terça-feira, 30 de março de 2010

Cana – Safra 2010

Por Arnaldo Jardim*

As colheitadeiras e cortadores avançam sobre os canaviais, as moendas retiram o caldo da cana, as caldeiras começam a produção de etanol, de açúcar e de bioeletricidade que devem alimentar postos de combustíveis, gôndolas, redes de transmissão de energia elétrica e pelos portos ganhar o mundo.

Começa mais uma safra na região Sudeste, em meio a grandes expectativas de expansão nos mercados, interno e externo, uma crescente concentração no setor sucroenergético, com fusões e aquisições, e reestruturação financeira, após quase dois anos de preços retraídos.

Por isso, urge a necessidade de contarmos com um melhor planejamento, estabilidade e previsibilidade da produção, no sentido de atendermos a atual demanda, evitarmos grandes oscilações de preços e começarmos a pavimentar o caminho rumo à liderança mundial no setor de biocombustíveis.

A decisão da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA de considerar o etanol produzido a partir da cana um combustível avançado – que reduz a emissão de dióxido de carbono em mais de 40% na comparação com a gasolina – derruba uma das principais barreiras não tarifárias à entrada do etanol brasileiro no mercado americano e, pode representar, ainda, a abertura do mercado global. Trata-se do resultado de um formidável trabalho que a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) tem desempenhando junto ao Congresso e Governo norte-americanos. Hoje, o Brasil exporta 1,5 bilhões de litros para os EUA, até 2022, este volume pode saltar para 15 bilhões de litros.

Cada vez mais, o segmento de mercadorias e futuros da BM&F Bovespa é utilizado como referência de preço e demanda para commodities agrícolas, deixando de lado o papel da bolsa como plataforma auxiliar de escoamento de produção do agronegócio. Por isso, a bolsa brasileira prepara o lançamento de um novo contrato de etanol, trocando a entrega física por liquidação financeira, para enfim, fazer esta operação decolar.

Participei, recentemente, da Convenção Latino Americana do Projeto de Sustentabilidade Global dos Biocombustíveis (GSB), que reuniu especialistas nacionais e estrangeiros. Na ocasião, o Prof. Dr. Lee Lynd, presidente do Comitê Diretor da entidade, foi taxativo: o Brasil tem condições de ser o primeiro a produzir comercialmente o etanol celulósico e se tornar líder neste mercado.

O fracasso da reunião das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP 15 pode ter, momentaneamente, refreado o entusiasmo de alguns quanto o estabelecimento de um mercado global de biocombustíveis, mas a realidade é cristalina: produzimos o combustível renovável mais competitivo e ambientalmente correto do mundo, temos experiência de quase 40 anos na produção e uso em larga escala, dispomos de terras abundantes (principalmente pastagens degradadas) e clima propício, além de dominarmos a melhor tecnologia de produção.

Não é por acaso, que estamos observando um grande processo de concentração, inclusive, com grandes empresas estrangeiras adquirindo unidades produtoras ou estabelecendo joint-ventures. Aproveitaram-se da crise que abateu o setor sucroenergético, em 2007, com a queda drástica nos preços do açúcar e do etanol, e foi aprofundada com a recente crise global. Com isso, houve redução de investimentos previstos e falta de liquidez para honrar os compromissos com fornecedores, tradings e agentes financeiros.

O Governo até acenou com a possibilidade de utilizar a Petrobras para barrar a “invasão” estrangeira, mas esqueceu-se de oferecer condições para que as empresas de pequeno e médio porte possam sobreviver e competir neste mercado. O BNDES poderia dispor de linhas de financiamento específicas para fortalecer o capital de giro e estruturar empresas deste porte.

Diante deste quadro, fica evidente que as demandas ficaram mais complexas, pois o setor sucroenergético se tornou estratégico para o País. Por isso, o Legislativo terá um papel fundamental na elaboração e aprovação de propostas que sejam capazes de alicerçar o crescimento sustentável desta atividade econômica.

