domingo, 4 de janeiro de 2015

Inchaço da máquina pública, editorial Estadão


O ESTADO DE S.PAULO
03 Janeiro 2015 | 02h 03

O Poder Executivo federal tem 757.158 cargos efetivos e 113.869 cargos de confiança e comissionados, além de 20.922 contratos temporários, de acordo com dados da Secretaria de Gestão Pública, ligada ao Ministério do Planejamento. São quase 900 mil cargos, distribuídos entre 39 Ministérios e a Presidência da República. É um número difícil de ser justificado, especialmente quando se tem em conta o grau de eficiência do Estado brasileiro. Um Estado inchado dificilmente é um Estado eficiente, estando mais para o seu oposto - um Estado que consome a riqueza nacional e produz burocracia.
Nesse conjunto de quase 900 mil cargos há uma fatia que chama a atenção. São os cargos de confiança ou comissionados de responsabilidade direta da Presidência da República, conhecidos pelas siglas DAS (Direção e Assessoramento Superior) e NE (Natureza Especial). No Brasil, eles vêm crescendo de uma forma perigosa. Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, eram 18.450 cargos dessa espécie. Em 2006, ao final do primeiro mandato de Lula, eram 19.847. Em 2010, o número saltou para 21.952, o que não deixa de ser um reflexo da diferença de política fiscal entre os dois mandatos de Lula. Em seu primeiro governo, ainda havia alguma responsabilidade quanto aos gastos públicos. Agora, ao final do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, os cargos de confiança e comissionados de responsabilidade direta da Presidência são 23.008.
São números muitos distantes do que se vê em outros países. Estima-se que nos Estados Unidos existam 4 mil cargos similares aos cargos de confiança e comissionados brasileiros. Na Alemanha, não chegariam a 600. Essa diferença abissal de cargos - sem contar os tamanhos das economias do Brasil e dos dois países citados - mostra que quantidade não é eficiência. Ao contrário, aqui parece ser que o menos é mais.
Não é raro ouvir comentários no sentido de que a Constituição de 1988 levou ao inchaço do Estado brasileiro. É um fato que, nos anos posteriores à volta da democracia, o Estado cresceu. No entanto, a responsabilidade não parece estar na letra da Constituição, e sim numa determinada interpretação. O texto constitucional é bastante claro ao afirmar que a administração pública deverá respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência - princípios estes bem distantes do inchaço estatal.
E quando a Constituição trata dos cargos de confiança e comissionados, classifica-os como exceção, destinando-os "apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento". Como se vê, os postulados constitucionais não batem com os atuais 23 mil cargos de confiança ou comissionados de responsabilidade direta da Presidência da República.
Será que há a necessidade de tanto cacique no Estado brasileiro? Será que o País é assim tão idiossincrático, exigindo para as suas funções estatais tamanha quantidade de pessoas?
Também não se deve fazer vista grossa ao fato de que, durante os anos em que o PT está no poder, a questão dos cargos de confiança e comissionados do Estado brasileiro não foi e não continua sendo apenas uma questão quantitativa.
Houve um planejado aparelhamento da máquina pública levado a cabo sistematicamente com as nomeações de confiança, numa intencional confusão entre partido e governo. Aparelhamento este que é fruto de uma visão ideológica do Estado, que desvirtua a sua finalidade de serviço à sociedade, para servir a um grupo determinado, e alcança não apenas a administração pública federal, mas também as empresas estatais.
A atual situação econômica do País e a necessidade de uma mudança na gestão da política fiscal, na qual se gaste bem menos do que se vem gastando, podem ser uma boa oportunidade para enfrentar um problema que só vem aumentando - o tamanho do funcionalismo federal, especialmente a quantidade de cargos de confiança e comissionados. Pode-se ter a grata surpresa de que o menos às vezes é mais, com um Estado mais enxuto e mais eficiente.

Novo ministro da Educação destaca compromisso com mudança curricular, uma das principais bandeiras da campanha de Dilma


