durante a pandemia à luz de um único conceito: "Não sou coveiro". Ou como fez para transformar em milícia particular parte das Forças Armadas e das polícias militares e Federal. Como conseguiu combinar seguidas tentativas de golpe de Estado sem sofrer impeachment e continuar agindo da mesma maneira depois de derrotado nas urnas.

Um palpite para a primeira palestra: "Como incentivei o garimpo ilegal e massacrei o povo yanomami".

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