sexta-feira, 28 de junho de 2013

Slogans em protestos revelam consumismo e alienação, diz FT

Em longo artigo assinado pela colunista Samantha Pearson, o jornal britânicoFinancial Times examina a adoção de slogans publicitários pelos manifestantes que vêm tomando as ruas de diversas cidades brasileiras no último mês.
A publicação lembra que o uso de motes de campanhas em protestos não é uma novidade em protestos em todo o planeta.
"Mas os manifestantes no Brasil tomaram um caminho incomum, usando os populares slogans para defender causas não relacionadas (aos slogans). É um sinal, dizem sociólogos, de excessivo consumismo e alienação política", observa o FT.
Ao se referir às frases "O gigante acordou", extraída da campanha do uísque Johnny Walker, e "Vem pra rua, vem", dos anúncios da Fiat, o FT diz que os slogans se converteram em "um dos poucos elementos a unificar os direferentes grupos que tomaram as ruas de mais de 100 cidades no Brasil este mês".
"Sem esforço, a italiana Fiat e a britânica Diageo, dona da marca de uísque Jonnhy Walker, se tornaram patrocinadores não oficiais dos maiores protestos no Brasil desde o movimento pelo impeachment de Fernando Collor de Melo, em 1992".
"Mas a publicidade gratuita vale a pena?", questiona a publicação, antes de afirmar que no fim das contas as empresas acabam vendo suas marcas conectadas a protestos pacíficos mas também a vandalismo e saques.
No caso da Fiat, destaca o jornal, a prioridade dada pelo governo ao transporte individual particular - e não ao coletivo - é parte da origem dos protestos, originados pelo aumento das tarifas de transporte público.
O professor de mídia da Universidade de São Paulo Dennis de Oliveira explicou o fenômeno ao FT.
"Muitos dos manifestantes não têm qualquer conexão com partidos políticos, então eles tomam emprestadas expressões do mundo no qual eles estão imersos- e nos últimos anos este tem sido o mundo do consumo", diz o acadêmico.
"Depois de uma década de alto crescimento econômico, não surpreende a adoção de slogans" que, além de ajudar a traduzir "o desencanto com o sistema político", "são também uma expressão do mal-estar do modelo de desenvolvimento baseado no consumo", sublinha o jornal, ao citar a avaliação do professor da Fundação Getúlio Vargas Rafael Alcadipani.
"Carros, máquinas de lavar, e TV de plasma não são mais suficientes: Brasileiros querem melhores serviços públicos e governo", conclui oFinancial Times.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Compromisso Ambiental, por Arnaldo Jardim