Cientes de que estamos falando de uma atividade privada, é fundamental sermos capazes de compatibilizar seus interesses com os interesses do Estado. Defendo a definição do papel estratégico da bioeletricidade e do etanol na matriz energética. Para tanto, defendo a formação de uma Secretaria Nacional para o Desenvolvimento das Energia Renováveis, órgão que estaria ligado diretamente à Presidência da República, com a participação de toda a cadeia produtiva. Hoje, estas questões se dispersam em vários ministérios e secretárias, com diferentes linhas de abordagem, interesses e grau de atuação.

Entre suas atribuições, destaco a elaboração de um marco regulatório específico para os biocombustíveis, capaz de melhorar o planejamento, assegurar estabilidade e a previsibilidade na produção. Para tanto, defendo as seguintes propostas:

– Fortalecer as comercializadoras e rever a atual estrutura de comercialização que penaliza o produtor;

– Estabelecer um tratamento tributário diferenciado para os biocombustíveis, com: alíquota nacional de ICMS; IPI diferenciado; uso da CIDE como imposto ambiental e regulatório;

– Definir as responsabilidades quanto ao transporte e a logística, fortalecendo parcerias entre governo e iniciativa privada (ex.: PPPs) para viabilizar a construção de alcooldutos, hidrovias e ferrovias. Segundo a ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness, demonstram que o custo para transportar o etanol por tudo chega a 30% do valor total feito por caminhão, que hoje corresponde a 10% do custo final da produção;

– Garantir a warrentagem como um instrumento anual, com recursos orçamentários garantindos. A elevação brusca, por mais que saibamos a razão (alta incidência de chuvas, sobra de cana e proço aviltante, no meio do ano, que impulsionaram o consumo), o fato é que isto provocou um desgaste da imagem do produto e estão sendo feitas tratativas junto, ao Ministério de Fazenda, que precisam avançar;

– Estabelecer uma estratégia de comercialização internacional dos biocombustíveis nas diferentes esferas de discussões internacionais;

– O estabelecimento da bioeletricidade como fonte energética prioritária em complementariedade à energia hídrica, a partir da garantia de compra, da realização de leilões de energia nova voltados para a bioeletricidade, de ampliação das linhas de financiamento, de isenções fiscais para a substituição e compra de maquinário visando à criação de excedentes para a rede pública, além de assegurar a conexão do empreendimento com a rede de distribuição. Está previsto um leilão de energia nova para o próximo mês de abril, mas há necessidade de que outros sejam realizados, assegurando a premissa de complementariedade, além da necessidade de incorporar no preço as demandas da energia oriunda da biomassa.

Também é preciso saldar a disposição do poder público, do setor produtivo e dos trabalhadores de se anteciparem as novas exigências socioambientais, a partir do estabelecimento de um grande pacto nacional. Este envolve a melhoria das condições de trabalho e estímulo a requalificação profissional; a antecipação do prazo para o uso da queima na colheita; o zoneamento ecológico; e a ampliação dos investimentos em inovação e pesquisa; além de aumentar a participação da bioletricidade nos leilões de energia nova.

Ninguém discute as excelentes perspectivas para o nosso setor sucroenergético, afinal temos as melhores condições geográficas, climáticas, culturais, econômicas e tecnológicas. Portanto, o papel do Brasil pode ser – e será – extraordinário e estamos nos preparando para isto.

Entretanto, para que as expectativas de mercado se confirmem, empresas, governos e o setor produtivo precisam estar atentos para as novas exigências de um mercado em formação: comercialização eficiente, respeito às normas socioambientais e investimentos permanentes em pesquisa e desenvolvimento.

Precisamos fazer valer o futuro promissor para o setor sucroenergético que se tornou um orgulho nacional e uma referência para o mundo de que é possível gerar energia de maneira limpa, eficiente e renovável.

Deputado Arnaldo Jardim – membro da Comissão de Minas e Energia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal.

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