quinta-feira, 18 de abril de 2019

Jornalista Cecilia Thompson morre aos 82 anos em São Paulo, OESP

Ela trabalhou no 'Estado' entre 1975 e 2008, foi tradutora, repórter e esteve à frente, nos últimos anos, das colunas 'São Paulo Reclama' e 'Seus Direitos'

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo
18 de abril de 2019 | 15h42
A jornalista Cecilia Thompson morreu no início da manhã desta quinta-feira, 18, aos 82 anos. Ela trabalhou no Estado entre 1975 e 2008 e nos últimos anos esteve à frente de colunas como “São Paulo Reclama” e “Seus Direitos”.
Cecilia foi casada com o ator Gianfrancesco Guarnieri (de 1958 a 1965), que conheceu no Teatro Arena. Com ele teve os filhos Flávio (que morreu em 2016) e Paulo Guarnieri, também atores. 
Cecilia Thompson
Cecilia Thompson em janeiro de 1992 na redação do Estado Foto: Norma Albano / ESTADÃO
Além de jornalista, ela foi escritora, tradutora e atriz. Participou, além do Arena, também do teatro Oficina. Com Guarnieri participou do filme O Grande Momento, de 1958. Militante de esquerda durante a ditadura militar, chegou a ser presa e torturada. Nesta quinta, morreu em decorrência de mielodisplasia, uma doença no sangue que provoca anemia.
Para Cecilia, o jornalismo era a “melhor profissão do mundo”, como gostava de dizer aos “focas” – como são chamados os novatos no jargão da área – no Curso Estado de Jornalismo. Ela também sempre deixava uma mensagem importante para eles: “Não se esqueçam de se indignar aos menos uma vez por dia”, citando o jornalista Cláudio Abramo.
O repórter especial do Estado José Maria Mayrink, contemporâneo de Cecilia desde o início da carreira – ele entrou no jornal em 77 e ela, em 75 –, afirma que ela teve duas paixões na sua vida: Gianfrancesco Guarnieri e o Estadão. “Eles se separaram, ele teve outra família, mas ela teve uma paixão por ele até morrer”, conta.
Mayrink entrou no jornal como editor de internacional, sendo, portanto, chefe de Cecilia. “Ela era uma excelente tradutora. Conhecia muito de História, entrava no espírito do texto e o adaptava”, afirma.
As habilidades como tradutora também foram destacadas pela jornalista Márcia Glogowski, ex-editora de Cidades do Estado. As duas trabalharam juntas entre 1976 e 2006 e continuaram amigas desde então. “Ela não fazia uma mera tradução, mas um texto novo em português que queria dizer a mesma coisa que o texto original”, diz.
Roberto Gazzi, que também foi editor de Cidades e editor executivo do Estado, lembra que o projeto da coluna São Paulo Reclama, que Cecilia concebeu do zero, era conduzido por ela com dedicação. "Era como se fosse um filho dela. Ela cuidava com muita energia. E dali sugiram várias denúncias, a coluna gerou várias pautas que viraram matéria no jornal".
"Ela estava sempre presente, sempre ajudava todo mundo e sempre, com muita paixão, acompanhava as notícias. Nos grandes momentos, era sempre uma das primeiras a aparecer", complementa.
Para Gazzi, "Cecilia foi uma das maiores alegrias da redação" e uma grande contadora de histórias.  Grace Cruz, que foi pauteira de Cidades, define de um modo ainda mais amplo: "Ela sempre soube tudo".
O jornalista Jotabê Medeiros, que foi colega de Cecília no Estado, contou em sua página no Facebook que, quando ela deixou o jornal, em 2008, ele pensou: “Um personagem desse tamanho, Jesus, não pode... Algo tem que ser feito”. Ele, então, resolveu escrever um texto sobre o último dia dela na redação e perguntou se ela podia ler antes de ele publicar. “Depois que enviei o texto pronto a ela, Cecília ficou sem ação por um tempo. Entreguei a Deus: ‘Se ela não quer... Adeus, texto!’”, ele recorda. “Pouco depois, ela me ligou: ‘Publique-se!’, sentenciou.”
Cecilia Thompson
A jornalista Cecilia Thompson na redação do Estado em outubro de 1992 Foto: Milton Michida / ESTADÃO
Jotabê compartilhou nesta quinta o texto que publicou naquele 12 de setembro de 2008. “Muitos crêem que Cecilia inventa a maioria das histórias que conta, inclusive eu. Sou sincero: é muito protagonismo para ser tudo verdade”, começava ele. 
“Mas um dia eu caí do cavalo: ela me contou que tinha dado uma canção para Jorge Mautner, Sapo Cururu, e eu duvidei. Um dia, fui cobrir um show de Mautner no CEU Cidade AE Carvalho, durante a Virada Cultural, e ele tocou Sapo Cururu. Quando terminou, Jorge disse: ‘Essa música quem me apresentou foi a Cecilia G. em 1959’”, contou.
No texto, Jotabê lembrava grandes acontecimentos da história do País e do próprio jornal que Cecilia testemunhou: “Estava no jornal no dia da mudança da Rua Major Quedinho para o bairro do Limão. Estava na redação quando saiu o famigerado Pacote de Abril do ditador Geisel. Trinta e quatro anos. É uma vida inteira.”
O escritor lembra também que ela iniciou sua carreira no jornal como tradutora da editoria de internacional, fazendo traduções de inglês, italiano, espanhol e francês. “Eu não traduzia, já fazia textos jornalísticos ‘no tamanho’, e, modéstia à parte, era tão boa que fiquei nisso uns anos, até me deixarem escrever ‘de verdade’”, dizia ela, segundo Jotabê.

