quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Repulsa aos sócios



02 de janeiro de 2014 | 2h 02

Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Nas últimas semanas do ano, a diretoria da Petrobrás fez novo esforço para convencer o mercado financeiro de que adotou o procedimento correto para a recuperação dos preços dos derivados de petróleo.
Mas continua a falta de transparência sobre as regras do jogo. Os subsídios ao consumidor, pagos, em última análise, pelo caixa da Petrobrás, não provocam estrago apenas na capacidade de investimentos e de endividamento da empresa.
Já é fato mais do que conhecido de que a falta de equalização dos preços internos aos externos provoca enormes distorções.
A primeira delas é a já mencionada deterioração das finanças da Petrobrás que pode levá-la a perder o grau de investimento dos seus títulos e, com isso, a ter de pagar juros mais altos nos novos empréstimos.
Outra distorção é a desidratação que provoca em outro setor antes promissor da economia, o dos biocombustíveis, especialmente o do álcool e o do biodiesel. O achatamento dos preços impõe uma competição desleal aos seus produtores e os enfraquece.
Uma terceira distorção tem a ver com a queima excessiva de combustíveis. Preços subsidiados artificializam o consumo e são uma das causas dos exasperantes congestionamentos de trânsito nas grandes cidades brasileiras.
Mas há outra distorção, menos comentada. Trata-se da impossibilidade da Petrobrás em firmar parcerias para a construção de novas refinarias. Só os investimentos na construção da Refinaria do Nordeste (Abreu e Lima), cujo primeiro trem de refino deverá ser inaugurado em novembro de 2014, estão orçados em algo entre US$ 17 bilhões e US$ 20 bilhões. As refinarias construídas em décadas passadas estão tecnologicamente ultrapassadas e precisam tanto de reformas quanto de aumento da capacidade de produção. Além das duas refinarias em obras, ambas com atrasos, a Petrobrás prevê a construção de mais quatro unidades com capacidade para processar 1,2 milhão de barris de petróleo por dia.
Os investimentos em novas refinarias não cumprem apenas o objetivo de garantir a geração de empregos internos. Em sete anos, a Petrobrás deve dobrar a produção de petróleo e de gás (veja o gráfico). Sem nova capacidade de refino, será obrigada a exportar petróleo bruto e, até 2020, a importar nada menos que 30% dos combustíveis consumidos no Brasil, obviamente a preços mais altos.
A empresa já tem enormes investimentos programados nas áreas do pré-sal e quer sócios para os projetos de refinaria, como demonstrou no empenho em que procurou atrair capitais venezuelanos, que acabaram gorando. Mas, atenção, sem total transparência nas regras de preços dos derivados, não haverá interesse dos sócios em potencial. Nem mesmo governos estaduais se sentirão encorajados a juntar-se à Petrobrás em projeto de construção de refinaria, se depois tiverem de perder preço em consequência de uma política populista, como a adotada hoje pelo governo Dilma.
Isso significa que regras firmes e confiáveis de jogo não são apenas aspiração da diretoria da Petrobrás; são de interesse de Estado.

Chineses desistem de plantar e agora financiam e exportam soja brasileira


Empresas chinesas tentaram repetir no Brasil a experiência que tiveram na África, de explorar as riquezas naturais, mas esbarraram nos limites para compras de terras e agora se especializam em financiar a produção, processar e vender soja para o exterior

