domingo, 13 de novembro de 2022

Leonard Mlodinow: ‘Não tem como separar a razão da emoção’, GAMA

Na introdução de “Emocional” (Zahar, 2022), seu livro mais recente, o físico norte-americano Leonard Mlodinow conta como, quando aprontava alguma coisa na infância, sua mãe não o colocava de castigo ou lhe dava uma palmada, em contraste com o que acontecia na maioria das famílias. Em vez disso, ela, uma sobrevivente do Holocausto, rompia em lágrima e entrava num frenesi, gritando coisas como “Por que eu sobrevivi?” e “Por que Hitler não me matou?” Seu pai, por outro lado, embora tenha passado por situações parecidas durante a Segunda Guerra, encarava a vida de maneira muito mais positiva.

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O que o autor de best-sellers científicos como “Subliminar” (Zahar, 2013) e “O Andar do Bêbado” (Zahar, 2009) quer apontar ao relembrar a infância é o quanto sabíamos e ainda sabemos muito pouco sobre a inconstância de emoções que restam a quem viveu eventos tão semelhantes. “Por que eles reagiam aos mesmos acontecimentos de modos tão distintos? De maneira mais genérica, o que são as emoções?”

Amigo íntimo e colaborador ao longo de duas décadas do lendário físico Stephen Hawking (1942-2018), Mlodinow envereda na obra pelas descobertas mais recentes da neurociência e psicologia para pintar um retrato muito mais realista de como nossa razão e as emoções funcionam de forma interligada. E, em entrevista a Gama, desmente a visão das emoções propagada em filmes como a animação “Divertida Mente” (2015), preponderante até a década de 1990 e com origem em Darwin.

“Ele pensava que havia seis emoções básicas: medo, raiva, nojo, surpresa, alegria e tristeza. Cada uma delas seria despertada por gatilhos específicos e criaria determinadas reações no corpo”, explica o físico. Hoje, pelo contrário, já se sabe que temos muito mais do que apenas um punhado de emoções. E, quando falamos de medo, por exemplo, não dá para colocar todas as possibilidades, como o temor de se afogar ou ser mordido por um escorpião, numa mesma gaveta. “Fazemos aproximações para categorizá-las da forma mais conveniente, mas cada uma une vários sentimentos diferentes.”

Mlodinow também aproveita para desmentir alguns mitos bastante conhecidos, como a ideia de que é melhor agir baseado na razão do que na emoção — na verdade, as duas coisas são praticamente inseparáveis na hora de tomar uma decisão. Ou então a noção de que mulheres agem de forma mais emocional enquanto homens tendem a ser mais racionais, usada ao longo de séculos para diminuir o pensamento feminino.

Além de físico e escritor, Mlodinow, que é doutor pela Universidade da Califórnia e foi pesquisador no Instituto Max Planck, em Munique, também já se aventurou pela carreira de roteirista, escrevendo episódios das séries “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (1987-1994) e “MacGyver” (1985-1992).

Na conversa com Gama, ele fala sobre os sentimentos que movem a empatia por desconhecidos, a preponderância de argumentos emocionais sobre explicações lógicas e como políticos têm usado o medo e a raiva para mover multidões no mundo todo.

As emoções oferecem uma camada extra para sua tomada de decisões, te permitem decidir com mais nuances

  • G |A sabedoria popular diz que é melhor tomar decisões com seu coração. Mas faz sentido preferir as emoções à racionalidade, ou vice-versa?

    Leonardo Mlodinow |

     