26/06/2013 - Ao participar do Fórum Mundial de Meio Ambiente, em Foz do Iguaçú no Paraná, evento promovido pelo LIDE – Grupo de Líderes Empresariais, falei PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), pude expor minhas considerações como relator do Projeto de Lei 792/2007 que tramita na Câmara Federal sobre o assunto e dei meu testemunho sobre a importância de estabelecer no Brasil uma legislação para ordenar e promover essa moderna ferramenta do manejo e conservação ambiental.
Expliquei que o PSA insere-se entre os instrumentos de valoração econômica da biodiversidade e de desenvolvimento da economia verde. É uma estratégia complementar à legislação de comando e controle, de estímulo à implantação das ações de conservação. O pagamento por serviços ambientais incorpora o princípio do “protetor-recebedor”, ou seja, os que promovem ações direcionadas à conservação, em especial as atividades de restauração de ecossistemas degradados, devem ser ressarcidos financeiramente por essa atividade.
O fórum reuniu cerca de 400 empresários, pesquisadores e integrantes de organizações socioambientais para discutir ações relacionadas ao tema “2013: Ano Internacional da Cooperação pela Água”. Jean-Michel Cousteau, oceanógrafo, ambientalista, ecologista, educador, fundador e presidente da Ocean Futures Society, alertou que há apenas um sistema de água no mundo e todos dependem dele. “O momento é crítico. Precisamos encontrar soluções para proteger os seres vivos do planeta”, afirmou no painel “Serviços Ambientais dos Oceanos”.
Num mundo em que milhares de crianças morrem todos os dias por não terem acesso à água limpa e se paga mais por uma garrafa de água do que para colocar gasolina no carro, Cousteau vê boas oportunidades de negócios quando se gerencia o planeta da mesma forma como gerenciamos empresas. O Brasil, segundo ele, tem a oportunidade de ser o grande exemplo, o líder que poderá convencer outras nações a proteger o meio ambiente. E isso significa gerar negócios.
É interessante como esses encontros permitem compreender a maneira dos diversos sistemas políticos e econômicos regerem o planeta. Em sua palestra, o ativista e advogado especializado em direito ambiental Robert F. Kennedy Jr., filho do ex-senador norte-americano Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente dos EUA, John F. Kennedy e do ex-senador Ted Kennedy, deu um exemplo de como as decisões políticas podem atingir de forma danosa a soberania ambiental das nações. No regime de Pinochet, no Chile, o ditador “vendeu” todos os rios do país para a Endesa. A empresa foi vendida para investidores espanhóis e hoje especuladores estrangeiros são donos de toda água do Chile, segundo ele. O mesmo aconteceu com as florestas. Por isso Kennedy Jr. considera que a democracia naquele país não é real, falta autonomia dos chilenos sobre seus recursos naturais.
A ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva esteve também no fórum e observou que estamos vivendo uma crise civilizatória, que se constitui de múltiplas crises: social, econômica, ambiental, política e de valores. Mas considera que o Brasil reúne as melhores possibilidades para quebrar paradigmas: um país industrializado, com uma base de conhecimento tecnológico, detentor de 22% das espécies vivas do planeta, 11% da água doce do mundo e 45% de matriz energética limpa. Pode sim, segundo ela, realizar uma transformação de maneira produtiva, criativa e livre e elaborar novos projetos para o planeta.
Fundado em 2003, o LIDE é uma organização de caráter privado, que reúne empresários em nove países e quatro continentes. Atualmente tem 1.400 empresas filiadas, que representam 51% do PIB privado brasileiro. O objetivo do grupo é difundir e fortalecer os princípios éticos de governança corporativa no Brasil e no exterior, promover e incentivar as relações empresariais e sensibilizar o apoio privado para educação, sustentabilidade e programas comunitários. Sou testemunha da importância nucleadora desses grupos que se reúnem sobre a base de um diálogo democrático e plural.
No evento deste ano pude participar da produção de uma carta de intenções cuja íntegra pode ser lida – e deve ser divulgada – no endereço eletrônico: http://www.forummundialmeioambiente.com.br/popup_meio.asp. Destaco, entre outros importantes itens, a crescente escassez e poluição de recursos hídricos, vitais às grandes cidades, à produção agropecuária e à preservação da saúde humana e a alarmante situação da maior parte dos biomas, cuja degradação põe em risco o provimento de serviços ambientais essenciais para a prosperidade das sociedades humanas, incluindo tanto o crescimento econômico quanto a redução da pobreza e da desigualdade social.
Sai com a convicção reforçada de que podemos, e devemos ser vanguarda mundial na Economia Verde.

Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP - Membro da Comissão Mista Permanente do Congresso Nacional sobre Mudanças Climáticas

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O movimento que pareceu sair do nada - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 24/06

Há movimentos que saem do nada? Ninguém esperava que o Passe Livre mobilizasse assim a nação. Mas isso não significa que tais manifestações sejam um completo enigma. O que não se pode é prever se e quando se darão, nem quais serão seus resultados. Ou seja, não se sabe do seu antes nem do seu depois. Mas vou comentar o que se sabe delas.

Primeiro, este tipo de grande movimento que parece vir do nada começa com o maio de 68 francês, que é além disso o seu paradigma. No dia 15 de março daquele ano, o jornalista Pierre Viansson-Ponté lamentava que "a França [estivesse] entediada", conformista. Uma semana depois, a repressão a protestos contra a guerra do Vietnã e à entrada de rapazes nos quartos das alunas da Universidade de Nanterre detonava o movimento que, rapidamente, cresceu.

Esses movimentos vão bem além de suas causas imediatas. Estas se repetem dezenas de vezes, sem nada resultar. E de repente, a explosão. Que é um acontecimento muito maior que suas possíveis causas. Acontecimento, em inglês, é "happening"; ora, nas línguas latinas, desde os anos 1960 chamamos de "happening" uma grande festa, às vezes promovida por artistas, que tem as características de acontecer só uma vez, não tendo ensaios nem podendo ser repetida. Um acontecimento máximo, um acontecimento em estado puro. Daí, que esses eventos únicos sejam festas. Quem participou dos muitos movimentos de 1968 - na França, em Nova York ou na Califórnia, na Alemanha, na então Tchecoslováquia ou no Brasil - viveu esse clima de festa. Quem se manifestou pelas Diretas-Já em 1984 ou pelo impeachment de Collor, em 1992, festejou nas ruas. Daí, um tom de alegria. As pessoas descobrem que a política pode ser alegre.

