domingo, 17 de novembro de 2013

O monstrengo fator previdenciário - SUELY CALDAS

aprendi na revisão do Estadão que era mostrengo

O Estado de S.Paulo - 17/11

Na quarta-feira a presidente Dilma Rousseff fez um apelo aos líderes de partidos políticos aliados: não aprovem projetos que possam comprometer o equilíbrio fiscal do Brasil. Não é só o Poder Legislativo que ameaça o equilíbrio fiscal com propostas populistas e, por vezes, irresponsáveis. O Poder Executivo deveria dar o exemplo, começando por reduzir à metade os 39 ministérios que Dilma defende serem necessários ("um país forte precisa de ministérios com papéis diferentes", declarou ela há dias em Porto Alegre).

O Ministério do Planejamento deve aos brasileiros duas explicações: quanto a população paga para sustentar os 14 ministérios que Lula e Dilma criaram; e se há neles alguma utilidade, além de distribuir cargos para políticos aliados. Países ricos trabalham com menos da metade de ministérios - simplesmente porque é mais racional e eficaz.

Um esforço para qualificar a gestão cotidiana da economia também seria bem-vindo para afastar, ou pelo menos amenizar, as desconfianças de investidores que têm cancelado ou engavetado investimentos, temendo interferências inconvenientes do governo. É grande a lista de ações do Executivo dirigidas a melhorar o desempenho fiscal. Mas voltemos à lista do Legislativo.

Dos projetos em tramitação no Congresso Nacional que aumentam despesas públicas sem criar receitas está o fim do fator previdenciário, proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Criado em 1999, o fator previdenciário foi um recurso paliativo encontrado pelo governo Fernando Henrique Cardoso para tentar reduzir o déficit da Previdência, diante da rejeição do Congresso, na época, em aprovar propostas de reforma previdenciária. Paliativo que implicava verdadeiro contorcionismo estatístico, uma barafunda aritmética para adiar pedidos de aposentadoria ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que amenizou o déficit menos do que o esperado e menos do que o necessário. Não resolveu, o rombo continuou crescendo.

Como a inexplicável explosão de gastos com o seguro-desemprego num momento em que o Brasil vive uma situação de quase pleno-emprego, entre janeiro e setembro deste ano o déficit do INSS somou R$ 47,6 bilhões, 31,5% maior do que os R$ 36,2 bilhões projetados pelo governo e 36% acima do realizado em 2012. É um número surpreendente, nebuloso e ruim para um regime previdenciário de repartição como o nosso, pelo qual os trabalhadores ativos pagam os benefícios dos inativos.

Ou seja, se o emprego cresce, a receita das contribuições ao INSS também deveria crescer e o déficit, encolher. Só que aconteceu o inverso!

O Ministério da Previdência explica que os gastos de setembro de 2013 foram inflados pelo pagamento da primeira parcela do décimo terceiro salário aos aposentados. Mas isso também ocorreu em setembro de 2012 e o déficit acumulado até aí foi R$ 8,4 bilhões menor do que o de 2013. Na verdade, o problema é anterior a setembro: o governo sapecou uma estimativa irreal de R$ 36 bilhões na previsão orçamentária de 2013, desprezando o aumento do salário mínimo, que influencia fortemente o déficit previdenciário. Por que será?

Casamento. Em questões previdenciárias, a expectativa de vida da população e a idade de acesso à aposentadoria devem caminhar juntas. Se a população passa a viver mais, é necessário refazer o cálculo atuarial e elevar a idade de acesso na mesma proporção. O descasamento entre esses dois fatores fatalmente leva ao desequilíbrio financeiro. No Brasil, a mulher se aposenta com 60 anos de idade ou com 30 anos de contribuição ao INSS e o homem, com 65 anos ou 35 de contribuição. É comum uma mulher que começou a trabalhar aos 20 anos aposentar-se aos 50 e o homem, aos 55. Só que ano a ano o brasileiro experimenta a feliz aventura de viver mais: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005 ele vivia, em média, até os 71,9 anos de idade e em 2011 passou a viver 74,1 anos. O feliz avanço tem-se dado em ritmo rápido. Mas a idade de acesso à aposentadoria é a mesma há décadas, levando ao descasamento financeiro que onera o déficit previdenciário.

Pois bem, neste mês de novembro, as centrais sindicais de trabalhadores têm se unido em manifestações públicas nas grandes cidades do País pelo fim do fator previdenciário e anunciaram passeata gigante para o próximo dia 26 de novembro, em Brasília. Vão fazer barulho e cobrar a promessa do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, de dar uma solução à questão ainda este ano. O governo Dilma, no entanto, já anunciou que vai adiar a discussão para 2015, depois das eleições (como as eleições mandam e desmandam na agenda petista!).

O mais simples e justo seria substituir o monstrengo fator previdenciário pelo aumento da idade mínima de acesso à aposentadoria. É o mais lógico e o que tem sido feito no resto do mundo. Certamente não vai levar ao equilíbrio da Previdência, porque nela está embutida a aposentadoria rural - na verdade um programa de transferência de renda que a Constituição de 1988 erroneamente colocou nas contas do INSS. Mas é a solução socialmente mais justa e lógica.

As centrais sindicais não aceitam a lógica e propõem uma fórmula que adiciona idade mínima e tempo de contribuição, resultando em 85 anos para as mulheres e em 95 anos para os homens. Ou seja, cálculo feito na ponta do lápis, é trocar seis por meia dúzia e manter o que prevalece atualmente. E, como nada de significativo vai acontecer até as eleições de 2014, a previdência é mais um problema que o governo vai continuar empurrando com a barriga.

