sábado, 23 de novembro de 2013

Modelo falido e subnotificado - LEONARDO CAVALCANTI



CORREIO BRAZILIENSE - 23/11

Se os políticos brasileiros utilizassem os serviços públicos, as escolas, os hospitais e os ônibus seriam mais eficientes. A máxima deveria valer também para as cadeias brasileiras, agora que caciques petistas e de partidos da base aliada de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff estão no xadrez, vivendo na própria pele a realidade de 550 mil pessoas no país. Aqui, esqueça qualquer traço de revanchismo. Em matéria de desenvolvimento social deveríamos nos pautar pela Suécia, que, no último ano, foi obrigada a fechar quatro prisões por causa da redução no número de detentos – e, assim, por tabela, também poderíamos nos manter afastados do modelo norte-americano com os 2,2 milhões de encarcerados, segundo dados da organização não governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais.

Por ora, com autoridades no xilindró, seria razoável supor a melhora no sistema, seguindo a lógica do uso de serviços públicos pelos políticos. Mas nada é tão simples, por mais que as cadeias brasileiras tenham voltado ao centro do debate nacional com o mensalão. A partir da complexidade do tema e da sanha de setores mais conservadores em apoiar a indústria das prisões, é provável que, passada a novidade dos mensaleiros, tudo volte ao normal. E o normal será deixar o sistema penitenciário em último plano, por mais que as condições precárias tenham sido novamente expostas agora. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre as unidades prisionais do país mostra uma realidade distante dos gabinetes e salões da Esplanada, para deputados e autoridades.

A partir de estimativas, é possível chegar a um deficit de 170 mil vagas em todo o sistema, o que, na prática, significa prisões lotadas. Mas trata-se de uma simples estimativa, por conta das subnotificações. Na Bahia, por exemplo, o mutirão do Ministério Público contou 5.800 presos a mais nas delegacias, todos fora dos dados oficiais. Se o número de presidiários for analisado a partir dos estados, chegaremos próximos aos encarcerados de países onde a indústria penitenciária é agressiva. Segundo o CNMP, a taxa de presos no Brasil chega a 245 presos para 100 mil habitantes, enquanto os EUA e a Rússia, por exemplo, apresentam 756 e 629, respectivamente. Tais taxas estão em 567 em Mato Grosso do Sul, em 431 no Acre e em 383 em São Paulo. Nessa competição, bem que poderíamos perder com louvor.


Defensores
Mais do que números, a questão é que o sistema prisional no país não recupera e continuará injusto. Uma das recomendações da ONU para as prisões brasileiras é a presença permanente de defensores públicos nas penitenciárias. Aqui talvez esteja a maior diferença entre os políticos e empresários condenados pelo STF e o preso comum: a falta de assistência jurídica. Sim, mesmo presos, os ilustres políticos e empresários têm dinheiro para pagar os melhores advogados do país. A massa da população carcerária, entretanto, precisa de defensores para apurar abusos de direitos humanos — casos infindáveis de tortura —, conseguirem progressão do regime (do semi-aberto para o aberto, por exemplo) ou mesmo sair da cadeia ao terminar o cumprimento da pena. Algo que, no fim, serviria a todo o sistema.

Um dos casos mais emblemáticos está em São Paulo. Lá, das 300 comarcas, somente 29 têm defensoria. Dos cerca de 500 defensores no estado, apenas 50 estão ocupados com a atenção aos encarcerados. Há tempos a Pastoral Carcerária denuncia que as prisões brasileiras estão ocupadas por gente com baixa escolaridade e, na maioria, negros e pardos. Logo depois da condenação de José Dirceu pelo STF, em novembro do ano passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou o sistema prisional do Brasil como medieval e afirmou que “preferia morrer a cumprir pena por longo tempo em uma prisão do país”. Depois da polêmica instalada, Cardozo reafirmou — escorregadio que só ele —, a meta de criar 42 mil vagas nas penitenciárias brasileiras.