Estripulias

Cecilia também era conhecida pela irreverência e estripulias na redação. O jornalista Alberto Villas, que conheceu Cecilia logo que ele começou a trabalhar no Estado, em abril de 1980, também fez um relato sobre a amiga no Facebook junto a uma foto dela no meio da redação, deitada no chão, com o quadril e as pernas pra cima.
“Não existia outra Cecilia Thompson. Durante todos esses anos, injetávamos jornalismo na nossa veia e não parávamos mais de falar. Ela me mostrava os seus diários que nunca parou de escrever e que hoje são um tesouro.”
Ele conta que guarda da amiga o folheto original da primeira apresentação de Eles Não usam Black Tie, talvez a mais importante obra de Guarnieri, e coleção completa da revista Bondinho – “me deu de presente recentemente, sabendo que já estava indo embora”.
De acordo com a família, o velório e cremação serão nesta quinta, na Vila Alpina, por volta das 16h. Cecilia deixa um filho, quatro netos, uma irmã e quatro sobrinhos.

DELAÇÃO FINANCIADA, Piauí

ILUSTRAÇÃO DE PAULA CARDOSO
Caso inédito entre companhias de capital aberto envolvidas em escândalos de corrupção que resultaram em acordos de leniência, a CCR – empresa de concessão de rodovias, aeroportos e barcas – irá financiar delações de quinze de seus ex-executivos, para que relatem ao Ministério Público Federal do Paraná e ao Ministério Público do Estado de São Paulo ilícitos cometidos pela empresa. O valor investido pela companhia nessas delações não será pouco. A CCR, cujos controladores são os grupos Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (também envolvidas em vários escândalos de corrupção) e o grupo Soares Penido, se dispôs a pagar 71 milhões de reais para os delatores – o que representará, em média, um desembolso mensal de 78 mil reais para cada um durante cinco anos.
A proposta final de financiamento dos delatores foi aprovada na reunião do Conselho de Administração da companhia, no dia 19 de fevereiro. O plano, que irá para votação na assembleia dos acionistas na próxima segunda-feira, dia 22, enfrenta grande resistência dos acionistas minoritários, que se sentem prejudicados. Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, a Amec, considera o pagamento “escandaloso”. Não apenas por prejudicar os acionistas minoritários, que nada têm a ver com os crimes, mas que acabam, indiretamente, pagando por eles. Mas também por passar para a sociedade a sensação de impunidade, que acaba por desmoralizar o mercado de capitais como um todo. “Ao remunerar os corruptores para delatar, a CCR está premiando o crime”, disse Cunha.
Adonis Callou é subprocurador-geral da República e atua na Lava Jato junto ao Superior Tribunal de Justiça. Estranhou a decisão da CCR de pagar uma indenização para seus ex-executivos fazerem a delação premiada e disse nunca ter visto este tipo de procedimento nas delações que acompanhou. Ele explicou que o principal objetivo dos acordos de leniência e delação premiada é denunciar os agentes públicos para que cesse a corrupção. Mas teme que, num acordo em que os executivos são indenizados, a verdade não venha completamente à tona, pois soam como uma combinação entre eles e a companhia no sentido de preservar os controladores. “Esse tipo de acerto pode desvirtuar o princípio dos acordos de delação premiada”, disse. “Os acordos existem para ressarcir os lesados e não os que cometeram crimes.”
Outros dois procuradores da República em Brasília, que preferiram se manter no anonimato, explicaram que a “delação financiada” não é um assunto normatizado pelo MP porque nunca se pensou que pudesse ocorrer. Portanto, sequer pode ser considerada uma ilegalidade. Mas também veem com suspeita este tipo de procedimento, que consideram um risco, pois aumenta a possibilidade de omissão intencional de informações para não desagradar os controladores. Um dos problemas é que, em caso de ocultação de provas que venham a ser descobertas no futuro, o acordo será invalidado. “Esse tipo de delação parece aumentar o risco de reserva mental, que é quando o delator não fala o que sabe por medo de retaliação da companhia”, disse um deles.
