quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Vácuo florestal - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 20/09

Há mais de 12 anos parlamentares identificados com a produção agropecuária tentam abrandar as regras de preservação contidas no código florestal. Conseguiram muita coisa desde então, mas sua maior vitória tem sido impedir o país de aprovar uma legislação moderna sobre a questão.

O Brasil precisa de um código atualizado, capaz de conciliar a realidade do campo -seria descabido exigir o reflorestamento de áreas desmatadas há décadas ou séculos- com os benefícios ambientais da maior floresta tropical da Terra. Da mata dependem a sobrevivência de milhares de espécies e a regularidade de chuvas e rios que irrigam a lavoura.

Após concessões de parte a parte, a disputa se sedimentou na faixa de proteção ao longo de rios e riachos. O Congresso finalizou em abril, na Câmara, e contra a orientação do Planalto, um texto que reduzia para até 15 m a recomposição obrigatória nessas áreas de preservação permanente (APPs).

A presidente Dilma Rousseff vetou vários artigos da lei, para evitar o que considera uma anistia para desmatadores. Por medida provisória, recompôs o acordo que havia sido obtido no Senado, alargando a faixa de restauração mínima.

No último lance da longa queda de braço da chamada bancada ruralista com a Presidência, já na análise da MP nº 571/12, os deputados reincidem na redução -para 15 m em propriedades médias e 20 m nas maiores. Pior: abrem uma brecha para replantar APPs com árvores de frutas não nativas (monocultura de laranjeiras, por exemplo), o que aniquila o princípio de recomposição da mata original.

A legislação segue para o Senado, onde precisa ser aprovada como está, e nos próximos dias. Do contrário, vencerá o prazo legal, que termina em 8 de outubro.

A saída que resta ao Planalto é, mais uma vez, aplicar um veto parcial ao texto dos parlamentares. Mas isso criará um vácuo legal para médias e grandes propriedades rurais, que ficarão sem regra para a recomposição obrigatória nas margens de rios.

Não está claro se, após recorrer ao veto, a presidente Dilma reconstituiria a norma por meio de nova medida provisória (o que reabriria a caixa de Pandora no Congresso) ou se o faria por decreto (com o risco de suscitar ações na Justiça).

Tamanha insegurança jurídica é ruim para todos, inclusive para proprietários. Chegou a hora de ruralistas cederem na intransigência.

Um juiz que não se dobrou - PEDRO DUTRA


O GLOBO - 20/09


O poder é o poder” bradava o gaúcho Silveira Martins no Senado, ao início da República. Crua, mas exata, a expressão sintetiza a cultura política nativa: o poder político qualifica-se a si próprio, e o seu alcance é ditado pelo seu exercício. Ou seja, só o poder é poderoso, pois entre nós ele não deriva, plenamente como deveria, das instituições criadas para enformá-lo juridicamente, as quais assim acabam por servi-lo e ao seu titular, que o maneja desabridamente.

O poder não é o poder, essa a síntese, inversa, proposta por Rui Barbosa àquela altura: o poder, protestava, é a obediência à Lei. O poder deriva da Lei, porque a Lei emana da vontade popular, e ela é expressa e formulada em assem-bleias livres. Esse processo, dizia, era a grande conquista da cultura política moderna, que ele queria para a nascente república brasileira.

À investidura de Floriano Peixoto na Presidência sucedendo a Deodoro, em 1891, seguiu-se o protesto de 13 oficiais generais por uma nova eleição, como determinava a constituição. Floriano respondeu com a reforma de todos eles, a prisão de senadores, deputados e a demissão de professores universitários que aderiram ao protesto. Rui requereu habeas corpus para 46 dos presos e foi à tribuna do Supremo Tribunal Federal defender a sua concessão.

O julgamento desses habeas corpus é um dos momentos mais nobres da advocacia e um dos mais baixos do Judiciário no Brasil.