Ed Ferreira/Estadão
 O novo ministro da Educação, Cid Gomes
Brasília - O novo ministro da Educação, Cid Gomes (Pros), prometeu nesta sexta-feira, 2, implantar a reforma do ensino médio em um prazo de dois anos. O compromisso foi uma das principais bandeiras da campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff, que anunciou nesta quinta, 1º, como o slogan do novo governo, a frase "Brasil, pátria educadora".
"Esse é um processo que demandará muito diálogo, porque os sistemas (de educação) no Brasil são autônomos. Queremos abrir um processo de discussão para examinar alternativas de aprofundamento por áreas e currículos que tenham identificação com as realidades regionais. Esse processo não se fará do dia pra noite, imagino que começando agora, a gente possa pensar no prazo de dois anos ter a sua implantação", disse Cid a jornalistas, logo após participar da cerimônia de transmissão de cargo. O ex-governador do Ceará assumiu o ministério no lugar de Henrique Paim
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2013 apontou estagnação no ensino médio - a nota permaneceu em 3,7. Na rede privada, houve queda na nota: de 5,7 para 5,4, quando o índice de 2013 é comparado ao de 2011.
Durante a campanha eleitoral, o MEC foi acusado de retardar a divulgação do Ideb por conta do período eleitoral. Na época, o então ministro da Educação, Henrique Paim, disse que o índice colocava "em xeque" a gestão de Estados e municípios na área.
Resolução. A reforma curricular do ensino médio está prevista em resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em maio de 2011. Desde 2009, o Ministério da Educação (MEC) conta com o programa Ensino Médio Inovador, que apoia o desenvolvimento de mudanças curriculares.
"Isso (a reforma no ensino médio) não é uma coisa que eu possa dizer como será, isso tem de ser antecedido por um grande processo de discussão. Cada um tem opiniões e eu particularmente penso que é importante que a gente já no ensino médio vá oferecendo a possibilidade de aprofundamento em áreas onde ele (estudante) tenha mais identificação, mais afinidade", observou Cid.

AUSÊNCIAS NOTÁVEIS NUMA FESTA BEM SUCEDIDA, por Paulo Moreira Leite


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Dilma tomou posse sob aplauso de 40 000 pessoas mas principais lideranças sindicais do país não apareceram. "A vaca tossiu", disse uma delas por SMS