Em carta aberta, os representantes da Pastoral Carcerária criticaram de forma dura o ministro. Depois de apresentar os números da superlotação, a ONG foi direta: “Surpreende-nos que, diante deste cenário, o governo federal ainda fale em construir mais presídios. Ora, mais presídios para quê? Para quem? Enquanto o senhor fala em construir novos presídios, centenas de jovens, quase sempre pobres, quase sempre negros, são mortos ou presos de forma abusiva cotidianamente”. Pediu para levar.

A economia do sexo - ALEXANDRE VIDAL PORTO

FOLHA DE SP - 23/11

Os japoneses parecem querer sexo autossuficiente, que dê prazer sem impor as dificuldades de uma relação


Acho os meandros do sexo um dos grandes mistérios da sociedade japonesa. Nunca compreendi os caminhos que um casal japonês percorre da formalidade do primeiro contato à espontaneidade da intimidade física.

No Japão, as relações interpessoais obedecem a códigos tão rígidos que parecem não ter nenhuma possibilidade de acabar em sexo. Claro que muitas acabam. Eu é que não fico sabendo.

A vida sexual dos japoneses tem sido objeto da curiosidade internacional. O jornal inglês "The Guardian" publicou texto sobre o desinteresse erótico da população local, e a BBC exibiu um documentário cujo título se autoexplica: "No sex please, we're japanese" ("Sem sexo, por favor; somos japoneses").

Para consubstanciar suas alegações, citam estatísticas segundo as quais, por exemplo, cerca de 45% das mulheres e 25% dos homens entre 16 e 24 anos de idade se declaram desinteressados em sexo.

Parece simplista atribuir aos japoneses, de forma genérica, falta de interesse sexual. Afinal, a indústria da pornografia no Japão movimenta bilhões de dólares, e a arte erótica japonesa remonta, pelo menos, ao século 14. Ou seja, interesse por sexo há.

Mas o que os japoneses parecem querer é sexo autossuficiente, que dê prazer sem impor as dificuldades de um relacionamento amoroso. Algo com hora para começar e acabar. Casar para quê? Para perder a liberdade e a autonomia?

Para muitas mulheres japonesas, casar e ter filhos equivale a reduzir-se à dependência econômica do marido. Cerca de 70% deixam o trabalho ao se tornarem mães. Para os homens, por sua vez, casar e ter filhos representa a obrigação de sustentar, sozinho, toda uma família. Na ponta do lápis, tais opções não parecem vantajosas para ninguém.

O vazio emocional é preenchido por hobbies, mundo virtual, animais domésticos. Não é à toa que o país é um dos grandes mercados mundiais de produtos para pets.

O vazio demográfico, no entanto, é mais difícil de compensar.

Desde o último censo, em 2010, a população japonesa reduziu-se em mais de um milhão. Nesse ritmo, até 2060, o Japão perderá um terço de seus habitantes. A relação entre a diminuição no número de casamentos e redução populacional é mais visível no Japão porque, tradicionalmente, os japoneses se casam para ter filhos. Enquanto na Inglaterra 50% das crianças nascem fora do casamento, no Japão são 3%.

As consequências desse fenômeno demográfico podem ser catastróficas para a economia. O governo japonês está atento. No entanto, influenciar por meio de políticas públicas uma decisão tão pessoal quanto ter um filho não é fácil, sobretudo diante dos potenciais custos econômicos e sociais envolvidos.

Esse problema não é exclusivo do Japão. Acontece o mesmo no Brasil, só que em ritmo mais lento. Parece óbvio que, se a maternidade e a paternidade impõem um ônus muito alto, uma parcela da população para de se reproduzir. Portanto, a sociedade tem de incentivar quem se dispõe a dar-lhe essa contribuição. Toda vez que encontrar uma grávida, agradeça o esforço!

