segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

06-02-2009


Dr Gurgel. Foi-se o homem, começa o mito


A noção de nacionalismo e o sonho do carro nacional simples e prático baixaram de nível desde o início da semana. O eng João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, o dr Gurgel, passou. Libertou-se da longa doença que o desligou da realidade, da criatividade, do raciocínio claro.

Visionário, corajoso, tinha o estofo da criatividade e as laúreas de engenheiro mecânico e de pioneira pós graduação em engenharia automobilística. Seria solução mas era problema ao início da indústria do automóvel no Brasil. Havia pouco a engenheirar, pouca autonomia para criar. Deixou as multi nacionais do ramo, apostou na desconhecida fibra de vidro, material que descobriu ao estudar no General Motors Institute, nos EUA, acompanhando o desenvolvimento e construção do Corvette, construído neste material.

Independente, e com fé na fibra de vidro, foi fazer carrinhos motorizados para crianças, depois karts e, finalmente, como revendedor Volkswagen, os jipes Ipanema, montados sobre plataformas VW. Ao perceber que fazendeiros os utilizavam para aproveitar capacidade de vencer dificuldades graças à sua altura, deixou a concessão VW – coisa inimaginável àquele tempo – e foi criar jipes.

Desenvolveu o chassi resistente, revestido em fibra de vidro, dito Plasteel, com inacreditável garantia de 100 mil km, numa época em tal cobertura era de 6 meses. A expansão dos negócios levou-o a implantar fábrica. Quase foi para Brasília, mas escolheu Rio Claro, SP.

Fez muitos veículos e muito movimento. Foi a única montadora brasileira a expor em salões internacionais: Londres, Genebra, e em mercados pontuais como Bolívia e Colômbia. Dos 40 mil veículos produzidos, cerca de 25% foi exportados. 

Pioneiramente mandou-os a lugares então desconhecidos aos brasileiros: Aruba, Ilhas Mauricio, Seychelles. Onde houvesse areia e maresia, os Gurgel mantinham-se incólumes. 

Manteve a pesquisa em dia, criou o carro elétrico – desincentivado pelos governos; o Transtubo, sistema de alta velocidade para transporte urbano; a bateria tetrapolar, nacional, com autonomia superior às então existentes. Desenvolveu transmissão por polias – aprimorado, o sistema é empregado no Audi A6 e era no Honda Fit.

A noção prática norteava ações e sua indústria. Nela, por exemplo, a encomenda de uma peça metálica para reposição, não provocava a busca de um desenho técnico, várias pessoas, inúmeras providências. Era simples: um ferreiro pegava a peça matriz pendurada na parede e duas porradas, três furos e quatro soldas depois a cópia estava pronta para ser enviada ao cliente. Simples, prático e rápido. Para vender os Gurgel, à clientela governamental, ele mesmo os conduzia, usualmente apavorando os convidados, a sair da estrada e saltar morros e inclinações.

Mandão, fazia. Era difícil convencê-lo de alguma coisa diferente do que pensara. Para trabalhar com ele havia necessidade de infinda paciência. Para gente comum não servia, e não se pode esperar comportamento normal de gente acima do normal.

Entretanto, o pioneirismo, a coragem e a noção nacionalista foram menores que as forças maiores. Atrevido, projetou e construiu o motor do BR 800. Combatia o programa do álcool com argumentos lógicos e cartesianos. Um deles, encerrou a audiência com executivo do Ministério de Minas e Energia: a área necessária ao plantio da cana, para produzir álcool e fazer um carro andar durante um ano, dá para produzir alimento para 50 pessoas. Foi o ano em que o Brasil importou grãos e, até, milho para ração animal. 

Tinha uma chácara perto da fábrica. A cerca era em arame liso. Como esticador, o arame soldado num parafuso. Uma porca dava tensão. Simples e distante das soluções usuais. Levava visitantes para tomar café, comer bolo, e olhar o panorama: uma barreira de cana verde oprimindo os limites da área. Um exemplo de como a lavoura de cana era mal administrada pelos governos, tomando áreas de produção de alimentos, em vez de fazer conquista sobre espaços não agricultados.

