segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Mecanismo que reduz demanda por térmicas agrada indústria, e ONS prepara próximos leilões, FSP

 

São Paulo

O ONS (Operador Nacional do Sistema) concluiu na sexta-feira (31) a primeira experiência do Brasil com um leilão de resposta da demanda por disponibilidade. Nesse mecanismo, grandes consumidores de energia, como indústrias pesadas, ofertam a redução de suas cargas em determinados horários em troca de remunerações fixas.

De novembro a janeiro, três metalúrgicas (Gerdau, Maringá e Rima) se comprometeram a reduzir seus consumos de eletricidade quatro vezes por mês, das 18h às 22h. É nesse período em que se concentra a maior demanda por eletricidade no país e, como as usinas solares não conseguem gerar energia, o ONS precisa acionar termelétricas movidas a gás natural para atender a carga nacional.

Forno da CSN, em Volta Redonda
Forno da CSN, em Volta Redonda - Antônio Gaudério /Folhapress

Além de caro, porém, o gás natural é um combustível fóssil e o acionamento dessas usinas contribui para deixar o sistema elétrico brasileiro mais sujo. Essa situação se torna ainda mais crítica em períodos de seca, quando as hidrelétricas têm maior dificuldade para atender o consumo desse horário, conhecido como ponta do sistema.

O mecanismo encerrado na última sexta, aliás, foi organizado durante o período de seca do ano passado, quando o governo federal se preocupava com as consequências da falta de chuvas para o sistema elétrico. No início de outubro, o ONS correu para organizar um leilão em poucos dias para que empresas interessadas em participar do procedimento pudessem lançar suas ofertas.

Na ocasião, a Gerdau ofereceu 60 MW (megawatts) distribuídos em duas plantas, a Rima, 25 MW e a Maringá Ferro-Liga, 8 MW. Em troca, essas empresas receberam cerca de R$ 60 mil por MW, um deságio de 14% em relação ao teto do edital (formulado a partir do preço das térmicas).

Em tese, cada MWh (megawatt-hora) economizado pelas empresas custou ao sistema elétrico entre R$ 1.200 e R$ 1.300, mas a conta final ainda depende de outros cálculos a serem feitos pelo operador. O valor pago, tanto na resposta da demanda quanto na contratação de termelétricas, sai dos encargos embutidos na conta de energia de todos os consumidores. Assim, a primeira tende a ser financeiramente mais vantajosa para consumidores industriais e residenciais do que a segunda.

O ONS não divulga o número de interessados, mas é improvável que outras empresas tenham participado do certame, visto o baixo montante contratado —o edital previa que cada empresa poderia ofertar até 100 MW. A falta de tempo para divulgar o procedimento teria sido um dos fatores que restringiram o número de participantes, segundo um funcionário do operador.

Ainda assim, as empresas que participaram do procedimento aprovaram a dinâmica durante esses meses. À Folha, a Maringá elogiou a forma como o ONS divulgou as previsões de cortes de energia. O contrato entre as empresas e operador previa quatro cortes por mês, mas não estipulava em quais dias eles aconteceriam. Nesse caso, o operador tinha até as 23h do dia anterior para avisar sobre o despacho.

"Não tinha a data certa definida, mas a gente sabia quantas vezes ia ser despachado dentro do mês e por que período, e isso trouxe tranquilidade", diz Rogério Trizotti, gerente de manutenção, engenharia e energia da Maringá Ferro-Liga. "Além disso, toda sexta-feira a gente tinha reuniões para que o ONS apontasse as previsões dele para a semana seguinte", acrescenta.

Em alguns casos, a Maringá realocou o horário de manutenção de seus alto-fornos para o período em que o ONS precisava do corte de carga. Assim, a empresa conseguiu faturar inclusive em momentos em que naturalmente precisaria parar. Mas, como a indústria trabalha com a capacidade máxima durante todo o dia e essa correlação não foi feita em todos os intervalos, a produção da empresa diminuiu ao longo desses meses. É neste ponto que entra o cálculo sobre a vantajosidade da tarifa paga pelo ONS.

Já a Gerdau conseguiu realocar sua produção para demais plantas (o grupo tem 11 no Brasil). A empresa optou por deslocar o desligamento de um dos fornos que funde a sucata reciclada para a produção de aço.