Governo estuda nova estrada para desafogar trânsito para o litoral

ADRIANA FERRAZ - O Estado de S.Paulo
Os longos congestionamentos que ocorrem em feriados e fins de semana de calor nas rodovias que levam ao litoral paulista poderão ser reduzidos dentro de cinco ou seis anos. Isso se a nova proposta de acesso às praias em análise pelo governo do Estado sair do papel. O estudo prevê a construção de uma via para ligar a cidade de Suzano, na Grande São Paulo, à Baixada Santista e ao litoral norte.
A estrada em análise tem 36 quilômetros, com início no futuro Trecho Leste do Rodoanel, já em construção. O acesso seria feito nas proximidades da Estrada dos Fernandes, em Suzano. De lá, o motorista seguiria um percurso formado por túneis e viadutos até a área continental de Santos, a apenas 15 minutos da entrada do Guarujá, na altura do pedágio existente na Rodovia Cônego Domenico Rangoni. Nesse ponto, um túnel serviria de rota especialmente para veículos de carga até o Porto de Santos.
O projeto prevê ainda que a futura estrada dê acesso direto à Rodovia Rio-Santos, via Bertioga, proporcionando rota alternativa para as cidades do litoral norte (veja ao lado). A expectativa é de que a viagem de Suzano a Santos leve cerca de 40 minutos e possa ser inaugurada em 2019, caso a proposta apresentada ao governo seja levada adiante sem atrasos.
A iniciativa de projetar a nova rodovia é do Grupo Bertin, dono da Contern, responsável pela construção dos Trechos Leste e Sul do Rodoanel. Na próxima semana, a construtora - que firmou um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) com o governo - apresentará informações adicionais à Secretaria Estadual de Logística e Transportes, que participa das negociações com representantes das prefeituras de Santos e Suzano.
Batizada preliminarmente como Via Mar, a nova rodovia ainda poderá ajudar a desafogar as pistas da Cônego Domenico Rangoni nas proximidades do acesso ao Porto de Santos. Não raramente, a estrada fica completamente parada pelo excesso de caminhões no complexo portuário. Com o túnel em direção a Santos, a via daria acesso a São Vicente e Praia Grande e aos municípios do litoral sul: Itanhaém, Peruíbe e Mongaguá.
O modelo final depende da aprovação do governo, que oficialmente afirma apenas cogitar a proposta. Os estudos da Contern devem estender-se até março, quando o Estado planeja abrir chamamento público para o desenvolvimento do projeto executivo da obra.
Para o professor de Transportes da Fundação Educacional Inaciana (FEI) Creso de Franco Peixoto, o governo caminha para a construção de uma nova via no sentido litoral, assim como ocorreu no fim dos anos 1990, quando se optou pela segunda pista da Imigrantes. "Ainda temos essa tendência de investir em soluções rodoviárias, sempre paliativas. A prioridade deveria ser o transporte público. De todo modo, o sistema está mesmo saturado, reflexo direto do nosso enorme índice de motorização", diz.
Rota. A nova rota para o litoral seria uma boa alternativa especialmente para moradores da zona leste da capital, de Guarulhos e até do interior, via São José dos Campos. Pelo projeto, o percurso teria cerca de três ou quatro viadutos - a maior parte do percurso seria feita por túneis profundos, cavados a mais de 20 metros.
A construção por túneis é condição para viabilizar o negócio do ponto de vista ambiental, apesar de dificultar do ponto de vista financeiro - o método é de seis a dez vezes mais caro. Segundo projeto da Contern, ao qual o Estado teve acesso, esses túneis teriam três faixas de rolamento em cada um dos sentidos e altura suficiente para receber, no "subsolo", uma ferrovia para transporte de cargas e dutos para levar líquidos, como etanol, do Planalto ao litoral.
Mesmo com alta tecnologia, a execução do trajeto causaria impacto no Parque Estadual da Serra do Mar, área de preservação ambiental. Por causa do risco, outro projeto de estrada rumo ao litoral, via Parelheiros, na zona sul, está praticamente descartado. O percurso até Itanhaém exigiria ainda mais desmatamento.