    Realmente não faz nenhum sentido. Historicamente, as pessoas vêm valorizando a racionalidade sobre a emoção, além de todos esses que falam em tomar decisões com o coração. Mas não tem como separar a razão da emoção. Mesmo quando você pensa que está fazendo isso, na verdade não está. O componente emocional é extremamente ligado à forma como você processa a informação, não existe uma parte separada da outra. É automático, elas foram feitas para funcionar juntas. Existem algumas divergências até para definir o que é emoção. O que parece fazer mais sentido é que a emoção é um estado funcional do cérebro. O fato é que o cérebro capta informações, como acontecimentos ou crenças, e o que sai do outro lado é uma decisão, sentimento, pensamento ou comportamento. A razão olha para os fatos e faz uma análise lógica, mas há muito mais coisa para se chegar a uma conclusão do que só fatos. Há seus objetivos de vida, suas crenças, suas experiências passadas e vários fatores que não são relevantes para aquela situação, mas influenciam sua forma de agir. E como saber quanto peso dar às coisas? No que você acredita ou não acredita? Minha filha me disse que se sente desconfortável no cinema, porque tem medo que alguém entre atirando em todo mundo. Nos EUA, atiradores são frequentes e já aconteceu um incidente numa sala de cinema. Quando vou ver um filme, há uma possibilidade mínima de que ocorra de novo, então minha decisão não depende desse fator. Mas minha filha tem medo, o que para ela aumenta a probabilidade de topar com um atirador. Na verdade, a chance é menor do que uma em um milhão, já que milhares de cinemas exibiram filmes por décadas e isso só aconteceu uma vez. Então fatos como esse, que não são diretamente relevantes para analisar uma situação, são influenciados pelo seu estado emocional. Se você tem medo e vai a um cinema, parece uma possibilidade real. Se não se preocupa com isso, parece uma probabilidade distante, que não afeta sua decisão. O estado emocional dá uma diretriz aos seus cálculos, definindo probabilidade, importância e uma crença maior ou menor em algo. Sua mente pesa tudo isso para te entregar uma resposta.

  • G |Quais as principais funções das emoções no nosso cotidiano?

    LM |

     

    Se eu quiser começar a fumar charuto, meu cérebro vai analisar o impacto para a saúde, o prazer que vou tirar disso, o custo… Portanto, as emoções alteram nossas decisões dependendo da situação, elas guiam a análise. Outro ponto é que muito do comportamento humano é reflexivo, baseado em regras. Se algo acontece, você faz tal coisa. Se pensar apenas racionalmente, você trabalha com certos fatos e chega a uma conclusão. Mas as emoções permitem que você analise esses fatos de forma mais geral. Digamos que eu prove algo com um gosto estranho. Reflexivamente, posso dizer a mim mesmo que aquilo não é bom e cuspir. O ser humano sente nojo, mas avalia outros fatores antes de tomar a decisão de cuspir ou não. Pode ser que você esteja faminto e não haja outras fontes de alimento. Aí precisa decidir entre a possibilidade de aquilo te fazer mal e a de morrer de fome. Portanto, as emoções oferecem uma camada extra para sua tomada de decisões, te permitem decidir com mais nuances.

  • G |No início do livro, você conta que seus pais viveram em campos de concentração na Segunda Guerra, mas, enquanto isso tornou sua mãe mais pessimista, fez com que seu pai olhasse para o lado bom das coisas. Por que essas diferenças existem?

    LM |

     

    Todos os seres humanos compartilham uma certa estrutura cerebral, um maquinário emocional no DNA, mas também existem diferenças individuais. Não somos todos idênticos, apesar de sermos mais parecidos entre nós do que com um pássaro ou um gorila. No livro, falo de perfil emocional. Cada pessoa nasce com algumas tendências que aparecem mais facilmente com determinadas emoções. Por isso é importante se conhecer melhor. Inclusive, pode ser divertido para as pessoas fazer um teste de perfil emocional. No livro, incluo alguns que te ajudam a se entender.

  • G |Conhecer melhor essas tendências também auxilia no controle do que sentimos?

    LM |

     

    Com certeza. O termo inteligência emocional vem circulando por aí há décadas. Significa entender suas reações emocionais e também as dos outros. Uma boa inteligência emocional ocupa um papel importante no sucesso pessoal e profissional. Depois de entender como suas emoções funcionam, o passo seguinte é regulá-las, porque às vezes elas são contraproducentes. Até a decisão de como abaixar a bunda sobre a cadeira na hora de sentar é impactada pelas emoções. As grandes decisões, como qual casa comprar, em que ações investir ou com quem me casar, também. Só que as emoções vêm evoluindo desde um momento em que a sociedade era muito diferente ou até de quando vivíamos na natureza. Portanto, quanto mais artificial, tecnológica e isolada nossa sociedade se torna, menos nossas emoções são adequadas a ela — ainda que tenham se adaptado bastante. Mas há momentos em que elas atrapalham. É o que acontece, por exemplo, quando seus olhos tentam interpretar uma informação que não foi feita para eles. Eles criam miragens, como no deserto quando a pessoa pensa que avistou água. Por isso, no caso das emoções, é bom saber regulá-las. Em Los Angeles, passamos tempo demais em automóveis. Quando alguém te corta na estrada, isso não te afeta muito — você só fica uns dez passos atrás na pista. Só que as pessoas se irritam demais com isso, uma emoção inapropriada. A gente não evoluiu na natureza para dirigir carros ou enfrentar brigas de trânsito, então é preciso aprender a lidar com isso. O que você não deve fazer é fingir que o problema não existe, maneira como os homens geralmente são ensinados a agir. Não funciona muito bem e traz uma série de problemas.