"Normalmente há paradas de manutenção, e o grande desafio é conseguir encaixar essas paradas dentro da programação das usinas, de uma forma que funcione economicamente", afirma Marcos Prudente, gerente-geral de energia da Gerdau. "É lógico que isso tem um custo e demanda preparação, mas a partir dessa experiência e no momento em que o Brasil começa a avançar para esse caminho, a gente sempre avalia a participação nesse tipo de programa."

A Gerdau já participou de outras parcerias com o ONS, ainda que em um modelo com regras menos fixas do que o encerrado em janeiro. A siderúrgica também participa de projetos semelhantes no Canadá e nos Estados Unidos —o último é o país mais avançado nesse mecanismo e tem até consumidores residenciais em seu programa.

"No caso de demanda no varejo, o consumidor oferece para a empresa americana de energia a possibilidade de controlar o ar-condicionado dele. Então, se houver um problema na rede, a empresa de energia manda um sinal e imediatamente o compressor é cortado por três ou quatro minutos", explica Luiz Maurer, consultor nas áreas de energia e estratégia.

"No apagão de agosto de 2023, por exemplo, houve uma variação de tensão por alguns segundos, mas, se algumas grandes cargas já tivessem combinado com o ONS a possibilidade de desligar equipamentos, pode ser que aquele problema não tivesse um efeito cascata como teve", acrescenta.

O maior desafio para o ONS, porém, é garantir que, quando necessário, as empresas contratadas realmente reduzirão suas cargas. No leilão de outubro, segundo uma pessoa do ONS, o operador queria que as empresas que não respeitassem o contrato indenizassem o sistema. Mas, após resistência das indústrias, a penalidade foi alterada para 10% da receita.

Agora, a estratégia do ONS é criar laços de confiabilidade com as indústrias interessadas. Até por isso, o operador deve organizar mais dois leilões até o final de 2026, sendo que dessa vez o período a ser contratado pode ser mais longo.

Ainda assim, é improvável que a resposta da demanda consiga substituir grande parte das termelétricas em breve, seja devido ao lobby desse setor no Congresso (que aprovou a obrigatoriedade de contratação) ou porque o crescimento desse mecanismo é limitado à intenção das empresas em realocar suas produções. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que até 2034, as indústrias brasileiras oferecerão 2 GW (gigawatts) de sua carga. Já as térmicas, 35 GW.

Programa de reciclagem dá cashback e evita emissão de 4.700 toneladas de CO2, FSP

 

José Carlos Videira
São Paulo

O índice de reciclagem de resíduos sólidos no Brasil atingiu 8% no ano passado, segundo estudo da Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente). O indicador é baixo se comparado aos mais de 55% de reciclagem nos países da Europa ocidental.

Mas, a depender do exército de milhares de catadores que atua no país e de iniciativas que ajudam a criar o hábito da reciclagem, aos poucos, esse índice pode melhorar.

Casos como a da So+ma, startup brasileira que promove o descarte adequado de lixo reciclável, podem fazer a diferença. Criada em 2015, a empresa oferece uma espécie de cashback a quem leva a seus postos de coleta, batizados de Casa So+ma, materiais que iriam para o lixo.

Latinhas amassadas separadas para reciclagem
Latinhas amassadas separadas para reciclagem - Zanone Fraissat - 4.jul.2024/Folhapress

Por meio de um aplicativo, as pessoas conseguem saber no local quanto a sua contribuição representou em termos ecológicos e quanto acumulou de pontos. O resultado da ação pode ser trocado por descontos no comércio e em serviços oferecidos por parceiros da So+ma nas localidades onde atua, a depender da pontuação obtida, conforte quantidade e tipo de material.

Desde o lançamento do projeto, já foram recolhidos pela startup mais de 5 mil toneladas de materiais, entre plásticos, vidros, alumínio, papel e papelão. Segundo a empresa, esse volume contribuiu para evitar a liberação de mais de 4,7 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, além de promover a economia de água e de eletricidade para cerca de 600 mil pessoas por dia.

Hoje, cerca de 50 mil pessoas estão cadastradas no aplicativo para levar materiais a 18 Casas So+ma nas cidades de Salvador e Camaçari, na Bahia, e em Curitiba e Campo Largo, no Paraná. Montadas em contêineres de 6 a 12 metros quadrados, as estruturas têm um espaço de recepção e outro destinado ao armazenamento de materiais coletados.

