segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O calmo desespero das elites


Ilhados em escolas-bunker, nossos filhos estão sucumbindo a um 'dever' implícito e inconteste: ultrapassar seus coetâneos, transformados em aguerridos rivais pelo melhor lugar ao sol do consumo

07 de outubro de 2012 | 3h 09

JULIO GROPPA AQUINO - É LIVRE-DOCENTE DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA USP - O Estado de S.Paulo
Nas duas últimas semanas, dois acontecimentos, aparentemente isolados, interceptaram a típica pasmaceira educacional do País, envolvendo escolas privadas de prestígio: a polêmica em torno da instalação de câmeras nas salas de aula do Colégio Rio Branco, em São Paulo, e a presumida tentativa de suicídio de um aluno do quinto ano do ensino fundamental do Colégio São Bento, no Rio de Janeiro.
O que parece unir os dois acontecimentos é o fato de que o que se tentou prevenir, num caso, não foi capaz de ser remediado, no outro. Mostra também, por meio da irredutibilidade do segundo, a debilidade ético-política que ronda o primeiro. Em última instância, o caso limite do garoto suicida representaria o contrário absoluto do projeto de controle irrestrito sobre as novas gerações, por parte das famílias endinheiradas e, por extensão, de suas escolas marionetes.
Desponta, aqui, a lógica onipresente a demarcar os afazeres educacionais daqueles pertencentes (ou aspirantes) às classes abastadas: a do ensejo frenético de vigilância dos passos de sua prole. Trata-se de assegurar, a qualquer custo, um monitoramento diuturno das condutas das crianças e jovens de elite a título de "proteção e cuidado". Contra o quê?, caberia indagar.
Não bastassem as doses cavalares de bens e serviços à disposição desse segmento da população (do assédio tecnológico à voracidade clinicalizante dos profissionais parapedagógicos de plantão; da oferta de uma miríade de produtos de grife à difícil administração dos excessos comportamentais daí derivados; da volúpia confessional/opinativa nas redes sociais ao imperativo do empreendedorismo infanto-juvenil com pitadas surreais de voluntariado, etc., etc., etc.), trata-se cada vez mais de isolá-los do contato com um mundo potencialmente nefasto, agora no interior dos próprios intramuros escolares. Trata-se, enfim, de extirpar qualquer ameaça à integridade dos rituais extravagantes aí em curso. Em uma palavra: depuração acirrada dos usos e costumes daqueles considerados como a futura proa da minoria socioeconômica. Os fortes, enfim.
Claro está, desde sempre, que, a título de aquisição de um ensino de suposta melhor qualidade, o fetiche dos segmentos mais abastados em relação à educação privada (a totalidade dos que leem este jornal, por exemplo) jamais revela sua motivação base: a subtração vaidosa de sua prole do contato com o mundo feio, sujo e malvado que os circunda, o qual só pode ser avistado ao longe e em movimento, através das películas de blindagem de suas carruagens metálicas. Um mundo-lixeira.
Ilhados em suas escolas-bunker - quintal de seus condomínios-bunker, de seus shoppings-bunker, de suas academias-bunker -, a cada uma dessas crianças e jovens restaria um dever implícito e inconteste: ultrapassar seus coetâneos, tornados rivais aguerridos pelo melhor lugar ao sol do consumo. Daí um norte a presidir seus passos: a busca do sucesso, da dianteira, da "felicidade" de aparentar ser sempre mais e melhor do que os outros. Tornados autogestores em miniatura de um negócio demasiado incerto (qual seja, a própria vida), alguns deles, no entanto, sucumbirão a um efeito colateral incontornável: o fracasso, a rabeira, a desgraça de ser mais uma entre as tantas reles criaturas deste mundo. Eis o que o pequeno garoto, em sua coragem de desterro, não nos deixa esquecer.
É de um mundo em frangalhos, não obstante em calmo desespero, que seu pequeno grande salto se dá. É de um mundo miserável, em sua opulência fútil, que seu pequeno grande corpo emite seus sinais. Sinais de dor, tão somente e tanto.

Melhor o quê?


