quinta-feira, 17 de abril de 2025

Velho precisa ser feliz e morrer com dignidade, diz Mary del Priore, FSP

 

Paola Churchill
São Paulo

A historiadora Mary del Priore achava que tinha várias coisas sob controle. Mas quando sentiu as primeiras dores nas juntas, uma dor persistente no joelho e viu sua mãe centenária morrer, percebeu que não tinha domínio algum sobre o tempo. Foi a partir dessa constatação que começou a escrever seu novo livro, "Uma História da Velhice no Brasil".

Assim como o tempo, viu os idosos como algo que também poderia se dissipar social e culturalmente até quase desaparecer. Para entender esse fenômeno, em sua nova obra, Del Priore volta ao passado e investiga este período da vida desde o tempo colonial.

A velhice tem História e histórias, e essa investigação não começou agora. Em 1970, a filósofa e escritora Simone de Beauvoir lançou o clássico "A Velhice", com a proposta de romper o silêncio em torno do envelhecimento pela primeira vez.

Mary Del Priore, autora de 'Uma História da Velhice no Brasil'
Mary Del Priore, autora de 'Uma História da Velhice no Brasil' - Pense D/Divulgação

A francesa, na época com mais de 60 anos, afirmava que os velhos não tinham uma categoria própria: eram engolidos pela dos adultos. Sua escrita ainda ressoa, e o livro de Del Priore exemplifica isso.

"Para se ter uma noção, lá em 1549, quando Tomé de Souza chegou à Bahia com um grupo de mil pessoas, a expectativa de vida era de 21 anos. A ideia de envelhecer era muito atrelada à Bíblia. Então, para eles, envelhecer ou viver era tudo na vontade divina", diz.

Se a religião tentava explicar o tempo, ela também trazia ambiguidade ao tratar da velhice. O jovem era belo e sagrado, enquanto a velhice representava o oposto.

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"Não havia um relógio ou uma marcação clara do tempo. O que contava era a aparência e o fato de a pessoa poder trabalhar até o fim. Era isso que permitia o velho não ser identificado como velho. Enquanto ele fosse útil", afirma.

"Se os velhos fossem fortes, capazes de se relacionar com a sua comunidade, fazer sua parte, ter uma obrigação, ele não era considerado velho. Essa coisa da idade começa a aparecer de forma mais sistemática a partir de 1970, na França. Aí os médicos começam a se embrulhar sobre doenças relacionadas com determinada idade."

É também nesse período que surge outra novidade: a celebração do tempo.

"Você tem aí, digamos, uma nova forma de comemorar idade —aparece o aniversário, aparece um colar de ouro. As pessoas passam a marcar a passagem do tempo", diz. "Mas eu diria que, basicamente, é o olhar da sociedade. É ela que vai definindo, modelando, qual é o nome da sua época."

Com essa virada de chave, e o foco na forma em que as pessoas se apresentam à sociedade, ser velho acabou se tornando um incômodo. Num país como o Brasil, que a autora considera uma nação "jovem de cabeças brancas", envelhecer se tornou um mal a ser combatido a todo custo.

"Mas, com os avanços da medicina, a população que antes só chegava aos 40 anos pode passar dos 100 com facilidade. Mas eles não querem mostrar isso. Até o adjetivo ‘velho’ é visto como pejorativo… Fiz questão de usar a palavra pelo livro todo."

Del Priore destaca que a urbanização teve e ainda tem um impacto profundo na vida dos idosos. A pobreza, e a dependência, ainda é uma preocupação tanto para o governo quanto para a sociedade, diz. "Eu lembro, por exemplo, da Santa Casa de Iguape, no interior de São Paulo, que recebe muitos idosos abandonados pela própria família. Eles vêm de outros municípios e estão realmente sozinhos."

Segundo ela, esse abandono costuma ocorrer quando os mais velhos deixam de ser economicamente úteis. "Eles não têm mais o que oferecer. Enquanto o idoso tem independência financeira, ele mantém poder dentro da família", afirma. "Nesse ponto, a aposentadoria é central. Graças a ela, muitos ainda sustentam filhos e netos."