Celso Vilarde, um dos advogados da CCR, disse que o acordo é público e reagiu com espanto ao saber que alguns procuradores estavam questionando a indenização aos delatores. “Esse tipo de pagamento foi feito pelo menos em três acordos de delação e leniência em Curitiba”, disse. “Um deles, inclusive, homologado pelo juiz Sergio Moro.” Essa, segundo ele, é a forma de incentivar os executivos que cometeram deslizes a contar o que sabem. Caso a delação não seja feita, as empresas podem ser condenadas por improbidade. Nesse caso, podem ter que pagar multas que correspondem até 80% de seu patrimônio. Isso, simplesmente, quebra a empresa, afirmou.
Não se pode acusar os controladores da CCR de desorganização. A companhia fez um alentado contrato de indenização, já assinado pelos delatores, que, em seguida, se desligaram da empresa. O contrato estabelece não só o montante que terão direito a receber e a forma de pagamento (parcelas mensais, durante cinco anos reajustadas pela variação do IPCA, além de juros de 0,5% ao mês em caso de atraso no desembolso da parcela), como também as condições para receberem os valores acordados. Condições que deixam claro o compromisso dos delatores com a CCR.
Pelo “Instrumento particular de distrato de contrato de trabalho e outras avenças”, como é chamado o documento, ficou definido que “os assuntos confidenciais somente poderão ser revelados na hipótese de o delator ser compelido a revelá-los por força de lei ou norma emanada por uma autoridade governamental à qual o delator esteja sujeito.” A mesma cláusula determina que “em qualquer hipótese que os Assuntos Confidenciais devam ser revelados, o delator obriga-se a informar previamente a Companhia sobre quais Assuntos Confidenciais serão divulgados e a extensão de sua divulgação, para que a Companhia possa tomar as medidas de proteção e reparação adequadas.”
O contrato deixa claro que há limites sobre o que os delatores vão contar aos promotores. Destaca que “o colaborador, caso seja obrigado a divulgar Assuntos Confidenciais, compromete-se a fornecer apenas a parte que é legalmente exigida e a empreender todos os esforços razoáveis para obter garantias confiáveis de que o tratamento confidencial será dado a tais Assuntos Confidenciais”. Além disso, os delatores se comprometem a “não fazer declarações públicas a quaisquer terceiros, tais como veículos de mídia e impressa, investidores e analistas de mercado, bem como a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas (…) que sejam prejudiciais à Companhia e às sociedades pertencentes ao grupo CCR ou à reputação de seus executivos e empregados”.
No caso de descumprimento de uma das cláusulas do acordo, “a parte responsável ficará sujeita ao pagamento de perdas e danos, e a remuneração pela colaboração não será mais devida pela CCR”. Para Mauro Cunha, da Amec, o contrato passa a impressão de que a empresa está “orientando os delatores a revelar para o MP apenas o que os controladores querem que seja informado”.
O contrato desce a minúcias de como será feito o desembolso do financiamento da delação e afirma que “o comprovante de transferência eletrônica de recursos servirá de comprovação do pagamento da remuneração pela colaboração”. Os colaboradores devem indicar a conta corrente e a agência bancária. Pelo acerto, os custos dos delatores com advogados e demandas de terceiros serão ressarcidos pela companhia.
As negociações da empresa com seus executivos para que aceitassem fazer a delação começaram no ano passado, depois que a CCR passou a ser investigada por esquemas de corrupção na concessão de estradas no Paraná e em São Paulo. As primeiras denúncias de irregularidades nos contratos da companhia começaram a aparecer na imprensa no dia 23 de fevereiro de 2018, depois do vazamento da delação premiada do doleiro Adir Assad, no âmbito da 48ª fase da Operação Lava Jato. Em seu depoimento, Assad contou que a CCR e suas controladas teriam celebrado, entre 2009 e 2012, contratos fictícios de patrocínio com a sua empresa de marketing esportivo totalizando o valor de 46 milhões de reais. Segundo ele, os recursos teriam sido repassado pela CCR à sua empresa e os valores entregues a Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, empresa de Desenvolvimento Rodoviário S.A., durante os governos dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, em São Paulo. Assad era apontado nas investigações da Lava Jato como fornecedor de dinheiro em espécie para as empreiteiras pagarem propina. Em seu depoimento, ele contou que suas empresas de fachada eram subcontratadas e que o valor das notas frias era usado para abastecer o caixa dois das empreiteiras. Assad listou, inclusive, os pagamentos recebidos por três concessionárias da CCR em São Paulo: Nova Dutra, Raposo Tavares e Bandeirantes.