UGO GIORGETTI - É CINEASTA E COLUNISTA DO ESTADO - O Estado de S.Paulo
UGO GIORGETTI
Velhice. Perspectivas desagradáveis... - Umutrans
Umutrans
Velhice. Perspectivas desagradáveis...
Estatísticas são frequentemente um enigma. Quer dizer que seremos, em dez anos, 1 bilhão? Isto é, de velhos, categoria em que me enquadro muito a contragosto e premido pelos fatos. Então seremos não sei quantos no Japão, seremos outro número exorbitante na Indonésia e, finalmente, chegamos ao nosso querido Brasil, onde já somamos perigosos 23,5 milhões. A partir disso, só uma poderosa imaginação para prever o que virá.
Não é tanto a profusão dos números exatos das estatísticas o que me intriga, embora considere imprudente aceitarmos números definitivos num mundo que muda a cada segundo, mas o que significam esses números. Sim, estamos progredindo, nós os velhos, em direção a um fim menos pior, concordo. Mas de que velhos estamos falando?
Como todas as estáticas abrangentes, sobretudo aqui no Brasil, essa dos velhos suscita algumas perguntas que valem para muitas outras pesquisas. Quando se fala em velhice e seus progressos, imediatamente somos remetidos a imagens de velhos saltitando alegremente por calçadões à beira- mar, fazendo exercícios em verdes parques, passeando com seus cachorros, de bermuda e bonezinho. Serão esses os velhos brasileiros? Serão esses os velhos que estão atingindo no Brasil, de forma digna e vigorosa, os 70 anos? É apenas uma pergunta que faço a quem elabora as estatísticas.
Não acredito numa melhora de vida uniforme, pelo simples fato de que nada é uniforme, para não dizer minimamente igualitário, no Brasil. O que tem a ver os velhos furando filas em caixas de supermercados, felizes da vida, gozando de suas pequenas benesses, e a grande maioria de velhos que nem sequer consegue andar até o supermercado mais próximo? O que tem a ver os velhos que frequentam a Sala São Paulo com aqueles, a imensa maioria, que fica atirada numa poltrona o dia inteiro, à mercê de uma televisão que os desconecta ainda mais do pouco de realidade que lhes resta?
Do jeito que as coisas são, não seremos problema algum, pelo menos no Brasil. Aqui os velhos continuam morrendo cedo, se não de morte propriamente dita, pelo menos da morte do espírito, e não preciso de estatísticas para comprovar isso. Basta estar de olhos abertos. A saúde pública, por exemplo, continua indigna, e é uma das famosas "questões brasileiras" nunca resolvidas. Seremos, antes, uma desculpa para justificar déficits e buracos no orçamento da saúde dos quais sabemos muito bem as causas. Uma desculpa para continuarem supremamente incompetentes, injustos e de uma ineficácia escandalosa.
Então não melhoramos em nada no geral? Melhoramos, concordo que qualquer classe social se beneficiou, umas mais, outras bem menos, dos progressos principalmente em saúde pública e alimentação nas grandes cidades. Mas progredimos à brasileira, com as desigualdades brutais de costume que as estatísticas ocultam e também, digamos, por inércia do sistema. Seria verdadeiramente inconcebível que, ao atingir o patamar de "grande economia mundial", nossa esperança de vida se mantivesse nos 50 anos, como era não faz muito tempo.
Na minha opinião de leigo, apenas de observador atento do que acontece, somos, os velhos do Brasil, uma falsa ameaça. Quando as coisas apertarem haverá um político a pedir que se aumente a idade de aposentadoria, por exemplo. Haverá a costumeira, frágil, reação de velhos dos bairros nobres, um pouco de barulho, alguma polêmica nos jornais falados da TV, mas finalmente tudo vai se acertar. Da pior maneira, é claro.
Estou sendo muito pessimista? Talvez, mas nisso estou exercendo apenas uma prerrogativa dos velhos, não é mesmo? Por que eu seria diferente? Velhos tendem a achar que tudo está errado, em geral pior do que já foi. Pode ser que seja esse o caso. De qualquer maneira, de minha parte, nunca irei a bailes da terceira idade, vou me policiar para nunca furar uma fila dando cotoveladas, não visto bermuda na rua, não tenho cachorro e acho as perspectivas da velhice profundamente desagradáveis. Na língua portuguesa a única expressão que está acima de "terceira idade" no meu ódio é "melhor idade", que, inclusive, embute um insulto a quem tenha o cérebro com dimensão um pouco maior que a de um milho.
Mas não sou chato. Para minha velhice quero apenas seguir tendo um pouco de sorte. Sorte é a única coisa fundamental neste mundo para seguir vivendo, fazendo coisas sem pensar muito em velhice, etc. Principalmente no etc. E manter a elegância até quando der. Não a física, que é impossível, mas a mental. Neste momento me ocorre, não sei por quê, a figura do escritor argentino Adolfo Bioy Casares, que, metido sempre em impecáveis paletó e gravata, era um dos velhos mais elegantes, afáveis, inteligentes e irônicos que já vi. Talvez tenha pensado nele também por ter escrito um livro, cujo tema é a velhice, e que, graças a Deus, li quando jovem. Não é exatamente uma leitura agradável para velhos. Chama-se Diário da Guerra do Porco, e, suprema ironia, na época foi classificado como ficção científica.