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Com 40 000 pessoas, a festa pela posse de Dilma Rousseff foi uma vitória política relevante depois das semanas da pós-campanha, quando a oposição tentou desqualificar o resultado das urnas com uma sucessão de manobras e golpes baixos.
Mas as principais lideranças de sindicatos, base original do Partido dos Trabalhadores e de todos os seus governos, esteve ausente dos festejos — e isso pode sinalizar  um problema preocupante para um segundo mandato que se inicia com a perspectiva de esfriamento da economia. Nas palavras de um executivo financeiro  presente a cerimonia, o ajuste  “será curto, de oito meses, mas bem doloroso.”
Quem andasse pela Esplanada dos Ministérios e pela Praça dos 3 Poderes, ontem, poderia encontrar vários cartazes e faixas que saudavam a presidente — mas, ao menos entre as mais visíveis, nenhuma era assinada pelas principais centrais sindicais do país.
No segundo andar do Planalto, onde Dilma falou para ministros, parlamentares, empresários e jornalistas depois de ser empossada no Congresso, a área ficou lotada, produzindo até uma inesperada disputa de cadeiras entre presentes. A áreas reservada para “entidades sindicais”, no entanto, era a única com várias cadeiras vazias. Havia lideranças, sim. Mas a ausência dos principais nomes do sindicalismo chamava a atenção.
Wagner Freitas, presidente da CUT, a central nascida no berço do PT, não compareceu. João Carlos Gonçalves, o Juruna, dirigente de uma fatia importante da Força Sindical que apoia os candidatos do PT desde o segundo da campanha de 2002 — no primeiro, Juruna votou no tucano Mário Covas — também não. São ausências marcantes, até porque em seu primeiro mandato Dilma deixou uma boa folha des serviços prestados junto aos trabalhadores. Em quatro anos seu governo foi capaz de aprovar 14 normas jurídicas em benefício dos assalariados, um desempenho que superou até mesmo o de Lula. Entre essas mudanças, ocorreram  avanços na legislação sobre o trabalho doméstico e até a regulamentação do serviço de moto-boy.
Escrevi para um dos dirigentes que, em agosto, no início da campanha presidencial, ajudou a organizar um ato político de apoio a Dilma ainda no primeiro turno, no ginásio de Esportes do Canindé, em São Paulo, num evento que contou com a presença de Lula.
A resposta veio rápida, por mensagem eletrônica:
— A vaca tossiu, disse, referindo-se a uma resposta de Dilma na reta final do primeiro turno, momento dramático da campanha presidencial, quando lhe perguntaram se admitia mudanças na legilsação trabalhista. A candidata respondeu: “Nem que a vaca tussa,” frase que se tornou um dos mais divertidos bordões da campanha, ajudando a sublinhar uma diferença importante entre os compromissos políticos de Dilma e seus adversários.
Nenhuma das mudanças anunciadas dois dias antes da posse, na forma de medida provisória a ser debatida e votada pelo Congresso, pode ser definida como alteração na legislação trabalhista, aquele conjunto de leis amarradas pela CLT que se tornaram garantia constitucional. É possível argumentar que determinadas modificações em debate até podem ser  úteis para preservar o bem-estar da maioria dos brasileiros e que outras são inteiramente injustas. O debate não é este, porém.
Numa conjuntura de receio das mudanças, as novidades irritaram os sindicalistas que apoiaram Dilma. O debate sobre o fator previdenciário, que eles haviam conseguido colocar na agenda da campanha, depois que, num lance de perspicácia, o tucano Aécio Neves anunciou que aceitaria promover sua abolição caso fosse eleito, segue sem uma perspectiva real de avanço.
Há outro incômodo, também. Mantidos fora da mesa de negociações, os sindicalistas sequer tiveram a chance de participar de um debate mais amplo, para argumentar e oferecer contra-propostas — a começar por um aperto mais eficaz em esquemas de sonegação das empresas e camadas mais altas da sociedade, por exemplo.
Como acontece com tantas instituições ligadas a luta dos trabalhadores e ao progresso no bem-estar, nos dias de hoje os sindicatos sofrem no mundo inteiro de um problema conhecido de auto-imagem — e este ponto está em questão no Brasil também.
O jornalista norte-americano James Fallows, um dos mais argutos estudiosos de mídia, observa no livro “Detonando a Notícia” que um dos traços marcantes da cobertura dos jornais e revistas consiste em reduzir e distorcer a atuação dos sindicatos e seus dirigentes. Avaliando os efeitos do processo de reformas econômicas estruturais ocorridas a partir da década de 1980 no trabalho dos jornalistas, Fallows mostra uma situação bem definida. Na medida em que assumiram propostas de austeridade e passaram a questionar valores ligados ao Estado de Bem-Estar social, os jornais e revistas passaram a desprezar e criticar a atuação dos sindicatos. Antes apresentados em tom positivo e até heróico, os lideres sindicais passaram a ser vistos como aproveitadores, parasitas e mesmo corruptos, num tratamento escandaloso e injusto, cujo maior efeito prático foi esvaziar entidades de classe — e estimular o individualismo e mesmo o carreirismo entre os trabalhadores.
Nesta conjuntura, os sindicalistas brasileiros consideram que têm direito um tratamento correto e respeitoso de seus aliados, a altura de sua função social. Querem o direito político de aparecer na foto.
Com linhas finais elaboradas horas antes da posse, Dilma fez um discurso no qual procurou responder a essas preocupações. A presidente afirmou que “a valorização do salário minimo irá prosseguir.” Também deixou registradas as seguintes palavras, num encerramento dramático: “nenhum direito a menos, nenhum passo atrás. Este é o juramento que faço.”
Imaginada num momento em que a fé de Oscar Niemeyer na realização das mobilizações políticas de caráter cinematográfico deveria encontrar-se no nível do fanatismo mais absoluto, a arquitetura da Praça dos Três Podres, em Brasília, é um desses espaços urbanos tão amplos que é possível que nunca venham a fica lotados.
Isso pode produzir em muitas pessoas a sensação enganosa de que todos eventos que ali ocorrem são esvaziados, sem apoio popular real. Nem sempre isso é verdade.
Apesar da ausência dos sindicatos, a festa da posse foi um evento popular de verdade. Não foi um encontro burocrático de funcionários públicos arrebanhados  pelas respectivas chefias nem um aglomerado coreográfico de cabos eleitorais e eleitores pagos.
A festa reuniu milhares de cidadãos comuns, uma parte trazida de ônibus, em excursões organizadas no país inteiro. Outra parte era formada por moradores das cidades satélites e de bairros distantes de Brasília que passaram a se concentrar na Esplanada dos Ministérios. Elas caminhavam devagar, portando garrafas d’água e bandeiras vermelhas. Voltaram para casa após horas ao sol, bandeiras enroladas, num trajeto distante do primeiro ponto de ônibus.
Essas pessoas fizeram uma festa de gente vitoriosa e feliz, que se divertia contando anedotas sobre os adversários derrotados. Observadores com experiência de eventos políticos semelhantes lembram que, pelo olho, é possível concluir que havia uma presença marcante de mulheres.
Ao longo das horas, muitas se dedicavam a falar de assuntos típicos do universo cultural feminino — como debater a cor do vestido de Dilma, assunto que também mobilizou senhoras de vestido longo e maquiagem pesada no segundo andar do Planalto. Num ambiente solidário, as mulheres da Esplanada chegaram a oferecer água para policiais que padeciam sob um calor intenso — favor que as regras da comporação impedem de aceitar, o que deixou muitas senhoras desoladas.
Vestido de branco, um grupo de manifestantes desfilou pelo lugar com cartazes contra a legalização do aborto. Ouviu vaias estrondosas.
Se a posse deixou uma pergunta sobre as relações futuras entre Dilma e os sindicatos, mostrou que a presidente entra em 2015 com um prestígio inegável junto ao eleitorado feminino. Quando ela passava a bordo do Rolls Royce de Getulio pela Esplanada, uma antiga estudante de Filosofia da USP dos anos 1970 puxou uma palavra de ordem que logo seria assumida por um coro de vozes presentes: “Neste país, eu tenho fé, porque ele é comando por mulher.” Depois de fazer das questões de gênero um ponto importante do mandato, a presidente levantou a cabeça, acenou e sorriu.