quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Vermes como remédio


Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Para muitos seres vivos, seu meio ambiente é outro ser vivo. São animais, bactérias e vírus que vivem dentro de um hospedeiro. A relação entre esses seres e seu meio ambiente é complexa, pois o ambiente é vivo e capaz de reagir à presença do hóspede.
Em alguns casos, o hóspede é agressivo e destrói rapidamente seu ambiente. É o caso do vírus Ebola, capaz de matar o humano infectado em questão de dias. Em outros, a sobrevivência do hóspede é impossível, como no caso de um vírus de sarampo que tenta se acomodar no corpo de uma criança vacinada. O vírus é destruído em questão de horas por um sistema imune alerta e preparado.
Mas existem casos em que hóspede e hospedeiro convivem amigavelmente e se ajudam. É o caso das bactérias nas raízes de plantas como feijão e soja. Elas invadem as raízes e são muito bem recebidas. Vivem dos nutrientes recebidos da planta hospedeira, mas em troca transformam o nitrogênio no ar em compostos nitrogenados necessários para o crescimento do hospedeiro. Como as plantas não são capazes de produzir esses compostos, a relação é do tipo ganha-ganha.
No nosso corpo também há uma relação cordial entre nosso intestino e as bactérias que lá habitam. As dezenas de espécies de bactérias que constituem nossa flora intestinal têm um papel importante na nossa digestão e no bom funcionamento do sistema digestivo.
Desde que o homem moderno surgiu, há mais de 200 mil anos, convivemos com uma variedade enorme de seres que vivem e se reproduzem dentro de nosso corpo. São vírus, bactérias, fungos, amebas e diversos tipos de vermes. Nossa relação com cada um desses hóspedes varia. Em alguns casos, eles nos matam; em outros, ajudam; e muitas vezes são simplesmente tolerados e controlados por nosso sistema imune.
Homo sapiens foi selecionado e sobreviveu por milhares de anos na presença desses outros seres, mas nos últimos 200 ou 300 anos aconteceu um fenômeno novo. Com o desenvolvimento da medicina, descobrimos que muitos desses seres são responsáveis por doenças. Essa descoberta levou o Homo sapiens a desenvolver métodos poderosos para tornar a vida desses hóspedes impossível. São os antibióticos, os antifúngicos, os vermífugos e as vacinas.
Essas novas tecnologias acabaram com muitas doenças e, infelizmente, no início do século 20 nos levaram a crer que todo e qualquer ser vivo que habitasse nosso corpo deveria ser exterminado. A água encanada e tratada, os alimentos higienizados e outras tecnologias também diminuíram muito nossa exposição a esses seres vivos. No auge desse movimento, até a lavagem periódica dos intestinos chegou a ser recomendada.
Mas, no século 20, ao mesmo tempo que muitas dessas doenças desapareceram, surgiu um novo problema, o crescimento muito rápido de diversas doenças autoimunes, ou seja, o sistema imune de um corpo passa a atacar esse próprio corpo. Entre essas doenças está a colite ulcerativa e a síndrome de Crohn, que afetam nosso intestino.
Por volta de 1990, alguns cientistas tiveram uma ideia radical. Será que parte dessas doenças autoimunes não seria causada pela eliminação desses nossos hospedeiros nas sociedade moderna? Assim como as bactérias presentes no intestino são necessárias para seu bom funcionamento, eles imaginaram que a eliminação dos vermes de nosso intestino poderia ser a causa da síndrome de Crohn e da colite ulcerativa.
Para testar essa hipótese, decidiram tratar pacientes com vermes vivos. Escolheram um verme que infecta tanto homens quanto porcos, que sobrevive somente algumas semanas no nosso intestino e não causa doenças. O verme, Trichuris muris, foi produzido em porcos e seus ovos, depois de limpos, foram administrados aos pacientes.
Em 2005, no primeiro teste, um único paciente engoliu 2,5 mil ovos vivos. Semanas depois, os sintomas desapareceram e ele melhorou. No segundo experimento, três pacientes foram tratados e os bons resultados, confirmados. Num teste maior, 29 pacientes com doença de Crohn foram tratados com ovos desse verme. Após 24 semanas, 80% deles estavam melhor e 72% deixaram de apresentar todos os sintomas. Resultados semelhantes foram obtidos em testes com pessoas com colite ulcerativa.
Esses resultados levaram companhias farmacêuticas a iniciar o desenvolvimento de remédios para essas doenças baseados na ingestão de parasitas vivos e levaram muitos cientistas a investigar como a presença de vermes no intestino evita a reação autoimune.
Hoje esses remédios estão nas últimas fases dos testes clínicos e já se compreende como a presença desses hóspedes em nosso intestino evita o aparecimento dessa doença. Tudo indica que nosso sistema imune evoluiu para combater e controlar esses parasitas e, na sua falta, a capacidade bélica de nosso sistema imune se volta contra nosso próprio corpo.
Ingerir ovos vivos de vermes para evitar doenças autoimunes é desagradável, mas talvez o erro da humanidade tenha sido eliminar de nosso corpo todo e qualquer verme, tanto os que causam doenças como os necessários para a manutenção da saúde. A melhor evidência de que a medicina transformou vermes em inimigos é a aversão que temos à ideia de ingerirmos ovos de vermes - mas o curioso é que as mesmas pessoas que têm nojo de vermes já se habituaram a ingerir iogurtes com bacilos vivos para manter saudável sua flora intestinal.
Surgimos e convivemos por 200 mil anos com seres vivos no corpo. Agora temos de aceitar que parte deles provavelmente é necessária para nos mantermos saudáveis. É mais uma dimensão de nossa íntima relação com os seres vivos, tanto os que nos cercam por fora quanto por dentro.
* BIÓLOGOMAIS INFORMAÇÕES: THE WORM RETURNS. NATURE,  VOL. 491,  PÁG. 183,  2012 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Universidade católica?, por Vladimir Safatle