Diante das irregularidades divulgadas pela imprensa, o Conselho de Administração da CCR se reuniu às pressas e determinou a constituição de um comitê independente para conduzir as investigações. Em maio, porém, a companhia recebeu uma intimação do Ministério Público do Estado de São Paulo para prestar informações sobre o caso. Logo em seguida, a empresa seria novamente alvo de denúncias, sendo acusada por Assad de ter doado 5 milhões de reais para a campanha de Geraldo Alckmin por meio de caixa dois. Em setembro, em nova denúncia, Assad dizia que o caixa dois da CCR tinha sido maior do que a empresa estimava. A situação da empresa se agravou ainda mais quando a 55ª fase da Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal do Paraná, detectou irregularidades em concessões da CCR no estado. A empresa soltou um informe ao mercado insistindo na tese de que havia constituído um comitê independente para conduzir as investigações.
A então governadora do Paraná, Cida Borghetti, anunciou que, por causa das denúncias, faria uma intervenção no contrato de concessão da CCR, na Rodonorte, no Paraná. A empresa afirmou que seguia “no firme propósito de contribuir com as investigações”. Em novembro, o Conselho de Administração voltou a se reunir, dessa vez para discutir a necessidade de a CCR fechar um acordo de leniência. O temor da companhia, a partir da decisão da governadora do Paraná, era de que o negócio se inviabilizasse. O conselho decidiu fechar os acordos de leniência no menor tempo possível para não só evitar outras perdas de concessões como também para a CCR não ser proibida de participar de leilões de novos projetos.
Nesse momento, a companhia se deparou com um problema: nenhum de seus executivos estava disposto a se colocar como culpado. A CCR tinha pressa. Com o cerco se fechando contra ela, a empresa precisava apresentar ao Ministério Público provas que mostrassem sua disposição em colaborar. A empresa, em uma ata de assembleia, justificou a necessidade de pagar indenização para os executivos entregarem o que sabiam porque, segundo ela, o comitê criado para rastrear os malfeitos da empresa não tinha conseguido levantar tais informações.
Segundo a ata de reunião do Conselho de Administração, realizada em primeiro de novembro do ano passado, para a celebração do acordo de leniência, seria necessária uma das duas alternativas: ou “um longo e incerto processo investigativo pelas autoridades, ou a colaboração de pessoas envolvidas nos fatos ocorridos”. De acordo com os assessores legais do Conselho, tudo indicava que “certos administradores e funcionários da companhia, atuais e antigos, têm a capacidade única de organizar e disponibilizar as informações que seriam necessárias para o integral esclarecimento dos fatos”. Contudo, diziam eles, “é esperado que relutem em colaborar com a rapidez necessária”. Portanto, seria necessário um incentivo para convencê-los a colocar a cabeça a prêmio. Foi, então, que surgiu a ideia do pagamento da indenização, batizado pela CCR de Programa de Incentivo à Colaboração, ou seja, a delação seria financiada.
O pagamento da delação poderia ser questionado, e a saída da empresa foi dar a tal prática uma roupagem legal, já que a legislação brasileira não prevê esse tipo de combinação. Para isso a CCR contratou os serviços do advogado José Alexandre Tavares Guerreiro, professor de direito comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a USP, que elaborou um parecer de quarenta páginas, entregue ao conselho no dia 10 de janeiro de 2019.
