quarta-feira, 3 de junho de 2015

Quem recebe até três salários mínimos é quem mais paga impostos no Brasil (noticia do ano passado)


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SÃO PAULO – Mais de 79% da população brasileira, que recebe até três salários mínimos por mês, contribui com 53% da arrecadação tributária total no País. Na última terça-feira (12), o Brasil chegou à marca de R$ 1 trilhão em impostos arrecadados em 2014.
Segundo cálculos feitos pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), 7,6% da população cujo rendimento mensal fica entre 5 e 10 salários mínimos responde por 16% do total arrecadado.
Outros 20 milhões de pessoas (10,14%) que recebem de 3 a 5 salários mínimos são responsáveis por 12,5% do total de tributos arrecadados.
Confira abaixo:
Arrecadação do R$ 1 trilhão por faixa de renda
 
Faixa salarialPopulaçãoImpostos pagosQuantia
Fonte: IBPT
Até 3 salários mínimos79,02%R$ 537.937.743.190,6653,79%
De 3 a 5 salários mínimos10,14%R$ 126.459.143.968,8712,65%
De 5 a 10 salários mínimos7,60%R$ 166.342.412.451,3616,63%
De 10 a 20 salários mínimos2,40%R$ 96.303.501.945,539,63%
Mais de 20 salários mínimos0,84%R$ 72.957.198.443,587,30%

Consumo

Ao considerar os grupos de consumo, o IBPT concluiu que os gastos com habitação geram 42,43% do montante arrecadado aos cofres públicos; seguida por transporte (23,81%); alimentação (14,73%) e vestuário (5,34%).
As pessoas cuja renda supera 20 salários mínimos correspondem a 0,84% da população brasileira e geram R$ 73 bilhões do montante total, equivalentes a 7,3% da arrecadação.
De acordo com o presidente do Conselho Superior e coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, "o levantamento evidencia que o sistema tributário brasileiro é extremamente concentrado no consumo, fazendo com que a população de menor poder aquisitivo tenha um custo tributário muito elevado".
Veja os setores nos quais os contribuintes mais gastaram:
Arrecadação do R$ 1 Trilhão por Grupamentos de Consumo
 
Grupos de consumoArrecadaçãoQuantia
Fonte: IBPT
HabitaçãoR$ 424.300.000.00042,43%
TransporteR$ 238.100.000.00023,81%
AlimentaçãoR$ 147.300.000.00014,73%
VestuárioR$ 53.400.000.0005,34%
Assistência à saúdeR$ 47.300.000.0004,73%
Higiene e cuidados pessoaisR$ 23.800.000.0002,38%
EducaçãoR$ 20.800.000.0002,08%
Recreação e culturaR$ 10.900.000.0001,09%
Serviços pessoaisR$ 7.200.000.0000,72%
OutrosR$ 26.900.000.0002,69%

terça-feira, 2 de junho de 2015

Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos, livro - FFLCH, organizado por Marta Arretche

Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos

02 de junho de 2015

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP -A América Latina apresenta os mais elevados índices de desigualdade do mundo e o Brasil ainda está entre os países mais desiguais da América Latina. Porém as desigualdades, em várias áreas, vêm diminuindo consistentemente. São reduções gradativas. Não houve nenhum grande salto de superação das desigualdades concentrado em um momento específico, mas o processo, como um todo, está fortemente associado à reconstrução da democracia.
Esta é uma das conclusões do livro Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos, organizado por Marta Arretche, professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP. 
“O livro é o primeiro grande balanço feito nas ciências sociais que considera o Brasil como um todo, em todas as dimensões tidas como relevantes, ao longo de 50 anos de trajetória”, disse Arretche à Agência FAPESP. Uma equipe composta por 23 pesquisadores, de diversas áreas das ciências sociais (demografia, economia, sociologia e ciência política), realizou a síntese, a partir da sistematização de dados censitários.
“Contamos com a participação de professores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da University of Illinois at Urbana-Champaign, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e do CEM”, informou a organizadora.
O trabalho desses pesquisadores beneficiou-se de seis edições dos Censos Demográficos, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1960 a 2010. Ao longo desse meio século, o país apresentou configurações econômicas e políticas muito distintas: transição rural-urbana; industrialização, crescimento econômico acelerado e retração econômica; inflação e estabilidade monetária; autoritarismo e democracia.
Conforme destacou Arretche na apresentação da obra, o Brasil dos anos 1960 era um país rural, com três quartos de sua população funcionalmente analfabeta e esmagadoramente católica e um mercado de trabalho com amplo predomínio masculino. Confinadas no lar e com suas atividades restritas ao trabalho doméstico, as mulheres tinham em média seis filhos. A desigualdade entre brancos e não brancos começava no acesso aos bancos do ensino fundamental.
Um país altamente urbanizado
Em 2010, o Brasil já era um país altamente urbanizado, com 85% de seus habitantes vivendo em cidades. Entre os jovens, a conclusão do ensino básico tornara-se praticamente universal e 70% deles completavam oito anos de estudo. O analfabetismo funcional, restrito então a 20% da população economicamente ativa, concentrava-se entre os mais velhos. Em uma sociedade cada vez mais plural em termos religiosos, ter filhos passara a ser uma escolha, as mulheres haviam-se tornado maioria no contingente universitário e deixara de haver diferenças entre profissões tipicamente masculinas ou femininas.
Entre um marco cronológico e outro, a taxa de mortalidade infantil caiu de 69 para 16 por 1.000 nascidos vivos e a esperança de vida subiu de 62 para 73 anos. O acesso muito maior ao ensino médio e superior exerceu grande impacto no funcionamento do mercado de trabalho e na participação política.
Segundo cálculo realizado pelos autores do livro, com base nos dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (PNADs), do IBGE, o pico da desigualdade de renda no Brasil ocorreu em 1989, final do governo Sarney, quando o piso da renda dos 5% mais ricos correspondia a 79 vezes o teto da renda dos 5% mais pobres. “Desde então, essa razão vem apresentando queda sistemática. Em 2012, ano em que a série atingiu seu patamar mais baixo, ela era de 36 vezes”, afirmou Arretche.
Desigualdade de renda
O estudo mostrou que as desigualdades de renda vêm caindo principalmente entre os 90% mais pobres. “A desigualdade entre os 10% mais ricos e os 90% mais pobres manteve-se praticamente estável. Mas, no conjunto dos 90% mais pobres, houve mudanças importantes. A extrema pobreza, definida por renda inferior a um quarto do salário mínimo, foi muitíssimo reduzida, basicamente por causa do programa Bolsa Família. Na década de 1990, os extremamente pobres compunham 38% da população. Hoje, são 5%. E, devido à política salarial, a pobreza também diminuiu”, contabilizou a pesquisadora.
Mas ela enfatizou que uma diferença de 36 vezes no patamar de renda ainda constitui uma desigualdade muito grande. Reconheceu, no entanto, que o desenho descendente da curva da desigualdade de renda no Brasil destoa da tendência observada no mundo desenvolvido. “Dados do The World Top Income Database indicam que, nos Estados Unidos, a participação dos 1% mais ricos na renda nacional (excluídos os ganhos de capital) cresceu de 12,2% para 19,3% entre 1991 e 2012. No mesmo período, esse indicador passou de 10% para 15,4% no Reino Unido, e de 5% para 7,1% na Suécia, considerada um exemplo de democracia avançada.”