  • G |Você falou de como os homens são ensinados a reagir em relação às emoções. Existe um pensamento de que as mulheres tomam decisões mais baseadas no emocional, enquanto os homens são mais racionais. Há algum sentido nisso ou é puro preconceito e estereótipo?

    LM |

     

    Nunca encontrei um estudo que apontasse dismorfia relacionada a gênero nas emoções. Então essa ideia está mais baseada na nossa cultura. Enquanto crescem, as mulheres são incentivadas a ser mais abertas emocionalmente, então se torna mais aceitável que elas chorem ou falem daquilo que sentem. Nas sociedades ocidentais, os homens aprendem a não demonstrar sentimentos, já que isso seria um sinal de fraqueza, algo que atrapalha a tomada de decisões. Essa, na verdade, não é uma forma saudável de viver.

  • G |No livro, você fala sobre as mudanças na forma como a ciência enxerga as emoções. Me parece que antes a visão era semelhante à do filme “Divertida Mente”, onde cada emoção existe e funciona separadamente. O que mudou?

    LM |

     

    O filme da Disney foi baseado numa visão ultrapassada das emoções que remonta a Darwin. Ele pensava que havia seis emoções básicas: medo, raiva, nojo, surpresa, alegria e tristeza. Cada uma delas seria despertada por gatilhos específicos e criaria determinadas reações no corpo. Segundo essa visão, as emoções são unitárias e bem definidas. O medo de aranhas ou de ser atropelado por um carro seriam simplesmente medo. Até a década de 1990, se pensava que cada uma dessas emoções correspondia a uma parte do cérebro. Então o medo estaria na amígdala. Hoje sabemos que tudo isso está errado. Há milênios, os gregos tiveram a ideia dos átomos. O que eles pensavam sobre átomos não tem nada a ver com o que sabemos hoje dentro da teoria quântica. De certa forma, é a mesma coisa com a ideia que Darwin tinha das emoções. Sim, existem emoções e havia alguma verdade no que ele acreditava. Mas hoje temos tecnologias avançadas para estudá-las e sabemos que não existem só seis emoções básicas. Embora o medo use a amígdala para se manifestar, não acontece sempre, e ela também é utilizada por outras emoções. E não há só um tipo de medo. Pesquisadores fizeram um experimento com uma pessoa que tinha danos na medula. Colocaram escorpiões em seu braço, e ela não sentiu medo. Depois, simularam um afogamento, e aí ela demonstrou medo. Ou seja, esse tipo de medo é tão diferente que nem passa pela amígdala. Já senti bastante dor ao longo da vida, como uma fratura nas costas que tive agora. Podemos chamar uma dor de cabeça e uma queimadura simplesmente de dores, mas até que ponto as duas coisas se parecem? É o mesmo para as emoções. Fazemos aproximações para categorizá-las da forma mais conveniente, mas elas unem vários sentimentos diferentes. É difícil definir a diferença entre medo e ansiedade. O medo é uma reação ao agora, mas posso sentir ansiedade de algum dia sofrer um acidente. Se alguém chega em velocidade na traseira do meu carro, aí tenho medo de que o acidente aconteça. É difícil traçar uma divisão quando não se sabe se uma situação é concreta ou está mais na sua cabeça. Nós criamos e nomeamos essas categorias para facilitar, mas não significa que funcione dessa maneira.

  • G |Essa nova percepção sobre as emoções já permite cuidar de doenças psicológicas de maneira diferente do passado?

    LM |

     

    Demora um tempo para que novas pesquisas gerem uma resposta clínica, mas pesquisadores estão sim aplicando essas ideias no tratamento de distúrbios como depressão ou autismo. Na psicoterapia, esse entendimento ainda é muito novo, aconteceu nos últimos 10 ou 20 anos. No livro, tenho um gráfico que mostra como o número de artigos a respeito disso tem aumentado, então essa compreensão está se infiltrando no universo terapêutico.

O medo não é negativo. Num ambiente normal, ele é útil

  • G |Emoções como o próprio medo, raiva ou nojo costumam ser vistas como negativas. Mas tentar suprimi-las também pode ser um problema?

