segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Economia do Brasil não está tão ruim como pensam, diz criador do BRIC

O futuro econômico do Brasil é melhor do que o clima atual indica e o crescimento pode voltar ao patamar de 4% ao ano, opina o economista britânico Jim O'Neill, ex-executivo do banco de investimentos Goldman Sachs e conhecido por ter criado a sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para englobar as principais economias emergentes.
O tom otimista da palestra de O'Neill, nesta sexta-feira, em um congresso da BM&FBovespa em Campos do Jordão (SP), contrastou com a percepção predominante entre analistas brasileiros de que o crescimento do PIB – de 1,5% no segundo trimestre – não resultará em uma retomada econômica mais robusta.
"Suspeito que o futuro (do Brasil) não seja tão sombrio quanto o que tenho ouvido aqui", disse o economista, alegando que a média de crescimento do país é hoje superior à do início da década passada, quando criou o acrônimo BRIC. "O Brasil está melhor, e não pior."
Ele diz que o país tem apresentado indicadores melhores no que chama de "nota de ambiente de crescimento" - como estabilidade política, expectativa de vida, índices de corrupção e até uso de computadores e smartphones.
O economista diz ainda que o comércio sul-sul (realizado sobretudo entre países emergentes) está próximo de alcançar o comércio norte-norte (entre os países desenvolvidos).
"(Mas) para o Brasil melhorar precisa de mais investimentos do setor privado. É preciso aumentar a oferta (econômica), mas não com mais gastos do governo, e sim com o governo saindo do caminho e facilitando a iniciativa privada", declarou.
'E o país precisa ser parte maior da economia global – o país ainda é visto como muito fechado e precisa se relacionar mais com os demais 7 bilhões de pessoas do mundo."

China

A fala de O'Neill ocorre no momento em que países ricos, como os EUA, apresentam sinais de recuperação, enquanto emergentes – até recentemente fortes motores da economia global – vivem uma desaceleração.
A China, em especial, deixou de crescer a taxas de dois dígitos e tem como meta para 2013 crescer 7,5%.
O'Neill, porém, diz acreditar que o governo chinês escolheu crescer a taxas mais baixas para se manter sustentável.
"E esses 7,5% são equivalentes a um crescimento de 3,75% na economia dos EUA, porque seu impacto econômico está cada vez maior."
O'Neill ressalva que não adianta países emergentes como o Brasil tentarem repetir as taxas de crescimento econômico chinesas – algo, segundo ele, só permitido pela situação demográfica da China, país mais populoso do mundo.

BRIC e câmbio

Questionado a respeito do anúncio do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que os BRICS (incluindo a África do Sul) trabalham na criação de um banco de desenvolvimento conjunto, O'Neill disse que até agora o grupo de emergentes "falou muito mas não fez nada juntos politicamente".
"Não é fácil fazer coisas juntos quando se é tão diferente entre si. O fato de terem concordado nisso é muito interessante".
Quanto à desvalorização do real – que ocorre ao mesmo tempo em que outras moedas internacionais perdem força perante o dólar -, O'Neill vê a flutuação como natural e até positiva para o Brasil.
"Mas se querem reduzir sua volatilidade (à moeda americana), têm de aumentar o uso de sua própria moeda no comércio mundial."

domingo, 1 de setembro de 2013

Quando imagens falam alto - DORRIT HARAZIM


O GLOBO - 01/09

Por mera associação visual de imagem, o flagrante de Fortaleza trouxe à mente uma foto — essa sim, icônica — captada em Little Rock, no estado do Arkansas, 56 anos atrás



É sempre imprevisível o desdobramento que pode ter na vida de uma pessoa até então desconhecida o fato de ter sido fotografada, por acaso, no lugar errado e na hora errada. Ou no lugar certo e na hora certa. A História está coalhada desse tipo de instantâneo que transforma o protagonista em símbolo de algo maior do que ele.