Com ele assisti à cena marcante: contratara o meu escritório para tentar reduzir o IPI incidente sobre seu carrinho, e viabilizá-lo. Eram 35%. Ele calculava que o BR 800 somente seria viável se pagasse 5%.  Que distância. 

Fizemos um arrazoado bem fundamentado, e avisei: “ Neste país que só recolhe impostos, abrir esta exceção, só com arma de grosso calibre. “ Prático, resolveu: “ Marca uma audiência com o Sarney. “ José Sarney era o político e literato na Presidência da República. Audiência concedida, o Dr Gurgel veio a Brasília e informou: “ Então, 15h45 na porta do Palácio “. E sumiu. 

Meu carro naqueles tempos pré celulares, era um Opala Diplomata  com telefone a rádio. Sem notícias, estacionei na área privativa do Planalto. Carro e ar ligados, esperei. À hora do encontro, chamou pelo telefone:

“ – Zé, é o João”.
“- Pois não Dr Gurgel, estamos em cima da hora “.

“ – Avisa para o Zé que não posso ir hoje. Marque para amanhã “.
“ – Dr Gurgel, o Zé é o Presidente da República. Não se desmarca encontro com Presidente da República, e nem ele terá agenda disponível, ao nosso gosto “.

“ – Você diz a ele que eu estou na Embaixada da União Soviética, numa conversa muito interessante sobre o motor Elko ( um motor capaz de queimar quase todo líquido combustível ).”

Subi ao terceiro andar com cara de lâmpada, de paisagem. Ao professor Antonio Alves, administrador da agenda do Presidente iniciei conversa sem graça, para a qual sorriu e perguntou: “ Nosso gênio não veio ? “

“ – Não, ligou pedindo desculpas, mas está nuns entendimentos de exportação para a União Soviética – projetei a conversa. “
“ – Quando ele pode vir ? Amanhã ?  “ ouvi, incrédulo.
 
Dia seguinte dediquei-me a não deixar o Dr. Gurgel só e com autonomia. À hora certa estávamos no gabinete presidencial.
Saudações, acomodações, fiz a introdução de praxe, criando o cenário para que o dr Gurgel explicasse e defendesse a proposta.

O presidente Sarney inverteu o cerimonial. Tratou-o com reverência palpável, sensível, como se recebesse o Einstein ou um prêmio Nobel. Ouviu interessado, com atenção, o tema tão distante da sua realidade e formação de intelectual das letras. Perguntou se aquilo realmente viabilizaria o sonho do carro brasileiro, e disse com calma: “ Pode deixar, vou resolver. “  

Nada de consultar, estudar, submeter a análises, formar um grupo de trabalho. Apenas resolver. E resolveu. 

A exclusividade durou pouco. Com o governo Collor a Fiat convenceu a extensão do benefício ao carro com motor 1.000. Era a única montadora a produzi-lo para exportação, e rapidamente colocou-o no mercado. Pagava um pouquinho mais de imposto, mas, como produto, o Uno era muito superior ao BR e ao sucessor Supermini. Logo vieram os 1.0 de outras marcas, afunilando o mercado para a Gurgel. 

Impossível concorrer com as grande multis no preço, tirou duas cartas da manga: o carro barato, o Delta, feito em placas de fibra e plástico, numa usina central para ser distribuído finalizado nos mercados terminais, criando inúmeras fabriquetas disseminadas pelo país. O Ceará garantiu apoios para ter a usina-mãe na cidade de Eusébio. 

A segunda carta era a construção das caixas de câmbio no Brasil. Independeria da indústria de auto-peças e o custo seria menor. Comprou a fábrica de transmissões do 2 CV Citroën, de produção recém finalizada, e levou-a para o Ceará. Pregava a industrialização do Nordeste para dar emprego aos locais.

Aí veio a sucessão de nãos. O Ceará desistiu, empréstimos não foram liberados. Greve na Receita Federal bloqueou a internação das transmissões então importadas da Argentina. 60 dias sem produzir e vender – mas suportando os custos da fábrica, e de empregados.