Floriano fez chegar aos magistrados a pergunta, rude e sinistra, se eles imaginavam quem a eles daria habeas corpus no dia seguinte à decisão procedente ao pedido patrocinado por Rui.

O Supremo acovardou-se. E os habeas corpus foram negados. Mas houve um juiz que não se dobrou, e concedeu a ordem de habeas corpus. Rui não regateou, pela imprensa, a homenagem devida a Piza e Almeida, vendo "naquele homem modesto... a inquebrantabilidade da coragem moral’! E fulminou os demais juízes do Supremo, ajoelhados ao poder presidencial: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pila-tos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."

O sóbrio juiz Celso de Mello reverenciou a linhagem de Piza e Almeida ao citar Rui. E o exemplo, vivo e atual, desse grande advogado permite ao Brasil hoje distinguir, e reafirmar a sua escolha, entre duas repúblicas: ou a de Flo-riano Peixoto, ou a de Rui Barbosa.

Governo prepara reforma na CLT, por Luis Nassif


Desde o ano passado, a área econômica do governo optou pela estratégia do fatiamento das decisões de política econômica. Em vez de um projeto amplo, desonerando a folha de pagamentos, por exemplo, avanço cauteloso em alguns setores, para analisar impactos na arrecadação. O mesmo no sistema de alíquotas de importação. Depois disso, avanços maiores, mas sempre gradativos.
Fatiando há mais condições de discutir detalhes da operação e de conferir maior velocidade política aos projetos, explica Nelson Barbosa, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda.
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Há dois conjuntos de medidas em pauta: as de competitividade e as de investimento.
No primeiro grupo, o próximo passo será a discussão de uma reforma na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que vigora desde 1942.
Foi montado um grupo de estudos, para discutir proposta apresentada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a chamada proposta “chão de fábrica”.
Hoje em dia, se sindicatos patronal e de trabalhadores fecham um acordo, há risco de ser embargado pela Justiça do Trabalho por ferir procedimentos previstos na CLT.
Nos próximos meses, o grupo irá conhecer os modelos alemão e chinês e, até o final do ano, será enviado um projeto de lei ao Congresso tratando especificamente dessa flexibilização dos acordos e de novos instrumentos de garantia de emprego.
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Para se ter uma ideia de como novos conceitos levam tempo para amadurecer, em 1988 organizei um seminário sobre esses acordos, tendo como palestrante Fernando Henrique Cardoso, autor de uma lei formalizando a distribuição  de lucros.
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Além da CLT, o grupo de medidas de competitividade, inclui também a redução da conta de luz e a desoneração da folha de um grupo expressivo de setores da economia – que começou a vigorar em agosto.
Completam o quadro estudos visando racionalizar o Pis-Cofins, que passará a incidir sobre o chamado valor adicionado (isto é sobre o valor de venda do produto, descontado o que se pagou ao longo da cadeia produtiva).
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No campo dos investimentos, além do pacote de concessões de aeroportos e licitações de campos de petróleo, há um conjunto de medidas visando redirecionar a poupança nacional.
Uma delas, será reduzir gradativamente o peso dos títulos selicados (corrigidos pela Taxa Selic) da carteira dos fundos de aposentadoria fechados e abertos. Além de reduzir os títulos, pretende-se impedir que a Selic seja utilizada como indexador de performance de fundos. Outra medida será a desoneração dos FIDC (Fundos de Investimento em Direito Creditório), abrindo outras possibilidades de acesso a crédito por parte das empresas.
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Haverá um tempo para que os fundos de pensão de adaptem às novas regras. Depois, para atender às necessidades de rentabilidade, terão que partir para o mercado de capitais e demais alternativas de renda variável.
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Na opinião de Nelson Barbosa, no terceiro e quarto trimestre o PIB já estará rodando a 1% ao trimestre. Até meados de 2013, expurgado o primeiro semestre de 2012 do cálculo anual, o PIB poderá registrar de 4 a 4,5% de crescimento.