A crise na PUC-SP devido à nomeação da terceira colocada em uma lista tríplice evidenciou uma questão mais grave, que não diz respeito apenas ao mecanismo viciado de escolha de reitor. Artigo publicado na Folha por dom Odilo Pedro Schererdemonstra profunda distorção no sentido do que é uma universidade.
Uma universidade não é apenas um espaço de formação profissional e de qualificação técnica. Desde o seu início, ela foi uma ideia vinculada à constituição de um espaço crítico de livre pensar. Ela era a expressão social do desejo de que o conhecimento se desenvolvesse em um ambiente livre de dogmas, sem a tutela de autoridades externas, sejam elas vindas do Estado, da igreja ou do mercado. A universidade dialoga com essas três autoridades, mas não se submete a nenhuma delas, mesmo quando é dirigida pelo poder público, por grupos confessionais ou empresários.
Por isso, há de se falar com clareza: no interior da República, não há espaço para universidades católicas, protestantes, judaicas ou islâmicas, mas universidades dirigidas por católicos, dirigidas por protestantes etc., o que é algo totalmente diferente.
Uma universidade não existe para divulgar, de maneira exclusiva, valores de qualquer religião que seja. Ela admite que tais valores estejam presentes em seu espaço, mas admite também que nesse mesmo espaço encontremos outros valores, pois só esse livre pensar é formador do conhecimento.
Se certos setores da igreja não querem isso, principalmente depois do realinhamento conservador de Bento 16, então é melhor que eles se dediquem à gestão de seminários.
A universidade, mesmo particular, é uma autorização do poder público que exige, para tanto, a garantia de que valores fundamentais para a formação livre serão respeitados.
Se a igreja percebe a PUC como um instrumento de defesa de seus valores, então não há razão alguma para ela fazer isso com dinheiro do Estado, já que seus cursos de pós-graduação recebem dinheiro público via agências de fomento.
Ao que parece, alguns acreditam que, em uma universidade dirigida por católicos, professores não devem se manifestar publicamente a favor do aborto e do casamento homossexual. E o que fará tal universidade com professoras que abortam e professores que se declaram abertamente homossexuais? Serão convidados a se retirar?
E o professor que ensina Nietzsche e a "morte de Deus", Voltaire e seu pensamento anticlerical? Terão o mesmo destino do professor de história que pesquisou as barbáries da Inquisição ou das relações entre o Vaticano e o fascismo ou da professora de psicologia que defende teorias "queers", já acusadas pelo papa de minar os valores da família cristã?
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Vladimir Safatle
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão impressa.

    terça-feira, 11 de dezembro de 2012


    O muro vai cair
    Governo vai construir ciclopassarela ligando a USP ao parque Villa-Lobos; custo estimado é de R$ 80 milhões
    JAIRO MARQUESDE SÃO PAULO
    Uma "ciclopassarela" ligando a Cidade Universitária, nas imediações da raia olímpica, ao parque Villa-Lobos, na zona oeste, deve ser anunciada nos próximos dias pelo governo de São Paulo.
    A iniciativa é parte de um megaprojeto para revitalizar as marginais de São Paulo.
    Para ser construída, a obra vai exigir que se derrube os 2,3 km de muro, erguidos na década de 1960 para evitar invasões e risco aos usuários da área. Ainda não foi definido o que irá ocupar o lugar: grades ou outro tipo de material.
    As obras de revitalização naquela região, que devem começar no início do ano que vem, vão demorar pelo menos dois anos para serem concluídas.
    INTEGRAÇÃO
    A intenção do projeto é que a "ciclopassarela" se integre à ciclovia que já existe ao longo dos trilhos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
    Parte dos investimentos feitos deve vir de financiamento do Banco Mundial. As conversas sobre um possível convênio estão em curso, segundo informações do órgão internacional.
    O governador Geraldo Alckmin (PSDB) ainda acerta os último detalhes do projeto para oficializar a divulgação do início das obras.
    A previsão é que a "ciclopassarela" atenda, somente nos finais de semana, cerca de 50 mil pessoas.
    A ideia é que a instalação urbana permita o trânsito, de um lado a outro da marginal, de pedestres e ciclistas que frequentam o parque e a Cidade Universitária.
    O investimento inicial previsto para a remodelagem da área é de R$ 80 milhões.
    RÚSTICO
    Há cerca de três anos, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo e eleito vereador para o próximo mandato, tinha apresentado um projeto para acabar com o muro da Cidade Universitária que, segundo ele, prejudicava a imagem da cidade devido o seu aspecto rústico.
    A motivação de Matarazzo era que o muro do Jockey Club de São Paulo, nas proximidades da ponte Euzébio Matozo, também fosse derrubado, mas isso não foi confirmado, por enquanto, no atual projeto do governo.