    LM |

     

    O medo não é negativo, apesar de algumas pessoas tentarem instigá-lo como uma ferramenta. Num ambiente normal, ele é útil. Se estiver andando numa região perigosa, me faz prestar atenção em torno ou ir a um lugar bem iluminado. Se avistar um urso na floresta, é o que me leva a me esconder, em vez de passar na frente dele. O medo é bom, sem ele você poderia ser morto. Claro, se tiver um excesso de medo na sua vida, aí precisa regular suas emoções.

  • G |O que gera emoções como a empatia até por desconhecidos, como o que ocorreu na pandemia ou na Guerra da Ucrânia?

    LM |

     

    Ao longo do tempo, fomos desenvolvendo as chamadas emoções sociais. Os humanos são uma espécie social, só sobrevivemos porque nos unimos e ajudamos uns aos outros. As emoções sociais surgiram para que pudéssemos cooperar em sociedade. Então sentimos empatia, constrangimento, orgulho, vergonha… Você só sente vergonha porque faz algo que não soa bem para outras pessoas ou se sente culpado por ter realizado alguma coisa que não deveria, provavelmente para benefício próprio. Ainda que não me importe diretamente o que acontece na Ucrânia, sinto que preciso ajudá-los porque tenho toda essa gama de emoções sociais.

  • G |No livro, você também cita um fenômeno chamado contágio emocional. Ele explica movimentos de massa, revoltas políticas ou até a resposta de certos grupos à pandemia?

    LM |

     

    Aqui nos EUA, ele foi responsável por uma raiva generalizada. As pessoas começam a twittar sobre alguma questão política que pode ser real ou fake, como aquela história de que Hillary Clinton comandava uma rede de exploração sexual em pizzariasAlguém muito irritado posta um tweet, outras pessoas pegam essa raiva e logo todo mundo está raivoso, o que se transforma num ódio em massa. Isso não aconteceria sem o contágio emocional. Se você bloqueasse as mídias sociais e a habilidade de se comunicar com milhões de pessoas, algo assim não ocorreria. No passado, a transmissão de emoções dessa forma era muito mais difícil. Hoje infelizmente acontece muito.

  • G |Seres humanos tendem a responder de forma mais contundente a argumentos emocionais do que racionais?

    LM |

     

    De forma geral, isso é verdade. Um argumento factual muda a informação que você está processando, enquanto o emocional altera a forma como você processa a informação. Isso tem um efeito mais poderoso. É como tentar decidir que vegetal comprar baseado na quantidade de calorias ou nutrientes de cada um. Agora, imagine que é o aniversário da morte da minha mãe, e ela amava aspargos. Em meu coração, sei que comer aspargos vai me fazer lembrar dela. Então quem se importa com os fatos? Estou processando as informações de uma maneira que amplifica a conexão com minha mãe.

  • G |Por isso políticos costumam apelar para emoções como medo ou raiva, em vez de fatos?

    LM |

     

    O medo faz com que você fique mais focado em determinados objetivos, que têm a ver com sua segurança, e também muda sua estimativa de certas coisas acontecerem. Então um político pode dizer: se você anda pela rua à noite, para cada milha caminhada, a chance de ser roubado é de uma em mil. Portanto, as ruas são seguras, não se preocupe. Outro político, no entanto, estimula o medo. Agora, você não pensa mais que há uma chance em mil de ser roubado. Em vez disso, lembra que a mãe de um amigo foi assaltada ano passado e que leu sobre um outro roubo à noite. Aí pensa que roubos estão acontecendo para todo lado e passa a superestimar a probabilidade, porque inclui o medo na equação. Nesse caso, o político que instiga o medo já ganhou, nada que o primeiro disser vai te convencer de que a situação não está tão ruim. A partir disso, você pode até chegar a uma conclusão como a de que precisa comprar uma arma para se defender.

 

sábado, 12 de novembro de 2022

Reinaldo José Lopes- O que sobra nos sonhos, FSP

 Sonhar é uma experiência esquisita por definição, ainda que passemos por ela toda santa noite. Entre as múltiplas esquisitices do reino de Morfeu, há uma que não cessa de me encafifar. Trata-se do fato de que o "eu" do sonhador frequentemente enfrenta situações aterrorizantes ou surreais com a maior calma do mundo, como se aquilo nem estivesse acontecendo com ele.

Ocorre que pesquisadores do mundo inteiro, inclusive no Brasil, têm usado abordagens extremamente criativas para entender o que acontece no cérebro de quem dorme e sonha. Num estudo publicado recentemente, eles obtiveram pistas que ajudam a entender como as experiências que temos quando acordados se transformam em matéria-prima para as imagens dos sonhos, e como emoções associadas a essas experiências podem se enfraquecer conforme o sono progride.