A desenfreada noção de nacionalidade levou-o a publicar carta aberta ao presidente Fernando Collor instando-o a “implodir o Proálcool”. No governo Itamar pediu empréstimo ao BNDES, garantindo com seu patrimônio pessoal. Quase tudo certo, o financiamento não saiu. 

Aí reuniram-se os fatores negativos e seus agentes: concordata, desentendimento e despreparo do Sindicato dos Metalúrgicos de Rio Claro, insensibilidade da Justiça. Enfim, um funil. Gurgel ainda tentou vender a fábrica e a idéia ao empresário Eike Batista, sem se fazer entender. Foi alcançado pelo maldito alemão.

Foi-se o dr Gurgel. Será sempre a referência da coragem do desafiar e do fazer, de dar cara nacional às soluções, de ter o raciocínio claro e prático. Neste país besta e sem projeto, quinto do mundo em produção, não há, sequer, acredite, um carro nacional. Todos são boas adequações de produtos estrangeiros, ideais para outros mercados, com outras estradas e condições.

Ficaram – nem se sabe se ainda estão por aí – os detratores anti nacionalistas, os criadores de dificuldades, os assessores engravatados e sem idéias, os políticos sem visão de estado ou futuro. Agora mito, o Dr. Gurgel gravita sobre estes indigentes mentais, anônimos, reles.

Como disse o Guinle, atuando membro do sítio www.simca.com.br, quando se fala em Tiradentes, alguém sabe o nome do seu carrasco ?