Em seu parecer, o advogado explica que os membros do conselho e seus assessores legais ponderaram a importância do acordo de leniência para dar continuidade aos negócios da empresa e que, sem isso, estariam ameaçados. Alerta para a necessidade de esse acordo ser feito o mais rápido possível, para evitar que as concessões da empresa fossem cassadas. Para isso, era preciso convencer os funcionários a falar. O parecer afirma considera esperado, porém, “que tais pessoas relutassem em colaborar com a rapidez necessária” e conclui ser “plenamente coerente” a decisão da diretoria de celebrar o programa de colaboração. O advogado afirma, no entanto, que no estrito contexto do direito brasileiro, era preciso buscar uma fundamentação jurídica para firmar tal acordo. E admite que “pode se considerar inválida, por contrária à ordem pública, a previsão de que a companhia indenizará o administrador pelos atos ilícitos dolosos que este venha a praticar no exercício do seu cargo”.
Ou seja, como pela norma legal o administrador não pode ser indenizado pelos danos que causou à companhia durante sua gestão, a solução encontrada pela CCR e pelo advogado Tavares Guerreiro foi demiti-los e, então, pagar a indenização para que delatassem.
A Amec, porém, contesta o acerto. Afirma que os minoritários já foram prejudicados por várias multas, entre elas, 64,5 milhões para o estado de São Paulo, 17 milhões a título de doação para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e, no Paraná, 35 milhões de multa prevista na lei de improbidade e mais 350 milhões a título de redução da tarifa do pedágio. Agora, terão que arcar com um novo prejuízo de 71 milhões em indenizações, além de ações que possam surgir contra a empresa. Cunha me disse que já enviou correspondência ao Ministério Público de São Paulo afirmando que a legislação brasileira determina que o MP proteja os interesses dos minoritários. O promotor José Carlos Blat, da Promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo informou à piauí, por meio de sua assessoria, “que não tem influência sobre as questões internas da empresa”.
Cunha disse que os minoritários farão de tudo para impedir que os controladores tenham voto na assembleia que decidirá ou não pela indenização. Já o MPF do Paraná disse desconhecer que esse tipo de acordo tenha sido feito. Em nota ao mercado no dia 11 de abril, a CCR divulgou a homologação do acordo de leniência com a 5ª Câmara Superior do MP Federal no Paraná, onde consta a informação de que os delatores serão indenizados, embora o MPF do Paraná tenha dito desconhecer esse acerto.
Renato Chaves, executivo especialista em governança, também é crítico do acordo. Ele enviou carta à Comissão de Valores Mobiliários, CVM, o xerife do mercado de capitais, questionando o acordo e pedindo providências. Em seu blog, o Blog da Governança, Chaves afirma que os acionistas da CCR foram surpreendidos com mais um desembolso de caixa e, em tom ácido, critica: “OK, a turma do colarinho-branco/caneta Mont Blanc resolve a vida com as autoridades na esfera penal, fica indene, a empresa paga a conta (incluindo minoritários otários, os famosos minorotários), mas como fica a situação do ‘time’ de gestores na esfera administrativa? Alguma punição depois de saírem de fininho? Inabilitação na CVM? E os acionistas controladores? Não sabiam de nada? Tão ingênuos, praticamente uns tolinhos…”
Os holofotes sobre o acordo têm a ver com o fato de a empresa ser de capital aberto, o que a obriga a tornar o acerto público. Foi assim que os acionistas minoritários souberam do pagamento da indenização. Quando perguntei a Celso Vilarde, um dos advogados da CCR, como via os protestos dos minoritários contra esse pagamento, na assembleia de segunda, ele foi direto: “Ou fazemos isso ou a empresa quebra. Porque sem a leniência ela não poderá mais participar de concessões públicas, o que é mortal para uma empresa concessionária.” E provoca: “Os minoritários estão se queixando do pagamento das indenizações. Será que eles preferem que a empresa vá à falência?” Para ele, está claro que, nesse caso, a perda para todos será infinitamente maior.