Invasão grisalha


Mônica Manir - O Estado de S.Paulo
Redes de seguridade social irão à bancarrota e todos os cidadãos vão sofrer - Epitácio Pessoa/AE
Epitácio Pessoa/AE
Redes de seguridade social irão à bancarrota e todos os cidadãos vão sofrer

Como bom jornalista que é, Ted C. Fishman gosta de uma boa história. Daí que começa Shock of Gray com uma muito próxima, a dos próprios pais, para ilustrar duas faces do mesmo dominó: a velhice. Enquanto a mãe, na casa dos 80, ainda rebola num concerto tributo ao Led Zeppelin e nada no Lago Michigan, o pai muito antes disso entrou num processo degenerativo, que o deixou totalmente dependente da família.

Daí em diante Ted parte para o subtítulo do livro: o envelhecimento da população mundial e como ele coloca jovens contra velhos, filhos contra pais, trabalhadores contra patrões, empresas contra rivais e nações contra nações. Tem-se a impressão de que só virá pedreira. Mas não é assim. O jornalista, autor do best seller China S. A., também mostra como o choque grisalho traz expansões de civilidade, de círculos sociais e de investimentos na ciência em busca da expansão maior, a imortalidade.

Ted estava em Chicago, sua cidade natal, quando deu esta entrevista atualizando suas pesquisas. Shock of Gray foi lançado em 2010 e, na época, ainda não se cravava 1 bilhão de idosos em dez anos, dado que a ONU divulgou nessa semana. Um pouco antes da entrevista o jornalista havia feito uma palestra para 1.100 executivos da segurança pública sobre como a polícia, os bombeiros e outros serviços de emergência devem se adaptar a um mundo em que, a cada segundo, duas pessoas celebram o 60º aniversário. "O complicador da história é que esses profissionais estão enfrentando pressão para que reduzam suas pensões", diz. Funcionários públicos contra governo. Trabalhadores contra patrões, enfim.

Quem sofrerá e quem se beneficiará com 1 bilhão de idosos daqui a dez anos?

Ted C. Fishman - Um mundo de idosos implica enormes desafios em diferentes frentes. O envelhecimento da população se propalou por dois motivos: o prolongamento da vida em si e o fato de muitas famílias serem menores do que há uma ou duas gerações. Se continuarmos construindo redes de seguridade social nos moldes dos anos 1930, 50 ou 80, os países irão à bancarrota e todos os cidadãos vão sofrer. E, se não encontrarmos maneiras de cuidar do crescente e imenso grupo de pessoas que não tem filhos, então centenas de milhões no mundo se encontrarão sozinhos e isolados quando mais velhos. Acho, no entanto, que o aspecto mais importante de um mundo envelhecido é que o benefício é maior que o sofrimento. O fato de as pessoas estarem morrendo mais tarde significa que a humanidade está ganhando o maior tesouro de todos: mais vida. É o que sempre desejamos, desde que começamos a misturar ervas em tigelas e conversar com espíritos nas árvores. O economista Robert Fogel, Nobel de Economia, destacou que por 7 mil gerações não houve grandes alterações na longevidade. Isso começou a mudar a partir do século passado, e agora as pessoas normalmente vivem 40 anos mais. Isso é maravilhoso.

Mas ainda não alterou o tom pejorativo que cerca a palavra 'velho'.

Ted C. Fishman - "Velho" é uma expressão escorregadia, usada de forma diversa pelas diferentes culturas. Quando se pergunta a um americano com quantos anos ele se sente, ele geralmente se dá 15 anos a menos que a idade, porque a valorização da juventude é muito alta aqui. Já um japonês responde com dez anos a mais, porque eles veneram a velhice e sentem que, com ela, ganham sabedoria. Há também uma divergência sobre quem é velho ou não no trabalho e fora dele. Quando empregadores e estatísticos tratam de trabalhadores mais velhos, tendem a pensar naqueles com mais de 50. Mas, na maioria dos estilos de vida, os 50 anos se encaixam na meia-idade. Claro que, se você joga futebol ou precisa dar um sprint na Olimpíada, ter 30 anos é muito. Mas, se aspira a ser papa, ainda é jovem de tudo.

