domingo, 2 de outubro de 2016

O dilema da saúde - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 30/09

SÃO PAULO - Existem situações em que o administrador público sempre perde. O caso clássico é o do bebê doente que precisa de um remédio de alto custo não coberto pelo sistema de saúde. Se o gestor segue as regras e nega o tratamento, será visto como um monstro insensível à dor da família. Se, por outro lado, ele autoriza a compra do fármaco, será censurado por ter agido de forma antirrepublicana, passando por cima dos interesses de um número muito maior de pacientes que não padecem de moléstias midiáticas.

É bem esse o dilema dos ministros do STF que julgam a chamada judicialização da saúde. Serão criticados por qualquer decisão que tomem. Ou estarão privando alguns doentes com nome, rosto e história do direito à saúde, ou estarão agindo de forma fiscalmente irresponsável, o que, ao fim e ao cabo, também resulta em subtrair direitos vitais a um um conjunto anônimo de pacientes.

O fato de não haver como o tomador da decisão ficar bem na foto não significa que não exista uma decisão certa. Por mais difícil que seja fazê-lo, agentes que atuam em nome do Estado precisam despir-se de todas as emoções e preferências e pautar suas escolhas pelo princípio utilitarista do "maior bem para o maior número de pessoas", permanecendo deliberadamente cegos para a identidade dos indivíduos envolvidos.

Na prática, penso que os ministros precisam, sim, limitar a possibilidade de pacientes conseguirem na Justiça acesso a tratamentos não previstos no SUS, que deve permanecer universal, isto é, prestando os atendimentos a todos, sejam eles ricos ou pobres. O que os magistrados poderiam cobrar do Ministério da Saúde é que desenvolva um mecanismo para avaliar rapidamente a incorporação de novos medicamentos e terapias ao SUS, segundo critérios transparentes de custo e benefício. Existe hoje toda uma família de ferramentas estatísticas, como Qaly, Daly e Haly, que ajudam nessas decisões.

O ex-futuro presidente ideal - NELSON MOTTA




O GLOBO - 30/09


Palocci trocou, duas vezes, por dinheiro e por mulheres, a chance de mudar a História do Brasil


Do início do governo Lula até o mensalão, me tornei um grande admirador de Antonio Palocci, imaginava que ele poderia suceder Lula em 2006, estava disposto não só a votar como a fazer campanha para ele. Em contraste com a grossura e a bravataria de Lula, ele era sóbrio e eficiente, de uma discreta simpatia interiorana, habilíssimo em negociações políticas e na condução da economia, um moderado moderno, inteligente e competente, com prestígio politico, experiência administrativa e credibilidade com o empresariado e com todos os partidos. O presidente ideal, que muita gente, até quem não gostava do PT, sonhava. Uma espécie de síntese dialética de Lula e FHC.

Palocci falava, e pensava, com clareza e precisão desconhecidas por Dilma, apesar da língua presa, que não impediu Lula de ser presidente e Cazuza um popstar. É melhor que língua solta e rabo preso.

Como leitor de romances, fiquei fascinado com o escândalo da “casa dos prazeres” da turma de Ribeirão Preto, regado a garotas bonitas e bons negócios, mas, como eleitor, fiquei arrasado quando Palocci caiu. Não porque estava roubando, fraudando licitações ou arrecadando dinheiro para o partido, pensava-se, caiu por medo da mulher, do que teria que dizer em casa, “pela família”. E perdeu a chance de ser candidato a presidente, com apoio até de parte da oposição.

Para piorar, foi vítima da delação de seu aliado Rogério Buratti, a quem havia recomendado entusiasticamente uma das garotas da casa. Buratti gostou tanto que se apaixonou e rompeu um casamento de 20 anos para se casar com ela. E ficou com ódio eterno de Palocci ...rsrs.

Estava liquidado. Mas não, ele foi decisivo para a eleição de Dilma, ganhou poder e autoridade, e era uma esperança de competência e sensatez na Casa Civil. Poderia ter minimizado os desatinos de Dilma e talvez impedido a grande gastança e a contabilidade criativa. E se credenciado para sucedê-la.