Por importante que seja a variável renda, ela não é superdimensionada no livro. “Até agora, os balanços das desigualdades no Brasil concentravam-se demais nas diferenças de renda, destacando menos outras dimensões relevantes. Fizemos um balanço multidimensional, contemplando, além da renda, dimensões como mercado de trabalho, educação, acesso a serviços, desigualdades de gênero, desigualdades de cor, desigualdades territoriais, participação política etc. Foi um trabalho empiricamente muito robusto”, disse.
Nesse amplo leque de variáveis, o tratamento dos dados confirmou que há desigualdades muito mais persistentes do que outras. É o caso daquelas decorrentes da cor da pele. Em um país que muitos ainda acreditam ser uma “democracia racial”, a velocidade com que as mulheres diminuíram sua desigualdade em relação aos homens foi muito maior do que a velocidade com que os não brancos diminuíram sua desigualdade em relação aos brancos. “Se o mundo universitário na década de 1960 era um mundo branco e masculino, hoje ele é apenas branco. As mulheres superaram os homens, mas os brancos ainda compõem 75% da população universitária. Mais que isto, quando os não brancos entram no sistema de ensino superior, tendem a ingressar nas escolas que dão acesso às profissões de menor prestígio. A redução das desigualdades de cor no sistema escolar permaneceu restrita ao ensino fundamental”, comentou Arretche.
Políticas Públicas
De acordo com a pesquisadora, as políticas públicas têm desempenhado um papel central na redução das desigualdades. E não se trata da mera existência de políticas públicas, porque estas sempre existiram. Mas também de seu desenho. Um exemplo mencionado por ela é o da baixa desigualdade de participação política. Diferentemente de outros países, em que os pobres não participam do processo eleitoral, em que a participação eleitoral ocorre em desfavor dos pobres, no Brasil a participação dos pobres é alta. E a desigualdade entre as regiões no tocante à participação política é muito pequena.
“Poderíamos dizer, intuitivamente, que isso ocorre porque o voto inclui os analfabetos e é obrigatório. Mas estas não são as principais razões. As principais razões são algumas decisões dos tribunais eleitorais em relação às regras de participação”, afirmou. “Por exemplo, nos Estados Unidos e na Itália, o eleitor tem que se registrar para cada eleição. Além disso, as eleições ocorrem em dia de trabalho. No Brasil, o título de eleitor permite participar em várias eleições. E as eleições sempre ocorrem em domingos ou feriados. Parece pouco, mas esses fatores foram muito importantes para aumentar a participação. Mais do que as grandes decisões, são, às vezes, os pequenos detalhes que contribuem para a diminuição da desigualdade.”
Mas, se algumas melhorias são, por assim dizer, territórios conquistados ou ganhos estruturais, outras podem ser ainda abaladas por flutuações conjunturais. “A queda das desigualdades é resultado de muitos mecanismos, que se combinam no tempo”, explicou Arretche. “Um desses mecanismos diz respeito à demografia. Uma das razões importantes da histórica desigualdade no Brasil é que tínhamos abundância de mão de obra barata e de baixa qualificação. Isso mudou, porque a taxa de fertilidade mudou e o acesso à educação aumentou. Desses dois fatores, o primeiro pode ser considerado irreversível. Dificilmente voltaremos ao padrão de fertilidade que tivemos até a década de 1980. Mas não há garantia de que o acesso à educação continue aumentando. Nos Estados Unidos, por exemplo, aconteceu o contrário. Os estudos mostram que, lá, os patamares educacionais caíram de 1970 para cá.”
É claro que essa comparação precisa ser matizada, porque, nos Estados Unidos, o grande diferencial é o acesso ao ensino superior, ao passo que o Brasil apenas acabou de universalizar o ensino fundamental. “Mas, dependendo da conjuntura, existe o risco de ficarmos paralisados nisso. A trajetória de longo prazo das desigualdades no Brasil revela que não há determinismo – econômico ou político – nesse processo. Políticas importam! Mais que isso: deslocamentos nos padrões de desigualdade requerem políticas implementadas por um longo período de tempo”, concluiu.
O livro será lançado em seminário no Centro de Estudos da Metrópole, em 2 de junho de 2015, das 9 às 18 horas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Prédio da Filosofia e das Ciências Sociais, Sala 14, na Avenida Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária, São Paulo.
O evento é aberto a todos, sem necessidade de inscrição prévia.
Mais informações: www.fflch.usp.br/centrodametropole.
Ficha
Título: Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos
Organizadora: Marta Arretche
Editora: Editora Unesp
Ano: 2015
Páginas: 489
Preço: R$ 69 
 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