Como preparar nossa sociedade para mais idosos e menos carrinhos de bebê?

Ted C. Fishman - Um caminho é melhorar o condicionamento físico para que os mais velhos continuem ágeis. Além disso, com pessoas vivendo tanto, teremos que redesenhar o espaço físico das nossas comunidades para torná-las mais acessíveis. Em Shock of Gray eu descrevo um lugar em Tóquio chamado Sugamo, algo como a Broadway ou os Champs-Élysées, só que dirigido à faixa dos septuagenários. A maior parte dos consumidores exibe uma forma física notável e consegue se divertir muito. Para tanto, as ruas se tornaram mais "suaves", de tal forma que bengalas e andadores não se enrosquem nas calçadas, por exemplo. Os vendedores das lojas também foram treinados para lidar com uma clientela que tem dificuldade para ouvir e para enxergar de perto e que, às vezes, também parece um pouco desorientada. O transporte público é essencial em lugares assim, e criar meios de locomoção que os idosos possam usar confortavelmente e em segurança é essencial para ajudá-los no acesso os serviços e à interação social de que precisam para se manterem saudáveis e felizes. Obviamente, esses são benefícios que também atendem os pais com carrinhos de bebê. Ajustes que criam tensão entre gerações são aqueles que desviam recursos dos jovens, como dinheiro para a educação, para os mais velhos, como investimentos no sistema de saúde. Os orçamentos públicos terão de pesar prioridades para gerações que estão décadas distantes uma da outra.

A medicina convencional sabe como tratar os idosos?

Ted C. Fishman - Sim, os avanços na medicina são um ingrediente chave para a longevidade. Ainda assim, pessoas mais velhas podem sofrer de tratamento excessivo. Em geral, sintomas que parecem estar relacionados à idade são, na verdade, resultado da sobreposição de medicamentos. Um bom geriatra muitas vezes começa o tratamento de uma pessoa de idade tirando todos os remédios que ela vem tomando até então.

Estamos mais próximos da imortalidade? Ou mais perto de um infinito controle de doenças crônicas?

Ted C. Fishman - Nem uma coisa, nem outra. Mas, se você vai frequentemente a consultórios médicos, sabe que leva uma eternidade para ser atendido.

No Brasil, que tem cerca de 23,5 milhões de idosos, a previdência é identificada como o principal problema decorrente do envelhecimento da população. O processo todo foi pensado como se fôssemos viver, no máximo, até os 70. Como isso se dá nos EUA?

Ted C. Fishman - Nos EUA, pesquisas mostram que a insegurança quanto à aposentadoria é o grande medo dos americanos. O tema é tão complicado que os políticos evitam discuti-lo, então se prorroga o problema ad infinitum.

Ao mesmo tempo, mais da metade dos mais velhos no Brasil sustenta a família.

Ted C. Fishman - Existe uma grande desconexão em relação à forma como os recursos são transferidos entre as gerações. Na maior parte dos países industrializados, pensões e custos com o sistema de saúde transferem recursos dos trabalhadores mais jovens para os mais velhos e dependentes. No entanto, no seio das famílias, a transferência se dá dos mais velhos para os mais novos. Uma das razões para as pessoas estarem tão preocupadas quanto à previdência social, a ponto de sair às ruas para protestar a respeito, é que desejam o dinheiro para contribuir com a saúde e a educação dos netos. Uma vantagem das famílias menores, com uma ou duas crianças, é que o dinheiro dos pais e dos avós pode ser direcionado para uma educação mais completa, em vez de uma educação parcial para quatro, cinco ou seis crianças. É um gasto privado que ajuda os países a desenvolver seu capital humano.

Você afirma no livro que o envelhecimento da população mundial pode acelerar a globalização. Como isso acontece?

Ted C. Fishman - O envelhecimento acelera a globalização porque os empregos e o dinheiro investido migram para os países mais jovens, nos quais a mão de obra é barata e as populações rurais ainda estão indo para as cidades. Uma vez que essa migração se dê, o tamanho das famílias passa a diminuir, as crianças têm uma educação melhor, mulheres podem frequentar as escolas e conseguir melhores empregos e o valor do mercado e da mão de obra local crescem. A partir daí aquele país promissor começa a procurar lugares nos quais investir e conseguir mão de obra mais barata, e o ciclo inteiro se repete. Nesse sentido, um mundo envelhecido é um mundo mais próspero.