Mas não, preferiu faturar 20 milhões de reais com consultorias duvidosas. Trocou, duas vezes, por dinheiro e por mulheres, a chance de mudar a História do Brasil. E acabou preso. Que história !

O valor do eleitor, Opinião Estadao


Há muito tempo os brasileiros comuns pouco ou nada se identificam com a política
02 Outubro 2016 | 03h01
Há muito tempo os brasileiros comuns pouco ou nada se identificam com a política. Para a maioria dos cidadãos, a política é coisa distante, dos políticos profissionais, geralmente mais empenhados em atender a seus interesses do que aos do País. De grande parte dos candidatos o eleitor nem lembra o nome depois de votar, porque deduz que o sufragado também esquecerá de quem nele votou assim que assumir o cargo. Logo, o ato de votar não é senão uma tediosa obrigação, deixando de servir como o elo fundamental entre o eleitor e o eleito, razão de ser de uma democracia representativa. Talvez por esse motivo tão poucos cidadãos até agora se dispuseram, nesta eleição, a doar dinheiro para a campanha de algum candidato. Afinal, não se estabelece da noite para o dia um vínculo que só existe e se solidifica quando o eleitor se convence de que seu candidato fará jus ao voto recebido, na forma de atitudes políticas e de projetos que representem os legítimos anseios da população.
Esse divórcio entre eleitores e políticos ficou suficientemente claro em levantamento publicado recentemente pelo Estado, que revelou que apenas 229 mil pessoas, ou 0,16% do total do eleitorado nacional, decidiram bancar algum candidato. O número de doadores é cerca de metade do número de postulantes a cargos eletivos, o que basta para mostrar a indisposição dos eleitores de colocar a mão no bolso para ajudar seus candidatos.
Sendo esta a primeira eleição em que o financiamento das campanhas não pode ser feito por empresas, trata-se de um dado muito relevante: afinal, espera-se que, na impossibilidade de arrecadar recursos de pessoas jurídicas, os partidos e seus candidatos consigam dinheiro daqueles que pretendem representar – não mais as empresas, como era até agora, mas sim os cidadãos.
No entanto, o baixíssimo número de doadores, que denota o fracasso dos candidatos na tarefa de convencer os eleitores a lhes dar recursos, obrigou os partidos a recorrer ao Fundo Partidário, que deveria se chamar “bolsa partido”, pois financia com verba pública legendas que não têm voto. Ademais, apenas 1% dos doadores responde por quase um quarto das doações, o que indica forte concentração – os maiores doadores são empresários e políticos abonados, que decerto pretendem ter algum tipo de influência direta sobre os candidatos que generosamente bancaram. Por fim, a Justiça Eleitoral identificou doações de R$ 16 milhões por parte de beneficiários do Bolsa Família, o que indica algum tipo de fraude – ou os bolsistas não sabiam que estavam fazendo a doação ou o CPF dos beneficiários está sendo usado para legalizar doações feitas por meio de caixa 2. Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, tal situação “deixa uma nuvem não muito transparente sobre esse modelo de doação”.
Ou por ingenuidade ou por ter tido seus interesses contrariados, decerto haverá quem veja em toda essa situação a prova de que é preciso restabelecer o financiamento empresarial, desmoralizando o sistema que restringe as doações às pessoas físicas. Não é por outra razão que há intensa mobilização no Congresso, envolvendo inclusive o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para restabelecer as doações eleitorais de empresas. “O financiamento de campanha é um assunto que vai ser reaberto. Essa questão estava mais ou menos pacificada antes da eleição, mas o processo vai reabrir o tema”, disse o senador José Agripino Maia (RN), presidente do DEM.
Trata-se de uma falsa questão. As eventuais fraudes na arrecadação de recursos de pessoas físicas nem se comparam com o modelo corrupto envolvendo empresas, partidos e políticos que vigorava até pouco tempo atrás e que, uma vez exposto, levou à proibição das doações de pessoas jurídicas. Não se pode permitir que oportunistas se apeguem a esses casos, ou mesmo à dificuldade de arrecadar recursos de pessoas físicas, para justificar o restabelecimento do antigo sistema de financiamento eleitoral – aquele que transformou a política em um clube fechado, no qual só entram os políticos profissionais e seus poderosos financiadores, deixando de fora o próprio eleitor.