Silvana Krause
A nova democracia brasileira tem uma longa trajetória de iniciativas de reformas políticas. Algumas delas foram implementadas e, sem dúvida, possibilitam um olhar de alerta, pois seus efeitos nem sempre alcançaram o almejado. Entre a ação e a intenção há uma zona cinzenta, e seus efeitos não estão sob a égide da vontade do seu agente. O alerta da sabedoria popular “o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções” sinaliza precaução diante da euforia na busca do paraíso.
A proibição de coligações para eleições proporcionais (emenda constitucional 97/2017) entrou em vigor nesta eleição municipal, e as legendas apresentaram seus candidatos a vereador com essa nova experiência. Uma ótima oportunidade de avaliar o que a proibição trouxe de impacto em sua estreia.
Os efeitos negativos das alianças proporcionais foram destacados com muitas evidências. São “casamentos” pueris e de circunstância, não seguem identidades baseadas no eixo ideológico-programático. Ferramenta importante para o sucesso eleitoral, mas não oferece garantias de compromisso em continuidade de atuação conjunta nos mandatos legislativos. Muito também se destacou o efeito perverso das coligações proporcionais atingindo a qualidade da representação. O voto do eleitor corria o risco de eleger outro representante, pois era contabilizado para a aliança como um todo, e não para a legenda no cálculo da distribuição dos mandatos conquistados.
Diante de tantos desafios do sistema político brasileiro, há um consenso de que uma das mazelas para seu bom funcionamento é o elevado número de partidos que logram representação política. Evidentemente não a mera quantidade deles, mas o ponto nevrálgico é o tamanho que muitas legendas conquistam nas instituições legislativas. Ou seja, muitos partidos com força representativa suficiente para impactar no jogo da cooperação ou paralisia decisória. Entre tantas causas apontadas pelos investigadores para um cenário multipartidário altamente fragmentado e crescente nos últimos anos, as coligações nas eleições proporcionais foram também destacadas como centrais causadoras para o cenário. Não por acaso, os partidos pequenos e as novas legendas manifestaram receio de perderem espaço com a nova legislação e os partidos de maior representação tiveram a expectativa de um “mosaico” menos retalhado.
O resultado da dispersão partidária nas Câmaras Municipais das capitais não parece indicar alento, ao menos nesta primeira experiência. A ciência política define um padrão de cálculo que analisa o grau de fragmentação do sistema partidário (NEP - Número Efetivo de Partidos), ponderando o tamanho de cada bancada partidária em relação ao total de cadeiras legislativas disponíveis e às demais bancadas partidárias representadas.
Observando a representação das novas legislaturas em 25 Câmaras Municipais de capitais (Macapá teve o pleito adiado devido à crise energética), a realidade não se alterou significativamente. Somente nos Legislativos de 11 capitais houve alguma diminuição do número de partidos representados.
Dessas, apenas em Recife, Teresina, João Pessoa, Boa Vista, Natal e Rio Branco a queda do número de partidos representados foi expressiva. Ainda assim, mesmo nessas capitais, a fragmentação continua preocupante, pois, de acordo com classificação comumente usada do NEP (de 5 a mais partidos com peso relevante), são definidos como sistemas partidários altamente fragmentados. Aliás, em todas as capitais, o quadro continua este —ou seja, nenhuma delas alterou o diagnóstico já constatado na eleição de 2016: Câmaras Municipais altamente fragmentadas.
Ainda está cedo para avaliar se a “vacina” não imunizou ou se seu efeito é somente a longo prazo. Mesmo assim, é preciso estar atento de que a tradição falou alto: a lista aberta continua reforçando campanhas centradas na política de performance individual, estimulando campanhas fundamentadas em perfis de “ondas” segmentadas.
O lançamento de várias candidaturas ao Executivo parece ter ocupado um papel já conhecido dos puxadores de votos de candidaturas coligadas nos pleitos proporcionais. A desconexão partidária do voto Executivo e Legislativo continua um ponto nevrálgico. Os novos prefeitos eleitos precisarão ser bons acrobatas para não cair na “malha fina” dos que estão de prontidão para novos empreendimentos na política.
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