Sonho de Jacó, pintura do renascentista Rafael
Sonho de Jacó, pintura do renascentista Rafael - Wikimedia

trabalho que investiga algumas dessas questões está disponível no periódico especializado NeuroImage. Em parceria com especialistas de instituições argentinas, Natália Bezerra Mota, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Sidarta Ribeiro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), e outros colaboradores monitoraram a atividade cerebral e a memória de 28 voluntários durante diversos estágios do sono.

Os participantes, homens e mulheres com idades entre 20 anos e 43 anos, tinham recebido instruções para chegar ao laboratório bem cedo, tendo dormido mais ou menos metade do tempo que dedicariam ao repouso normalmente. (Desagradável, é claro, mas a ideia era aumentar as chances de que eles conseguissem pegar no sono no ambiente estranho da universidade.)

A proposta da equipe era testar como o sono e os sonhos transformam as memórias despertas. Para avaliar isso, o primeiro passo foi mostrar para os voluntários uma imagem, que poderia ser emocionalmente positiva (crianças sorrindo, por exemplo), neutra (um caminhão, um guarda-chuva) ou negativa (um tubarão de dentes arreganhados, uma pessoa decapitada). Ainda acordada, a pessoa tinha de gravar um áudio descrevendo o que tinha visto e também dizer como a imagem a afetava emocionalmente.

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Passo seguinte: dormir —enquanto a atividade cerebral de cada participante era monitorada via EEG (eletroencefalograma). Infelizmente, o grupo não teve muita chance de descansar, porque o EEG dizia aos pesquisadores quando acontecia uma transição para diferentes fases do sono. Nos momentos de mudança de fase, um bipe acordava os pobres voluntários, e eles tinham de relatar o que estavam vendo e sentindo em seus sonhos, o que foi comparado, é claro, com os relatos despertos, com a ajuda de técnicas de análise linguística automatizada.

Pois bem: o trabalho mostrou, em primeiro lugar, que as imagens vistas antes de dormir de fato passam a fazer parte da trama dos sonhos —e, conforme o sono progride, elas aparecem até com mais frequência nos relatos das pessoas.

Entretanto, o impacto emocional decai ao longo do sono, em vez de aumentar —e isso começa a acontecer assim que a pessoa adormece.

"Uma das funções dos sonhos seria processar emoções", explica Natália Mota. "Seria análogo a um processo de digestão: para processar alimentos, dissociamos nutrientes de toxinas, retendo os primeiros e eliminando o resto. No caso dos sonhos, o que retemos é a memória sobre os eventos, dissociando dela o excesso de conteúdo emocional, que seria tóxico para o aprendizado."

Segundo Sidarta Ribeiro, pesadelos recorrentes poderiam ser resultado de traumas que sobrecarregam esse sistema. É algo que os pesquisadores querem investigar analisando estruturas específicas do cérebro dos sonhadores.

Veja quanto custou eleger um deputado federal; valor aumentou 40% em quatro anos, OESP

 


Os deputados federais eleitos neste ano gastaram 40% mais, já descontada a inflação do período, do que os colegas que conseguiram uma cadeira na disputa de 2018, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na eleição de outubro passado, os parlamentares investiram em média R$ 1,8 milhão para se eleger, ante R$ 1,3 milhão de quatro anos atrás.

Os valores totais de despesas declarados pelos deputados federais eleitos ao TSE variam de R$ 64 mil a R$ 3,4 milhões. A campanha que mais gastou – os R$ 3,4 milhões acima – foi a do paulista Arnaldo Jardim (Cidadania), reeleito com 113.462 votos válidos. Ele foi seguido de dois parlamentares do União Brasil: Fábio Garcia (MT), ex-senador que investiu R$ 3,3 milhões, e Mendonça Filho (PE), ex-ministro e ex-deputado federal, com R$ 3,2 milhões.

O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania); reeleito, parlamentar foi o que mais gastou na campanha: R$ 3,4 milhões
O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania); reeleito, parlamentar foi o que mais gastou na campanha: R$ 3,4 milhões  Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara - 18/2/2020

Para o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Bruno Schaefer, um dos motivos para o crescimento das despesas pode ser o aumento do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como fundo eleitoral, que saltou de R$ 1,7 bilhão em 2018 (valor nominal) para R$ 4,9 bilhões em 2022. “O incremento das despesas de campanha pode ser entendido pelo aumento do fundo eleitoral entre as eleições. Isso aumenta o custo geral da campanha”, disse.