Segundo a fundadora da So+ma, Cláudia Pires, todo o material recolhido é doado a cooperativas de catadores parceiras, cujo retorno da venda do material financia suas respectivas gestões e ainda garante renda às famílias cooperadas.

"A So+ma é remunerada pela gestão do programa em cada cidade, mediante parcerias com empresas", diz Cláudia. Ela antecipa que o projeto deve crescer em 2025, com mais nove postos de coleta em Salvador, juntando-se aos 11 já em operação na capital baiana.

Container amarelo com sinais vermelhos de soma da startup So+ma
So+ma, startup brasileira que promove o descarte adequado de lixo reciclável - Divulgação

Recolher tampinhas plásticas de garrafas que teriam como destino certo o meio ambiente é outra iniciativa que mobiliza as pessoas a promover o descarte adequado de plástico. Criado em 2016 pelo Instituto SustenPlást, com o apoio do Movimento Plástico Transforma, o projeto Tampinha Legal já recolheu quase 1 bilhão de tampas plásticas, o equivalente a 1,6 mil toneladas, ou cerca de 132 carretas, segundo cálculos da gerente do SustenPlást, Simara Souza.

Em operação em dez Estados, o Tampinha Legal já evitou a emissão de mais de 3.300 toneladas de CO2 na atmosfera ao longo de oito anos. No mesmo período, gerou renda de R$ 4 milhões, destinados integralmente a 509 entidades assistenciais.

Esses números parecem pouco se comparados a grandes programas de reciclagem de materiais no Brasil. No ano passado, por exemplo, mais de 90 bilhões de latas de alumínio foram recicladas no país, ou 99,7% do total das 397,2 mil toneladas de latas comercializadas, em 2023, de acordo com o
Relatório de ESG Setorial da Abralatas (Associação Brasileira da Lata de Alumínio).

Segundo a entidade, nos últimos dez anos, a reciclagem de latas de alumínio evitou a emissão de 18 milhões de toneladas de gases do efeito estufa. Além de contribuir para a natureza, 800 mil famílias de catadores são beneficiadas com a reciclagem desse material no Brasil.

Sacos coloridos empilhados com tampinhas plásticas de garrafas
Tampinhas plásticas de garrafas, que teriam como destino certo o meio ambiente, recolhidas pelo projeto Tampinha Legal - Divulgação

Diante desses volumes, iniciativas como as da Tampinha Legal e da So+ma parecem até uma gota no oceano. Só que, nesse processo de reciclagem, cada grama conta. A produção de um quilo de alumínio reciclado, por exemplo, garante a economia de cinco quilos de bauxita, matéria-prima do alumínio.

"Se o programa Tampinha não existisse, as tampas plásticas recolhidas não teriam se transformado em novos artefatos, economizando água, energia, matéria-prima e ainda evitando a emissão de gases de efeito estufa", afirma Simara. Ela lembra que cada quilo de polipropileno recolhido, usado na fabricação de tampas plásticas, evita-se a emissão de cerca de dois quilos de CO2.

Para a fundadora da So+ma, o foco está em criar uma cultura de responsabilidade compartilhada para construir um sistema mais eficiente, alinhado aos princípios da economia circular. "Lidamos com algo fundamental: a mudança de comportamento", resume Cláudia.

Com curadoria das cooperativas de catadores, a Abre (Associação Brasileira de Embalagem), lançou em 2022 o Lupinha, um código de barras nas embalagens dos produtos com orientações para o descarte correto. "O consumidor é o primeiro elo nessa cadeia. Se ele não fizer o descarte correto, a economia circular torna-se impossível", ressalta a gerente de Sustentabilidade e Projetos Especiais da Abre, Isabella Salibe.

Esse trabalho de formiguinha se soma a ações de grandes recicladoras que processam milhares de toneladas de resíduos. Segundo o Anuário da Reciclagem 2023, do Instituto Pragma, 1,774 milhão de toneladas de materiais foram coletados e destinados à reciclagem por entidades de catadores em 2022.

O volume representou redução de 876,3 mil toneladas de emissão de CO2 para a atmosfera.
Por não terem sido descartados no meio ambiente, os materiais transformam-se em matéria-prima secundária que realimenta o ciclo dos produtos na cadeia de produção do aço, do alumínio, do plástico, do vidro, do papel e do papelão, entre outros materiais.