segunda-feira, 28 de maio de 2012

Historiador americano vai assessorar Comissão da Verdade, Por Roldão Arruda


Os membros da Comissão Nacional da Verdade vão se reunir amanhã, em Brasília, com o historiador americano Peter Kornbluh, pesquisador do National Security Achive (Arquivo Nacional de Segurança),  organização não governamental que desenvolve esforços para a liberação e publicação de documentos oficiais secretos do governo americano. O objetivo do encontro é estabelecer formas de cooperação entre a comissão e a organização dos EUA.
As duas entidades poderão assinar em conjunto requerimentos endereçados ao governo americano, solicitando a liberação de documentos sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Kornbluh tem pesquisado o papel brasileiro na Operação Condor, uma ação coordenada entre ditaduras militares do Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil, com o objetivo de perseguir e eliminar militantes de esquerda.
O historiador já esteve no Brasil em outras ocasiões. Foi um dos assessores do grupo que estruturou a Comissão da Verdade. A organização para a qual trabalha é vinculada à Universidade George Washington e em anos anteriores ofereceu colaboração semelhante às comissões da verdade do Peru, Guatemala e Equador.
Em recente entrevista à BBC Brasil, Kornbluh afirmou que os Estados Unidos estiveram envolvidos diretamente com as ditaduras latino-americanas. Uma das evidências desse envolvimento, afirmou, era a presença de muitos conselheiros especializados em questões de contrainsurgência na região. “Entre os documentos de rotina do Departamento de Defesa, deve haver relatórios sobre a infraestrutura e as unidades das forças de segurança brasileira que podem ajudar a relacionar quem eram os responsáveis por determinadas regiões onde ocorreram abusos de direitos humanos. Além disso, pode haver relatórios operacionais detalhados e específicos sobre operações de contrainsurgência, operações como a do Araguaia, que reportem a repressão que ocorreu.”
As petições do National Security Archive ao governo americano são baseadas na Freedom of Information Act, a lei de acesso à informação dos Estados Unidos, em vigor desde 1966. Ela dá aos aos americanos o direito de solicitar o acesso a documentos oficiais, mas nem sempre isso ocorre com facilidade. Segundo Kornbluh, chegou a hora de o governo de Barack Obama ajudar o Brasil a abrir a “caixa de Pandora” do regime militar.

Uma árvore, um voto


José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
Faltam 15 milhões de árvores nas cidades brasileiras. O número é estimado a partir da pesquisa de indicadores urbanos divulgada na sexta-feira pelo IBGE. Parece uma floresta, mas é um capão se comparado ao que as motosserras cortam por ano. Desde 2002 foram derrubadas mais de 2,6 bilhões de árvores na Amazônia brasileira. Os 15 milhões que faltam nas cidades é 0,6% dessa devastação, as árvores cortadas a cada 19 dias. É pouco em proporções amazônicas, mas plantá-las transformaria radicalmente a paisagem urbana do Brasil - e a sorte de alguns milhares de prefeitos.
Os recenseadores do IBGE anotaram dez melhoramentos urbanísticos que havia (ou faltava) na frente de cada domicílio urbano brasileiro. A arborização é um deles: diminui as ilhas de calor ao regular o microclima local, conserva o asfalto, retém água da chuva e captura carbono da atmosfera. E isso sem contar os benefícios indiretos que o plantio de árvores requer e provoca.
Duas em cada três moradias brasileiras já desfrutam de uma árvore próxima à sua fachada. O terço que falta corresponde às 15 milhões de árvores que precisariam ser plantadas. O problema é mais grave nos 25% dos municípios brasileiros onde menos da metade dos domicílios tem arborização à porta. Candidatos a prefeito dessas 1.412 cidades poderiam inovar no seu slogan de campanha: um voto para cada árvore plantada. Definir a arborização como "a" prioridade de um governo pode soar como blague. Não é.
Quando Paul O'Neill assumiu o comando da Alcoa, a gigante mundial do alumínio perdia clientes e lucratividade. Foi com esperança que investidores encontraram o novo CEO, em outubro de 1987, para ouvir seus planos. Mas a estupefação tomou o salão quando O'Neill, um ex-burocrata governamental, anunciou sua maior prioridade: "Pretendo fazer da Alcoa a empresa mais segura dos Estados Unidos. Acidente zero". Nenhum blá do blablabá tradicional sobre "sinergia", "redução de custos" e "maximização de lucros". A estupefação virou venda desenfreada de ações. Foi um mau negócio para quem vendeu.
Um ano depois, o lucro da Alcoa já batia recordes. Quando O'Neill se aposentou, em 2000, o faturamento líquido da empresa era cinco vezes maior do que quando ele lançou a política de "acidente zero". Quem comprara as ações dos estupefatos investidores em 1987 tinham visto seu investimento quintuplicar de valor em 13 anos, além de embolsar em dividendos um dólar para cada dólar investido. A história está em The Power of Habit, lançado este ano pelo jornalista Charles Duhigg, do The New York Times.
E tudo isso aconteceu só por causa da redução dos acidentes de trabalho? Não. O'Neill usou uma meta que todos os milhares de funcionários entenderam (acidente zero) para revolucionar a produção e o gerenciamento da Alcoa. Ele promoveu uma mudança de hábitos. Para ter zero acidentes, peões, gerentes e executivos precisaram, por exemplo, se comunicar melhor.
"Eu tinha que transformar a Alcoa, mas não podia simplesmente mandar as pessoas mudarem. Não é assim que o cérebro funciona. Por isso decidi focar em uma coisa. Se conseguíssemos quebrar os hábitos em torno dessa coisa, isso se espalharia através de toda a empresa", explicou O'Neill a Duhigg. Do mesmo modo que zerar os acidentes transformaram a Alcoa, plantar árvores tem o potencial de mudar o jeito que as prefeituras e prefeitos trabalham.
Arborizar não é caro. Entre muda e plantio, cada nova árvore sai por R$ 300 na cidade de São Paulo. Estudos acadêmicos - um feito em Curitiba e outro na Esalq/USP - chegaram a valores semelhantes. Plantar as 828 mil árvores que faltam nas ruas paulistanas, por exemplo, custaria menos de R$ 250 milhões - uma fração do que o prefeito Gilberto Kassab (PSD) guardou para investir no ano de sua sucessão. O problema não é dinheiro. É hábito.
Para plantar uma árvore, é preciso que a rua esteja pavimentada, que a calçada e o meio-fio existam. Ou seja, a urbanização precede o plantio. Se um prefeito impor a meta de zerar o déficit de árvores de sua cidade, terá que melhorar a urbanização junto. Duas cidades brasileiras têm 100% de ruas pavimentadas, com calçadas, meio-fio e uma árvore na frente de cada casa. Poderiam ser 5.565. Custa R$ 4,5 bilhões e novos hábitos.