Por isso, ocupam as ruas. A causa imediata das manifestações foi o transporte público de péssima qualidade, que impõe aos pobres o gasto de quatro a oito horas por dia para ir e vir do emprego - uma segunda jornada de trabalho, não paga em dinheiro e que onera a saúde física e mental dos trabalhadores. Mas vejam o simbolismo: estão falando do transporte, isto é, do movimento (e reclamando contra a lentidão, a falta de movimento). "A vida é movimento", dizia em 1651 o filósofo Thomas Hobbes. Estão reclamando da estagnação, que é morte, e clamando pela vida. Uma política que clame por causas ligadas à vida é coisa rara. Não é a política das instituições, não é a da governabilidade, não é a do Parlamento.

E assim a causa imediata funciona como um ímã. Ela atrai tudo o que seja "do bem". Os manifestantes lhe agregam a demanda pela saúde, pela educação e até pelas palavras de ordem que não são da ordem, mas da liberdade, como o célebre "é proibido proibir" do 68 francês, ou o "seja realista, exija o impossível". Tudo adquire as cores das grandes mudanças, daquelas que não aparecem no dia a dia, mas surgem como uma revelação, uma epifania, um momento em que se descobrem novas potencialidades para o mundo e para a vida com o outro, para o viver-juntos. Por isso mesmo, cintila sempre a perspectiva de que uma outra política, mais vital, é possível.

Nem tudo são flores. O Brasil padece de uma cultura política fragílima. Anos de pregação segundo a qual todos os nossos problemas decorrem da corrupção - convicção esta que é uma marca clara da ignorância política - fazem muitos acreditarem que o outro, aquele que discorda deles, não pode ser uma pessoa honesta. Muitos ignoram o que significam democracia e política, a saber: há divergências sérias na condução dos assuntos públicos, que cabe ao voto resolver, mas dentro do respeito ao outro. Chamar o outro de ladrão ou bandido é destituí-lo dos direitos políticos e considerá-lo criminoso. Isso não deveria acontecer, salvo exceções comprovadas de crimes cometidos, entre petistas e tucanos, entre republicanos e democratas, entre trabalhistas e tories. Mas acontece, no Brasil, com alarmante frequência. Daí que, quando as ruas se abrem para o imaginário, uma parte dele seja agressivo e violento. Cito um ativista do Passe Livre, que esteve dia 21 no debate que coordenei no Instituto de Estudos Avançados da USP: a direita e o crime, disse ele, estão hackeando nossos movimentos.

E o "day after"? A revelação de que você pode ocupar as ruas, de que por algumas horas pode tirá-las dos carros e fazer uma festa ali é tão poderosa que corre o risco de ser apenas uma catarse, uma pausa no meio de uma vida que antes e depois será conformista. Muitos manifestantes de 1968, das Diretas ou do impeachment lembram esses momentos como apenas uma festa, mas que em nada mudou suas vidas. Ganharam liberdade sexual, é tudo. Será uma pena se assim for. Epifanias devem mudar, sim, a vida de quem as tem. Você não pode ter uma revelação e não se converter... Que os políticos procurem conduzir "business as usual" é até compreensível, mas as pessoas que sentiram o gosto do diferente deveriam inseri-lo em suas vidas.

Isso, mesmo sabendo, o que é bastante amargo, que a curto prazo quem colhe os frutos não é quem os semeou. A Primavera Árabe, obra de jovens democratas, levou ao poder gente conservadora, como os extremistas da Tunísia e do Egito. Maio de 68 conduziu, em junho daquele ano, à vitória eleitoral da direita. Mas hoje ninguém lembra a direita francesa da época, e todos recordam os estudantes, os jovens, o mês de maio. A sociedade muda. E, assim como 1968 se deu em pelo menos três continentes, de 2011 para cá pode estar surgindo uma segunda onda dessas manifestações tão vitais: com a Espanha, países árabes, Turquia e Brasil, elas parecem estar-se espraiando pelo mundo. O que virá desta segunda onda?