Mas, se o déficit do INSS é ruim para o equilíbrio das contas públicas, muito pior é o rombo da previdência do funcionalismo federal. Os dois comparados, constatam-se enorme disparidade, injustiça social e concentração de renda: o déficit do INSS, que abrange 28 milhões de trabalhadores, fechou em R$ 35 milhões no ano passado, enquanto o rombo da previdência pública foi quase o dobro (R$ 62 bilhões) para suprir a aposentadoria de apenas 953,5 mil funcionários. Com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), foi dada uma solução estrutural para o futuro. Mas até 2047 - quando esse fundo começa a produzir efeito - os brasileiros continuarão sustentando esse déficit e seu crescimento progressivo.

Não matarás? - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 17/11

SÃO PAULO - Concordo com meu amigo Leão Serva quando escreveu, em sua coluna de segunda-feira, que leis simples são preferíveis às que exigem regulamentação muito complexa e que este é um dos fatores que fizeram com que a Lei Cidade Limpa "pegasse". Discordo, porém, da afirmação de que o "Não matarás", dos Dez Mandamentos, se enquadre nessa categoria de legislação.

A lei mosaica, afinal, não se resume às duas tábuas, mas a um conjunto de comandos --que chegam a 613 nas contas dos rabinos-- dispersos pelos cinco livros do Pentateuco. E, em alguns deles, matar não só é permissível, como, por vezes, obrigatório.

Em Deuteronômio 7:2, por exemplo, Deus ordena aos israelitas que varram do mapa todas as nações que habitavam a terra prometida: "Destruam-nos completamente. Não façam, de maneira nenhuma, qualquer espécie de alianças com eles; não tenham misericórdia deles. Devem liquidá-los completamente".

Leis de guerra, alguém poderia alegar. E guerras são sempre um período de exceção. Bem, no mesmo Deuteronômio (deveria ser um livro proibido para menores), agora no capítulo 13, Deus diz o que os israelitas devem fazer com seus irmãos, filhos, esposas e amigos que decidam servir a outros deuses: "Deverás matá-lo! Tua mão será a primeira a matá-lo e, a seguir, a mão de todo o povo. Apedreja-o até que morra, pois tentou afastar-te de Iahweh, teu Deus".

E, é claro, há muito mais. Philip Jenkins, em "Laying Down the Sword", faz um rol completo das passagens mais brutais do Antigo Testamento e sustenta que a Bíblia é muito mais sanguinária do que o Alcorão. Jenkins, que é cristão devoto e contribui para publicações conservadoras dos EUA, diz que é preciso reconhecer a violência das Escrituras e compreendê-la em seu contexto histórico como parte integral das tradições judaica e cristã. É só assim, diz ele, que se poderá cultivar uma religiosidade mais pacífica.

Prisões - LUIS FERNANDO VERISSIMO


O GLOBO - 17/11

Quando exumarem esse processo do mensalão daqui a alguns anos, como agora fazem com os restos mortais do Jango Goulart, descobrirão traços de veneno



Quando os figurões do governo Nixon envolvidos no escândalo de Watergate começaram a ir para a cadeia, um cômico americano imaginou-os liderando um motim entre os presos, batendo nas mesas do refeitório com seus talheres e pedindo “Montrachet! Montrachet!” ou outro vinho da mesma estirpe para acompanhar a comida. Se a prisão dos acusados do mensalão estiver mesmo inaugurando uma nova prática jurídica no país, o encarceramento de condenados sem distinção de nível social ou importância política, uma das consequências disso pode ser uma melhora dos serviços penitenciários para receber a nova clientela. Prevejo duas coisas: uma que quando exumarem esse processo do mensalão daqui a alguns anos, como agora fazem com os restos mortais do Jango Goulart, descobrirão traços de veneno, injustiças e descalabros que hoje não dão na vista ou são ignorados. O que só desgravará alguns dos condenados quando não adiantar mais nada. Outra profecia é que, mesmo sem “Montrachet”, a comida das penitenciárias certamente melhorará.

Prisões mais humanas e democráticas serão um avanço, mas nossa meta deve ser o que acontece na Suécia, como li há dias. Lá vão fechar algumas penitenciárias por falta de detentos. Diminuiu a população carcerária na Suécia, abrindo imensos espaços ociosos até para — por que não? — importarem presos de países onde há superpopulação carcerária. Não se imagina uma campanha de incentivo à criminalidade na Suécia para reabastecer suas penitenciárias igual a campanhas de incentivo à fertilidade que havia na França, onde as pessoas eram premiadas por ter filhos. Na Itália havia, e acho que ainda há, uma crise educacional grave, não por falta de lugar nas escolas, mas por excesso de lugar: simplesmente não existiam crianças suficientes para encher as salas de aula e fazer o sistema funcionar normalmente. A solução era animar a população: façam filhos, façam filhos! Ou, no caso da Suécia: roubem! Matem! Enganem o fisco! Temos uma cela quentinha para você!

Especula-se que os programas de reabilitação de presos nas cadeias sejam responsáveis pela diminuição da criminalidade na Suécia e que... Mas do que adianta sonhar com outra realidade quando a nossa, nesse assunto, ainda é medieval? Mesmo que melhore a frequência nas nossas cadeias ainda estaremos longe do ideal. Ou, no mínimo, do escandinavo.