Nas suas pesquisas anteriores, a Espanha lidava com um contingente grande de imigrantes, entre eles muitos equatorianos que trabalhavam justamente como curadores de idosos e desguarneciam seu país de mão de obra jovem. Como está essa realidade agora, após a crise econômica?

Ted C. Fishman - A economia da Espanha se enfraqueceu muito desde aquelas minhas reportagens de dois anos atrás. O marcante é o desejo de permanência desses imigrantes, que hoje chegam a 5,5 milhões de estrangeiros residentes no país. Apesar das altas taxas de desemprego, o salário que um equatoriano receberia em um ano de trabalho na sua terra natal corresponde a dois meses na Espanha. Ou seja, eles preferem ficar por lá, apesar de o governador equatoriano ter criado o Welcome Home Program, chamando de volta a população jovem.

Um desafio da China é chegar à riqueza o mais rápido possível, antes que os seniores emperrem o crescimento. Os chineses vão ter sucesso nisso?

Ted C. Fishman - Devido à política do filho único, a China é hoje o país que envelhece mais rapidamente, mas ainda não é um país velho. Pelo contrário: está no ponto ideal do seu período de bônus demográfico. Os chineses também estão muito preocupados em educar a nova geração de trabalhadores para tirá-los dos escalões inferiores de trabalho. Acredito que, para centenas de milhões de chineses, essa fórmula funcionará e suas famílias serão capazes de se sustentar sozinhas ao longo das gerações. No entanto, para outras centenas de milhares essas mudanças não ocorrerão rápido o suficiente e seu futuro será marcado por pobreza e isolamento. É um cenário bem misto.

Está prevista sua vinda ao Brasil na semana que vem para um simpósio de economia global. O que já sabe do País quanto a sua demografia?

Ted C. Fishman - O que sei é que o Brasil pode tirar vantagem do tão famoso "dividendo demográfico". É quando o número de nascimentos está diminuindo ao mesmo tempo que a população de jovens está chegando ao seu clímax e seus pais ainda continuam saudáveis. Juntas, essas tendências significam que o país tem muitas pessoas em idade produtiva e relativamente poucas pessoas dependentes, sejam crianças ou idosos. Para muitas nações, isso simboliza o período de máximo crescimento. Em geral acontece uma única vez. O Brasil pode capitalizar isso ou então desperdiçar a oportunidade por causa da corrupção generalizada e do planejamento econômico politicamente popular, porém instável. Mas acho que não é de forma alguma o pior caso - e ainda pode vir a ser um dos mais bem-sucedidos.

Qual foi a história mais interessante que ouviu entre tantas que pesquisou para o seu livro?

Ted C. Fishman - Gostei da história de Sarasota, na Flórida, demograficamente a mais idosa do país. Ela se tornou um centro de inovação em serviços para as pessoas mais velhas. É como um Vale do Silício para um mundo em envelhecimento. A região é um ímã para aposentados ricos, que muitas vezes vivem em mansões ou condomínios de luxo e ali permanecem até não poderem mais gerenciar a casa. Quando isso acontece, eles se mudam para uma comunidade de aposentados que se assemelha a um hotel 4 estrelas. Mas, por Sarasota ser uma comunidade agradável à beira-mar, agrada a ricos e pobres. Muitos vivem em pequenas casas, outros em barracas ilegais na periferia da cidade. É uma comunidade maravilhosa, onde as pessoas mais velhas procuram ficar ativas e se engajar culturalmente. Mas há também tristeza lá. Muitas mulheres em cadeiras de rodas contam com a caridade para sobreviver. Gastaram a maior parte do seu dinheiro e de sua força física cuidando de um marido doente, que agora está morto.

Shock of Gray foi publicado há dois anos. Que capítulos você acrescentaria a uma nova edição?

Ted C. Fishman - Eu acrescentaria mais dados sobre a América Latina, vista como um bastião da juventude, mas que está envelhecendo mais rapidamente que os EUA, por exemplo.

E como está sua mãe? Viajando?

Ted C. Fishman - Minha mãe acaba de voltar da Índia, para onde foi pela primeira vez, e sozinha. Ela fará 85 anos em janeiro.