Voo solo, in Carta Capital


Novo solteirismo, por 

Thomaz Wood Jr.

09.04.2012 07:39


O inferno são os outros! A conhecida frase de Jean-Paul Sartre agora dá sentido a um fenômeno de massa. Se o inferno são os outros, então nossos contemporâneos parecem estar se movimentando para fugir das catacumbas sulfurosas. Segundo Eric Klinenberg, professor de Sociologia da Universidade de Nova York e autor do livro Going Solo: The extraordinary rise and surprising appeal of living alone (editora Penguin), cada vez mais pessoas optam por viver sozinhas.
O autor carrega nas tintas, embalado por um mercado editorial viciado em títulos de impacto, argumentos surpreendentes e fatos irrefutáveis, mas o livro tem méritos. Segundo Klinenberg, estamos presenciando uma inflexão histórica. Cultivamos, durante milênios, uma repulsa existencial e filosófica à solidão. “O homem que vive isolado, que é incapaz de partilhar os benefícios da associação política ou não precisa partilhar porque já é autossuficiente, não faz parte da pólis, e deve, portanto, ser ou uma besta ou um deus”, escreveu Aristóteles (apud Klinenberg).
As sociedades humanas se estruturaram em torno do desejo fundamental de os indivíduos viverem na companhia uns dos outros. O isolamento é frequentemente associado à punição. Uma criança mal comportada é separada de seus pares e colocada sozinha. Um prisioneiro malcomportado é trancafiado na solitária.
Entretanto, segundo Klinenberg, tudo isso está mudando. Nas últimas décadas, houve um aumento expressivo do número de homens e mulheres que passaram a viver voluntariamente sozinhos. O fenômeno é consequência do desenvolvimento econômico, que permite maior autonomia; da superação da lógica econômica do casamento, que dá maior liberdade às pessoas para buscar arranjos alternativos; da urbanização, que adensa as comunidades humanas; e da evolução das tecnologias de informação e de comunicação, que facilitam a interação entre as pessoas. Resultado: estamos casando mais tarde, prolongando o período entre o divórcio e o novo casamento, ou evitando um novo casamento, e escapando o quanto possível da possibilidade de viver com outra pessoa. É o novo solteirismo!
Nas grandes cidades norte-americanas, 40% das moradias têm um único ocupante. Em Washington e Manhattan, casos extremos, são 50%. E o fenômeno não se restringe aos Estados Unidos. Paris apresenta números superiores a 50% e, em Estocolmo, a taxa chega a 60%. China, Índia e Brasil, países em desenvolvimento, caminham no mesmo sentido.
Viver sozinho deixou de ser fonte de medo e causa de isolamento social. As vantagens são notáveis: -controle sobre a própria vida, liberdade de ação e melhores condições para perseguir atividades voltadas para a autorrealização. No imaginário social, vai surgindo um novo modelo ideal: o neossolteiro, um ou uma profissional de sucesso, -socialmente atuante e mestre de sua existência.
O fenômeno do novo solteirismo relaciona-se a outro fenômeno, maior, de enfraquecimento dos vínculos e das relações, que se manifesta na vida social e na vida profissional. Richard Sennet registrou a tendência no livro A Corrosão do Caráter (editora Record), no fim da década de 1990. De fato, o comprometimento dos indivíduos com instituições e organizações vem se fragilizando há algumas décadas. Hoje, transitamos por inúmeros grupos, empresas e comunidades, porém estabelecemos relacionamentos apenas tênues e temporários.
Nas empresas, depois de seguidas ondas de reestruturações, enxugamentos e terceirizações, os empregos “para toda a vida” estão quase extintos. Paradoxalmente, empresários e executivos continuam esperando alto grau de envolvimento e comprometimento de seus funcionários, e frustram-se quando não os conseguem. Com a ajuda de asseclas de recursos humanos, tentam tapar o sol com a peneira, programando palestras motivacionais, abraçando árvores e promovendo interlúdios culturais. Pouco adianta.
As novas gerações representam para as empresas um considerável desafio: os mais jovens são individualistas, inquietos e despudoradamente ambiciosos. Saltam de galho em galho corporativo sem olhar para trás. Habitam redes fluidas, sejam elas comunidades reais ou virtuais. São impacientes com o presente e ansiosos pelo futuro.
Neste admirável mundo novo, perde espaço o que é estável e profundo, ganha espaço o que é efêmero e superficial. Afirmam os profetas do mundo plano que terão vantagens os mais dinâmicos, os mais extrovertidos, aqueles com mais iniciativa e sem medo de errar, aqueles capazes de usar diligentemente seu capital social em prol da própria marca. E os incomodados que se mudem… de planeta?