O império do senso comum, por Chico alencar

Os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora
O senso comum, nesta encruzilhada de nossa história, foi erigido como medida inquestionável de uma série de decisões que afetam a vida nacional. Na Câmara dos Deputados, a onda conservadora afoga todos na superficialidade da percepção dos fenômenos sociais.
Assim, a violência estrutural e a sensação de insegurança passam a ter como solução o encarceramento de jovens em regime prisional para adultos --de onde advêm 70% de reincidência criminal-- e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, na perigosa linha do "cada cidadão uma arma".
A perspectiva do desemprego é "enfrentada" com a precarização geral do trabalho e quase irrestrita das terceirizações. A necessidade da produção de alimentos e commodities pelo agronegócio ameaça ainda mais os direitos dos povos nativos, desconhecendo-se que cada km² de terra indígena emite 25% menos CO2 que outras terras agricultáveis na própria Amazônia.
À saudável diversidade da convivência amorosa --com novas formas de coabitação solidária-- é oposto o modelo único da família tradicional, como se fora dela não existisse salvação.
Aos escândalos que se sucedem, a serem enfrentados com investigação rigorosa e transparência, é preceituado o remédio do moralismo individualista, como se tudo fosse uma questão de transferir virtudes privadas --véu de hipocrisia?-- para o âmbito da instância pública.
Também no plano da política institucional o método arcaico impera: no lugar de uma reforma política, implementam-se medidas tópicas contra a política. O povo a repudia? Pois reduzamos suas oportunidades de debate e escolha, com pleitos apenas quinquenais, para todos os cargos da República.
A corrupção atinge a todas as grandes siglas, revelando a perda total de fronteiras entre o público e o privado? Constitucionalize-se a doação de empresas para os partidos, e só a partir deles para as campanhas, como se isso as tornasse mais limpas e austeras.
A ideia de partido está degradada? Então que se garanta na lei o triunfo do indivíduo, da personalidade ungida pelo voto, como defendida pelos proponentes do distritão, sistema que elege para a função pública só os mais votados.
Há pequenos partidos, alguns "de aluguel", que se vendem? Que se imponham cláusulas para impedir seu direito de crescer, preservando os grandes que tantas vezes os compram e, não raro, são acometidos de nanismo moral.
As pseudossoluções galopantes da pequena política, os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora, do nosso aparato político reativo à democratização de base, direta e participativa, do esgotamento do arsenal de conciliações entre contrários que estão, cada vez mais, assemelhados.
Antonio Gramsci (1891-1937), em seus "Cadernos do Cárcere", denominou "interregno" esse tempo de incertezas que anuncia, entre sombras, um fim de ciclo. Trata-se do intervalo histórico em que o velho ainda não desapareceu totalmente e o novo ainda não se firmou.
A sofreguidão regressista, com mais espaço nesses tempos sem hegemonia clara, tenta cristalizar suas posições. Esses períodos trevosos, diz Gramsci, são propícios ao aparecimento de "sintomas mórbidos, fenômenos estranhos, criaturas monstruosas".
Nossa cena política contemporânea oferece vários personagens com essas características nefastas.
A história é um contínuo de transformações. O desafio da hora presente, frente ao império do senso comum e seus monarcas do atraso, é dar um novo significado ao bom senso republicano da igualdade, da democracia e da ética social.
CHICO ALENCAR, 65, professor de história, é deputado federal pelo Rio de Janeiro e líder do PSOL