02 de janeiro de 2014 | 2h 04

Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
Graves deficiências de infraestrutura e abundância de recursos naturais: a China se deparou no Brasil com a combinação que havia servido de base para a sua bem-sucedida inserção na África. Com sua exuberância de capital, experiência em logística e mão de obra treinada e barata, os chineses organizaram a produção e escoamento de minérios e alimentos na África na década passada de maneira a sustentar seu crescimento econômico, que já exauriu seus recursos naturais. Agora, estão tentando aplicar esse modelo no Brasil.
Em sua penosa curva de aprendizagem, "os chineses estão entendendo que aqui não é a África", observa Marcelo Duarte Monteiro, diretor executivo da Aprosoja, que reúne os produtores de soja e milho do Mato Grosso. Ele esteve quatro vezes na China e perdeu a conta de quantas delegações chinesas recebeu em Cuiabá.
Inicialmente, eles chegaram com a mentalidade de comprar terras e plantar soja, de maneira a assegurar seu abastecimento. Visitaram o sul de Goiás e o Mato Grosso, mas resolveram fixar-se no Oeste da Bahia. O governo baiano abriu escritório em Pequim em 2011.
Recuo. A compra de cerca de 20 mil hectares pela Universo Verde, filial brasileira da Chongqing Grãos, suscitou advertência da Advocacia Geral da União, e uma portaria interministerial, em setembro de 2012, regulamentando a aquisição de terras por estrangeiros. Enquanto eram obrigados a recuar de seu plano de adquirir terras, os chineses perceberam que os produtores locais têm não só uma longa experiência com a adaptação da soja à região - muito diferente das altas latitudes chinesas, de onde o grão é originário -, mas também capacidade de atender um aumento de demanda.
Passaram então a firmar parcerias com agricultores da região de Barreiras, no Oeste da Bahia. Agora seu capital está sendo aplicado na compra de sementes, fertilizantes e implementos agrícolas, que entram como moeda na venda antecipada da produção. Depois de ouvir a Associação de Irrigantes e Produtores da Bahia (Aiba), a Universo Verde decidiu investir em uma planta de esmagamento de soja em Barreiras. A terraplanagem da área onde ela será erguida já está feita. Arredios, os chineses preferem não falar do assunto.
A China tem excedente de capacidade de esmagamento. Comercialmente, faz mais sentido importar a soja em grão do que em óleo ou farelo. O projeto da planta de esmagamento indica o interesse de fornecer parte desses derivados para os mercados do Brasil e de outros países. As americanas Bunge e Cargill já têm plantas de esmagamento na Bahia. A da Universo Verde criará mais concorrência para os produtores venderem sua soja, aumentará o valor agregado na economia local e gerará entre 500 e 800 empregos diretos, de acordo com Jairo Vaz, superintendente de Política de Agronegócios da Secretaria de Agricultura da Bahia. "Os chineses estão mapeando o Oeste da Bahia para instalar silos e armazéns para captação de grãos e suprimento da fábrica."
Logística. Hoje, a produção do Oeste da Bahia segue em caminhões para os portos de Santos e Paranaguá, o que encarece muito o seu custo. Mas a expectativa é que daqui a alguns anos ela possa seguir no sentido contrário, por meio das novas ferrovias que interligarão o oeste e o leste aos portos do norte e nordeste, mais próximos dos mercados dos EUA, da Europa e da China. A Universo Verde prevê a construção de um "porto seco", que receberá os caminhões com os grãos, o óleo e o farelo.
A curva de aprendizagem na logística tem sido acentuada. Os chineses chegaram com a experiência da África, onde suas construtoras firmam contratos com os governos, trazem navios com seus operários, constroem rodovias, ferrovias e portos, vinculam esses investimentos com o fornecimento de minério de ferro, petróleo e outros recursos naturais. E pronto. No Brasil, encontraram um ambiente bem mais complexo: grandes construtoras com vasta experiência internacional, mão de obra local, decisões políticas descentralizadas em Estados e municípios, licenças ambientais e agências reguladoras.
"É muito difícil no Brasil", suspira Li Tan, do grupo chinês Hopeful, que planeja investir R$ 400 milhões em um terminal no porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. "Muito longo, muito complicado para aprovar. É muito mais fácil fazer isso na China." O projeto começou em 2007. Está na fase da licença ambiental. Depois de muitas revisões no prazo, a empresa espera que esteja pronto em dois anos.
"É bom proteger o meio ambiente", diz. "A situação do meio ambiente na China é horrível. Pensar no meio ambiente no início é muito bom. Vocês devem fazer isso. Mas a papelada é muito difícil. Toma muito tempo para concluir o processo."
Li, que está baseado no Estado americano de Iowa, diz que "os Estados Unidos também têm essas regulações, mas o processo está se acelerando e é bem regulado". Em contrapartida: "Às vezes o mercado brasileiro não é bem regulado, você não consegue acompanhá-lo. Você prepara um documento, e dizem: não é esse, é aquele outro. Você faz o outro e dizem que também não é esse, mas um outro. Algumas coisas não são claras."
O negócio do grupo é esmagar soja importada dos EUA, Brasil e Argentina. Do Brasil, importa hoje 1,5 milhão de toneladas por ano. Seu terminal terá capacidade de 8 milhões de toneladas por ano. "Os chineses buscam o Brasil não mais para abastecer a China, mas como mercado consumidor importante, e plataforma de exportação para a região", diz Sergio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento e presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Bloomberg gastou uma fortuna para ser prefeito de Nova York