Schaefer afirmou ainda que uma eleição competitiva, como foi o caso dessa, pode também incitar um maior gasto para conseguir se eleger.

Segundo dados do TSE, as receitas de campanha declaradas pelos deputados federais eleitos mostram que 77,6% dos valores arrecadados vieram do fundo eleitoral, enquanto 16,8% são de outros recursos, como doações de pessoas físicas e dos próprios candidatos. Os valores originários do Fundo Partidário, aquele que a legenda recebe para despesas de custeio para funcionamento e pode repassar aos candidatos, representam 5,6% de todo o montante das receitas.

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O aumento do valor das campanhas também pode ser explicado por um fator institucional que tornou mais acirrada a disputa por uma cadeira na Câmara dos Deputados: a cláusula de barreira. A norma exige que os partidos atinjam um número mínimo de parlamentares eleitos para ter acesso ao horário eleitoral gratuito, ao Fundo Partidário e ao fundo eleitoral.

“Esse tipo de medida, que foi adotada para fortalecimento de partido, fortaleceu também a Câmara dos Deputados, porque colocou os olhos dos partidos mais sobre esse tipo de cargo, já que os votos na Casa têm implicações para a manutenção do recebimento do recurso e sua quantidade”, disse Graziella Testa, cientista política e professora da FGV.

Reeleição é mais cara

Os valores investidos pelos candidatos foram diferentes entre os que concorreram pela reeleição e os que não tinham mandato. Neste ano, quem buscava a recondução ao cargo desembolsou R$ 2,1 milhões, ante R$ 1,5 milhão dos novatos.

O cientista político Rodrigo Prando, professor do Mackenzie, explicou que essa diferença nas despesas é esperada, pois os parlamentares que buscam reeleição têm uma influência que pode lhes render investimento da sigla, algo que é mais difícil para os iniciantes. “A manutenção do poder é fundamental tanto quanto a conquista. Primeiro, você conquista o poder e depois você luta pela manutenção”, afirmou. “Quem conquista o poder tem de mantê-lo e a manutenção custa mais caro. Os iniciantes têm barreiras a serem transpostas e os outros, não, pois possuem força política para trazer mais recursos dentro do partido ou indiretamente.”

Para 2023, a Câmara dos Deputados terá 55% dos parlamentares reeleitos.

Mesmo com o aumento do peso das mídias digitais nas campanhas eleitorais, a maior despesa das campanhas dos candidatos eleitos foi com a produção de programas de rádio, televisão e vídeo, com gasto médio de R$ 34 mil. As despesas com impulsionamento e criação de páginas na internet ficaram em torno de R$ 12 mil cada uma.

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Os deputados eleitos também investiram nos métodos de comunicação mais tradicionais para alcançar o eleitor. Os gastos médios com publicidade de carros de som e produção de jingles, vinhetas e slogans ficaram entre R$ 10 mil e R$ 9 mil, respectivamente. A produção de materiais impressos custou, em média, R$ 6 mil para os parlamentares, enquanto os investimentos em adesivos ficaram, em média, em R$ 5 mil. Na publicidade em jornais e revistas, houve um desembolso de R$ 3 mil.

Diferenças regionais

Os valores para se eleger para a Câmara se alteram também conforme o Estado. Para conquistar um mandato pelo Paraná, por exemplo, o candidato precisou investir, em média, R$ 2,2 milhões, maior valor dentre as federações. Na outra ponta do ranking está o Amapá, Estado que teve o menor valor médio, de R$ 678 mil.

Nos três Estados com maior eleitorado e mais cadeiras na Casa, os investimentos para se eleger foram altos.

Em Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do País, com 16,2 milhões de eleitores, a disputa por uma cadeira custou, em média, R$ 2 milhões. Em São Paulo, Estado com mais eleitores (34,6 milhões), o valor chegou a R$ 1,9 milhão. No Estado do Rio, com 12,8 milhões de eleitores, a despesa média do candidato eleito a uma vaga na Câmara foi de R$ 1,6 milhão.

Em nota, Mendonça Filho, terceiro no ranking dos deputados eleitos que mais gastaram, afirmou que a lei eleitoral foi cumprida rigidamente, tanto no processo de arrecadação, quanto no de gastos de sua campanha e que o volume de gastos foi proporcional ao valor arrecadado.

Procurados, Arnaldo Jardim e Fábio Garcia, os líderes em gastos, não responderam.