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

A arte de sonhar , por Nagib Anderaos Neto*

Qual mistério envolve a atividade artística quando o ser humano decide elevar-se sobre a mediocridade plana da vida rotineira para alçar-se em vôos cujas obras eternizam-se no plano físico transcendendo seus curtos anos de vida na Terra?Por que arte e cultura são tão celebradas?As crianças trazem consigo uma vocação natural para a arte que se vai apagando à medida que crescem e vão sendo influenciadas e sufocadas por este mundo cheio de idéias praticas permeadas pelas ânsias da produção, do trabalho, do lucro e da exploração.Com o tempo, o pequeno artista transforma-se num homem amargo, previsível e frustrado, numa jornada tão bem ilustrada pelo mito de Sisífo, resumida num trabalho rotineiro, inútil e sem esperança.Mas o espírito imanência de Deus no homem vinga-se da alma adulta nas noites eternas transformando o seu sono em espetáculos inesperados onde o pequeno artista renasce como autor e como ator, cumprindo o seu destino naquele palco metafísico chamado sonho.A criança eterna de Caieiro está ali a apontar a direção de um grande destino do qual aquele ser infeliz se desviou: ser um criador de si mesmo, escultor da própria imagem, pintor do próprio destino e escritor de sua história.A matéria inextricável e confusa de pensamentos desconexos que durante o dia se atropelavam naquela mente desorganizada, à noite integram-se em personagens assustadores que se enredam em pesadelos terríveis ou compõem idílicas e eufônicas passagens que perduram na recordação como reminiscências inefáveis.Durante o sonho, a criança vem cobrar o seu destino e reafirmar que existe e que gostaria de estar presente na vigília, este outro sonho misterioso e inescrutável.Diz-nos Borges em A Rosa Profunda (O Sonho, 93) que dessa região imersa resgato restos que não consigo compreender: ervas de singela botânica, animais um pouco diferentes, diálogos com os mortos, rostos que na verdade são máscaras, palavras de linguagem muito antigas e às vezes um horror incomparável ao que nos pode conceder o dia.Quantas vezes assustados emergimos de um pesadelo sufocante e nos dizemos aliviados: Era apenas um sonho! E quantas outras, em meio à vigília exasperante, perguntamo-nos se o que está nos acontecendo não seria um pesadelo.O pensador e humanista Gozález Pecotche escreveu no livro O Espírito: Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras preposições. Muitos pretenderam decifrá-los, dar-lhes um significado particular, muitos também teceram em torno deles fantásticas conjeturas, mas ninguém jamais expressou que é o espírito quem os provoca, em seu constante esforço por se fazer presente em nossa vida diária.A arte faz parte da vida do ser humano e é tão antiga quanto a civilização. A pictografia ancestral, como o pendor infantil para a comunicação através da arte, é a prova cabal de que o homem é diferente dos animais. O homem primitivo, além de caçar, comer, dormir e se reproduzir tinha a necessidade de se comunicar através da arte. Pode-se dizer que a comunicação é uma necessidade humana e que arte é algo mais que mero conjunto de regras ou habilidades para se fazer algo.É interessante observar como pintar, esculpir ou produzir um texto literário é um processo lento. O artista não pode ser impaciente e nem preguiçoso. Deus é paciência, diz a personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas.Quando vemos um quadro e os esboços feitos previamente pelo artista constatamos, muitas vezes, que a obra final pouco tem a ver com o esboço inicial; que no exercício da criação houve uma alteração dos rumos iniciais.A arte tem a ver com habilidades mentais e sensíveis que podem ser usadas para o bem ou para o mal, como os conhecimentos. Uma reflexão mais profunda sobre a beleza e a verdade nos levam à conclusão que ambas devam caminhar juntas no processo de criação, que não podem ser excludentes.Uma forma de arte revolucionária e pouco conhecida é a que vem sendo estudada e aplicada em centros avançados de estudos espalhados pelo mundo verdadeiras escolas de adiantamento mental e que consiste na criação do próprio artista, certamente a mais difícil de todas as artes: a arte de criar a si mesmo. É uma arte na qual o artista, o ser humano, cria a si mesmo deixando de ser o que é para chegar a ser algo melhor, maior, aperfeiçoado.É uma arte difícil por tratar-se de uma recriação pessoal. É uma obra para toda a vida onde o artista é instruído no sentido de reconhecer em si todos os seus defeitos e imperfeições e, inspirado no propósito de evoluir, poderá esculpir um novo ser humano tornando-se artífice de si mesmo.O cultivo dessa arte exige esforço, constância e observação. O artista deverá ser instruído, educado; e uma das primeiras lições consiste no aprendizado do querer ser melhor, aprender e evoluir.Inspirado na obra maior que é a própria Criação, o ser humano poderá transformar-se no autor e ator de seus próprios dias, dono de seu destino e artífice do futuro, dando um salto mortal por sobre tudo o que tem estreitado sua visão e endurecido o seu coração.Esta é uma arte com a qual podemos sonhar e realizar.

( * ) Engenheiro Civil e escritor com um livro publicado e centenas de artigos sobre literatura, logosofia, filosofia e desenvolvimento sustentável

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

o presente infindável


O presente infindável

Frei Betto *

Adital - No século XX, a arte cinematográfica introduziu um novo conceito de tempo. Não mais o conceito linear, histórico, que perpassa a Bíblia e, também, as obras de Aleijadinho ou Sagarana, de Guimarães Rosa. No filme, predomina a simultaneidade. Suprimem-se as barreiras entre tempo e espaço. O tempo adquire caráter espacial, e o espaço, temporal. No cinema, o olhar da câmara e do espectador passa, com toda a liberdade, do presente para o passado e, deste, para o futuro. Não há continuidade ininterrupta.
A TV, cujo advento ocorreu no fim da década de 1930, leva isso ao seu paroxismo. Frente à simultaneidade de tempos distintos, a única âncora é o aqui-e-agora do (tele)espectador. Não há durabilidade nem direção irreversível. A linha de fundo da historicidade - na qual se apóiam o relato bíblico e os paradigmas da modernidade, incluindo um de seus frutos diletos, a psicanálise - dilui-se no coquetel de eventos onde todos os tempos se fundem. Dercy Gonçalves está morta e, sobre sua tumba, os clipes a exibem viva, interpretando sua personagem irreverente e desbocada.