Magnata, que entrega o cargo hoje, tirou do bolso US$ 650 milhões durante os 12 anos de mandato, segundo 'New York Times'

01 de janeiro de 2014 | 2h 02

The New York Times/O Estado de S.Paulo
Michael Bloomberg adora peixes tropicais. Assim, quando foi eleito prefeito, instalou dois aquários gigantes na sede da prefeitura. O custo da limpeza semanal dos tanques nos últimos 12 anos: US$ 62 mil.
O prefeito também adora lanchinhos. Por isso, pagou para oferecer a sua equipe um leve café da manhã (rosquinhas, iogurte, café) e um modesto almoço (salada de atum, sanduíche de geleia e manteiga de amendoim, frutas cortadas). O custo ao longo dos anos em que foi prefeito: e US$ 890 mil.
Bloomberg gosta de viajar. Sempre que levava seus assessores a algum lugar, ele o fazia com seu avião particular. O custo de todas essas viagens: US$ 6 milhões. Quando ele deixar o cargo, hoje, deixará como legado recordes como redução do crime, segurança nas calçadas e construções que transformam a paisagem de arranha-céus. Mas o número que mais impressiona é o que ele tirou do próprio bolso, que raramente chegou ao conhecimento do público.
Uma análise feita pelo New York Times mostra que Bloomberg gastou ao menos US$ 650 milhões em benefícios e mordomias, campanhas políticas e em defesa de causas, caridade e bandeiras sociais, além de viagens e hospedagem, despesas ligadas ao tempo em que ele exerceu o cargo de prefeito. No processo, ele subverteu a dinâmica financeira envolvendo o cargo mais alto de Nova York.
No passado, a cidade pagava ao prefeito. Bloomberg pagou para ser prefeito. Em jogadas que deixariam planejadores financeiros atordoados, ele rejeitou o salário de US$ 2,7 milhões ao qual teria direito (aceitando apenas US$ 1 por ano) e, a partir de 2001, abriu uma torneira de dinheiro que nunca parou de jorrar. Ele investiu US$ 268 milhões de sua fortuna pessoal nas três campanhas pela prefeitura.
Seja pessoalmente ou por meio de sua empresa, a Bloomberg LP, ele doou outros US$ 263 milhões a grupos de arte, saúde, direitos cívicos e cultura de Nova York. Doações de campanha? Ele distribuiu cerca de US$ 23 milhões.
Bloomberg chegou até a contribuir com US$ 5 milhões para reformar a residência oficial do prefeito na qual nunca morou. Mark Green, adversário de Bloomberg em 2001, o descreveu como "um Medici moderno", buscando um precedente no século 15.
Dependendo do ponto de vista, o desejo de Bloomberg de arcar com todas as despesas da prefeitura pode ser considerado animador (para os assessores), irritante (para os rivais), uma oportunidade para empregar melhor o dinheiro público (para o eleitorado) ou gesto de altruísmo (para os beneficiados pela generosidade dele).
Mas, para os que interagiram com o bilionário, sua passagem pelo governo foi incrível de se observar. Aos olhos de Chris McNickle, historiador da cidade, a fortuna de Bloomberg fez dele o mais poderoso prefeito desde o nascimento da Nova York moderna, no final do século 19. "Por estar livre das exigências de doadores de campanha, grupos de interesses especiais e partidos políticos, o poder dele foi intensificado e expandido", disse McNickle.