Nesta linha, vale esmiuçar uma foto estampada na primeira página da “Folha de S.Paulo” desta terça-feira. Ela mostrava, em primeiríssimo plano, um homem de estatura forte e fisionomia tensa. Sua linguagem corporal era defensiva. Mantinha o olhar fixo em algum ponto morto, talvez para evitar contato visual com a hostilidade à sua volta. Sua alegre camisa xadrez amarela parecia destoar do ambiente carregado.

Era negro, cubano e médico.

No flagrante captado pelo fotógrafo, ele recebia apupos de duas mulheres que estreitavam sua passagem. Brancas, ainda jovens e de fino trato, destacavam-se pelos jalecos. Faziam parte de um grupo de médicos cearenses. Com as mãos em torno da boca para ampliar o eco das ofensas, xingavam o cubano em coro com outros só parcialmente enquadrados. Eram o retrato da intolerância.

Como foi fartamente noticiado, o episódio ocorreu em Fortaleza, no fim do primeiro dia de treinamento dos 96 recém-desembarcados estrangeiros (79 dos quais cubanos) do programa Mais Médicos. No Ceará, onde 701 dos municípios foram preteridos por profissionais brasileiros, o Sindicato dos Médicos estadual decidira protestar contra a contratação de cubanos e cercara a Escola de Saúde Pública da cidade, onde se realizava o curso. Houve tumulto, empurra-empurra, ovo voando.

Ao fim da aula inaugural, os cubanos, assustados, se viram cercados e obrigados a passar por um corredor humano de colegas de profissão brasileiros que os vaiavam e chamavam de “escravos”, “incompetentes”. Palavras de ordem como “Voltem para a senzala” foram entoadas contra os estranhos ao ninho.

Por mera associação visual de imagem, o flagrante de Fortaleza trouxe à mente uma foto — essa sim, icônica — captada em Little Rock, no estado do Arkansas, 56 anos atrás. Ela transformou o rosto de uma adolescente de 15 anos na imagem do ódio racial nos Estados Unidos e fez da fisionomia da outra adolescente retratada a face da tenacidade negra. À época, nenhuma das duas jovens americanas sequer notou o instante em que o fotógrafo do “Arkansas Democrat” virou suas vidas pelo avesso.

Foi no dia 4 de setembro de 1957, seis anos antes de o pastor Martin Luther King levar para Washington seu célebre discurso-sonho de uma América menos desigual. Elizabeth Eckford era uma adolescente reservada. Estava entre os nove alunos negros de Little Rock selecionados para cumprir a ordem judicial de integração racial na cidade. Mas se perdeu do seu grupo e precisou marchar sozinha em direção ao portão principal da melhor escola local, até então reservada a alunos brancos.

À sua frente, teve a passagem barrada por soldados armados da Guarda Nacional. Às suas costas, uma pequena multidão começou a lhe lançar xingamentos. “”Vamos linchá-la”, “Dá o fora, macaca”. Uma senhorinha branca a quem pediu ajuda lhe cuspiu no rosto.

Ao tentar sair dali sem correr, como lhe ensinara a mãe, teve um séquito de jovens no seu encalço, além de três adolescentes coladas no calcanhar.

Quando o flash do fotógrafo disparou, uma das três entoava o bordão “Vai pra casa, nigger. Volta para a Africa”. Era Hazel Bryan, de 15 anos, esbelta, coquete e popular aluna do colégio segregado. A foto captou-a de olhos e sobrancelhas franzidos e de boca aberta contorcida pela raiva. E, em primeiro plano, via-se a estudante negra Elizabeth, de vestido de algodão branco, apertando um fichário e um livro contra o peito. Prosseguia sua caminhada de cabeça erguida, com o medo escondido atrás de óculos escuros.

Por mero acaso e apesar da pouca idade, ambas foram assim catapultadas para a História — Hazel como o retrato do ódio racial, Elizabeth, o da determinação — e tiveram o resto de suas vidas marcado por aquele instantâneo.

O flagrante do episódio cearense difere em quase tudo do caso que entrou para a história dos direitos civis americanos como “Os Nove de Little Rock” — na natureza, no significado, na dimensão, na consequência. Aproximam-se apenas por humanizarem de forma indelével, para o bem ou para o mal, um noticiário até então sem rosto.