CONSUELO DIEGUEZ

Consuelo Dieguez, repórter da piauí desde 2007, é autora da coletânea de perfis Bilhões e Lágrimas, da Companhia das Letras

Usinas brasileiras produzem pouca eletricidade em relação à moagem de cana. Nova Cana. com

Em 2009, um estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao atual Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), apontava que uma usina média do setor sucroenergético gera um excedente de 40 kWh por tonelada de cana para a comercialização de eletricidade.
“Essa configuração representa uma situação ainda muito comum no setor sucroalcooleiro brasileiro e serve de referência para comparação com os avanços tecnológicos propostos para as demais configurações”, apontava o documento. Na sequência, o CGEE considerava modelos de usinas que poderiam cogerar de 49,3 kWh/t a 54,7 kWh/t, além de opções otimizadas que chegariam a produções entre 87,8 kWh/t e 160,2 kWh/t.
Mas, dez anos depois, a média de cogeração das usinas brasileiras é de 33,81 kWh/t – quantidade ainda menor que o potencial calculado em 2009. Na safra 2018/19, segundo números da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), as produtoras de cana-de-açúcar venderam 20,65 TWh à rede elétrica.
Apesar do valor permanecer abaixo do potencial calculado há uma década, ele cresceu ao longo das últimas safras. Entre 2014/15 e 2017/18, as usinas brasileiras ganharam uma eficiência produtiva de 3,88 kWh/t. Por outro lado, houve um recuo de 0,56% entre 2017/18 e 2018/19.
A baixa taxa de crescimento reflete a grande disparidade no setor. As diferenças, que já podem ser vistas na comparação entre o Centro-Sul e o Norte-Nordeste, são apenas acentuadas nos resultados estaduais.
Na safra 2017/18, por exemplo, grupos com grande volume de cogeração– como Raízen, Atvos (antiga Odebrecht Agroindustrial), São Martinho, Adecoagro e Cerradinho – registraram valores superiores à média nacional. Em contrapartida, a Biosev ficou abaixo desse parâmetro.
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