Aos poucos o horizonte histórico se apaga como as luzes de um palco após o espetáculo. A utopia sai de cena, o que permite aos filósofos da desgraça vaticinarem: "A história acabou". Ao contrário do que adverte Coélet, no Eclesiastes, não há mais tempo para construir e tempo para destruir; tempo para amar e tempo para odiar; tempo para fazer a guerra e tempo para estabelecer a paz. O tempo é agora. E nele se sobrepõem construção e destruição, amor e ódio, guerra e paz.A felicidade, que em si resulta de um projeto temporal, reduz-se então ao mero prazer instantâneo, epidérmico, derivado, de preferência, da dilatação do ego (poder, riqueza, fama etc.) e dos "toques" sensitivos (ótico, epidérmico, gustativo etc). A utopia é privatizada. Resume-se ao êxito pessoal. A vida já não se move por ideais nem se justifica pela nobreza das causas abraçadas. Basta ter acesso ao consumo que propicia valor e conforto: uma boa posição social, a casa na praia ou na montanha, o carro de luxo, o kit eletrônico de comunicações (telefone celular, computador etc.), as viagens de lazer. Uma ilha de prosperidade e paz imune às tribulações circundantes de um mundo movido à violência. O Céu na Terra - prometem a publicidade, o turismo, o novo equipamento eletrônico, o banco, o cartão de crédito etc.
Nem a fé escapa à subtração da temporalidade. O Reino de Deus deixa de situar-se "lá na frente" para ser esperado "lá em cima". Mero consolo subjetivo, a fé reduz-se à esperança de salvação individual.
Graças às novas tecnologias de comunicação, agora o tempo está confinado ao caráter subjetivo. Experimentá-lo é ter uma consciência tópica do presente. Se na Idade Média o sobrenatural banhava a atmosfera que se respirava e, no Iluminismo, a esperança de futuro justificava a fé no progresso, agora importa o presente imediato. Busca-se, avidamente, a sua perenização. Somos todos eternamente jovens, cultuamos o corpo como quem sorve o elixir da juventude. Morreremos todos saudáveis e esbeltos...
Pulverizam-se os projetos nesse tempo cíclico, onde no mesmo rio corre sempre a mesma água. Outrora, havia namoro, noivado e casamento. Agora, fica-se. Após anos de casado, pode-se voltar ao tempo de namoro e, de novo, ao de casado.
A destemporalização da existência alia-se à desculpabilização da consciência. Uma mesma pessoa vive diferentes experiências sem se perguntar por princípios éticos, políticos ou ideológicos. Não há pastores e bispos corruptos e utopias que resultaram em opressão? A TV não mostra o honesto de ontem pilhado na vigarice de hoje? O bandido não faz gestos humanitários? Onde a fronteira entre o bem e o mal, o certo e o errado, o passado e o futuro?
"Tudo que é sólido se desmancha no ar" irrespirável dessa pós-modernidade, cuja temporalidade fragmenta-se em cortes e dissolvências, close-ups e flash-backs, muitas nostalgias (vide a bossa nova) e poucas utopias.
Se há algo de positivo nessa simultaneidade, nesse aqui-e-agora, é a busca da interioridade. Do tempo místico como tempo absoluto. Tempo síntese/supressão de todos os tempos. Eis que irrompe a eternidade - eterna idade. Pura fruição. Onde a vida é terna.
Nas artes, música e poesia se aproximam, de modo exemplar, dessa simultaneidade que volatiliza o tempo, imprimindo-lhe caráter atemporal. Na música, nossos ouvidos captam apenas a articulação de umas poucas notas. No entanto, perdura na emoção a lembrança de todas as notas que já soaram antes. Em si, a melodia é inatingível, assim como o poema, uma sucessão rítmica de sílabas e palavras sutis. O que existe é a ressonância da nota e da palavra em nossa subjetividade. Então, a seqüência se instaura em nós. Não é o tempo fatiado em passado, presente e futuro. É o presente infindável. O tempo infinito. Como no amor, em que o cotidiano é apenas a marcação ordinária de uma inspiração extraordinária.