No caso de Little Rock, as duas protagonistas eram meninas que repetiram em público o que aprenderam em casa. No caso de Fortaleza, são todos adultos — o cubano negro, assustado, mais tarde identificado como Juan Delgado, de 49 anos, que já trabalhou quatro anos no Haiti — e as duas médicas brasileiras retratadas aos apupos. Olhando pelo retrovisor, talvez preferissem ter ficado fora da foto. Ou do foco.

Em tempo: segundo dados do Censo de 2010, somente 1,5% dos médicos brasileiros se autodenomina negro e 13,4% se autoclassificam como pardos. Já no cômputo geral dos agora mais de 200 milhões de cidadãos brasileiros, contudo, 50,7% se autodeclaram pretos ou pardos.





Aborto e objeção de consciência - ELIZABETH KIPMAN CERQUEIRA


GAZETA DO POVO - PR - 01/09

Recentemente, na novela Amor à Vida, um médico se negou a atender uma paciente que chegou ao hospital em estado de choque após ter provocado um aborto ilegal, alegando que isso iria contra sua consciência. No entanto, a cena misturou dois conceitos, omissão de socorro e objeção de consciência, com o risco de o espectador não perceber a diferença entre as duas situações. Por isso, é preciso fazer observações importantíssimas sobre esta questão apresentada com frequência pela mídia.

O médico tem obrigação ética de prestar socorro a qualquer pessoa em risco de morte ou em situação de emergência; portanto, não existe o recurso da objeção de consciência diante de uma mulher em situação de risco após tentativa de aborto, não importa como ele tenha sido realizado. Isso é completamente diferente de afirmar que um médico é obrigado a realizar um aborto. Neste caso, é-lhe assegurado o direito de objeção de consciência.

Assim, o que houve na novela não corresponde à realidade dos hospitais: negar-se a salvar uma vida em risco iminente é uma infração grave, diferente da objeção de consciência. Inclusive nem é preciso haver uma lei sobre omissão de socorro, porque isso já está no Código de Ética Médica. Entretanto, algumas leis atuais no Brasil têm, na verdade, o objetivo de forçar a liberação do aborto, alegando não existir direito à objeção de consciência para instituições e para o médico nestes casos, porque a mulher correria risco se procurasse um aborto ilegal.

Porém, consideremos: uma pessoa que quiser amputar sua própria mão sem ser por motivo de saúde não pode ser auxiliada pelo médico, que sofrerá severa punição se o fizer – apesar do risco que esta pessoa corre se insistir em fazer o ato de forma insegura. Mas, quando existe a ameaça da realização de um aborto provocado, o médico seria obrigado a fazê-lo? Para dizer que sim é preciso negar a existência de um ser vivo humano em gestação. É preciso negar a humanidade daquele que se quer eliminar.

Uma única morte materna devida ao aborto provocado deve ser lamentada, mas esta não é uma das principais causas de morte de mulheres no Brasil. Dados oficiais do Ministério da Saúde declaram que ocorrem em torno de 450 mil mortes do sexo feminino ao ano. Destas, 66.400 são mulheres em idade fértil, sobretudo devido a doenças do aparelho circulatório e a tumores malignos. O número de mortes após o aborto desde 1996 variou entre 115 e 169 casos por ano, sendo que uma grande parte nada tem a ver com o aborto clandestino, mas com patologias diversas da gestação.

Entre as 450 mil mortes femininas anuais, existem causas graves e evitáveis que matam maior número de mulheres no Brasil – essas, sim, são uma verdadeira questão de saúde pública. O fato de que o aborto é praticado, gerando internações e gastos públicos, também não é argumento, porque a experiência em outros países mostra que a liberação aumenta o seu número, bem como as internações por outros problemas de saúde da mulher no curto, médio e longo prazo; além disso, uma contravenção não deve ser liberada apenas porque é praticada.

O recurso à objeção de consciência é exigência do regime democrático, garantindo ao cidadão o direito de não participar de ato criminoso ou que esteja contra seus princípios. Assim como é dever de consciência oferecer informações verdadeiras à população, sem distorção do significado das palavras e atitudes.