No passado, diz del Priore, o prestígio do idoso vinha de outro lugar. Da história que contava, do conhecimento que carregava. "Ele podia até não ter dinheiro, mas tinha escuta, tinha importância. Era respeitado por isso."

A imagem mostra a capa do livro 'Uma história da velhice no Brasil', escrito por Mary Del Priore. A capa apresenta um fundo verde e uma ilustração de uma mulher idosa com um vestido escuro e um colar. O título do livro está em letras grandes e pink, centralizado na parte inferior da imagem, enquanto o nome da autora está posicionado no canto superior direito em letras brancas. No rodapé, está o nome da editora 'VESTÍGIO'.
Capa de 'Uma História da Velhice no Brasil', livro de Mary Del Priore - Divulgação

Hoje, aos 72 anos, a historiadora observa o tempo passar de sua chácara, ao lado da família. Não tem problema em envelhecer —para ela é, acima de tudo, uma prova de que ainda está viva.

"Não tem como lutar contra o envelhecimento. Tem gente que tenta, investe em tratamentos milagrosos para combater algo que é inevitável. Em vez de buscar saúde com bom senso, preferem esconder a idade, como se fosse um crime", afirma.

Ela acredita que os baby boomers, geração nascida entre 1945 e 1964, serão protagonistas de uma nova maneira de lidar com a morte.

"Do ponto de vista da representação, parece que inventamos uma nova velhice. Uma velhice com rosto de plástico. Mas, no fundo, o que o velho precisa é morrer com dignidade, ter uma vida saudável e feliz. E, dentro da felicidade, posso garantir: o sentimento continua o mesmo —há muito, muito tempo."

Uma história da velhice no Brasil

  • Preço R$ 74,90 (320 págs.); R$ 52,90 (ebook)
  • Autoria Mary del Priore
  • Editora Autêntica

Hélio Schwartsman - Julgando a Justiça, FSP


A culpa é da Constituição. A contradição em potência dorme lá, no artigo 4º, que enumera os princípios pelos quais o Brasil se rege em suas relações internacionais. Os incisos III e IV mencionam a autodeterminação dos povos e a não intervenção, mas o X estampa a concessão de asilo político.

Inconsistências emergem porque a decisão de dar asilo envolve sempre um juízo qualitativo sobre as instituições do outro país, o que pode ser entendido como uma violação à sua soberania e uma interferência em seu sistema político-judicial.

Um homem e uma mulher estão em uma conferência de imprensa. O homem, à esquerda, está gesticulando e parece estar falando de forma enfática. Ele usa um paletó escuro e uma camisa branca. A mulher, à direita, está olhando para ele e usa uma blusa branca com um padrão. O fundo é de madeira e há uma parede de pedra ao lado.
O ex-presidente do Peru Ollanta Humala fala ao lado de sua esposa, Nadine Heredia, após ser libertado de uma prisão preventiva, em 2018 - Luka Gonzales - 30.abr.18/AFP

Nos últimos dias, assistimos a dois exemplos dessa tensão. O governo Lula concedeu asilo a Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, horas depois de ela ser condenada a 15 anos de prisão. Heredia é mulher do ex-presidente Ollanta Humala, um aliado de Lula que também foi condenado aos mesmos 15 anos por corrupção e já está preso. É um caso ligado à Odebrecht.

Ao conceder o asilo, o recado que o governo Lula, justa ou injustamente, dá a Lima é que não considera seu Judiciário digno de crédito, de modo que permitirá que a ré se furte à aplicação da lei.

Como que a dar materialidade ao dito popular segundo o qual pau que bate em Chico também bate em Francisco, o Judiciário espanhol negou a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio. A extradição fora pedida por Alexandre de Moraes, do STF. Eustáquio é investigado por crimes contra a democracia.

A imagem mostra um grupo de pessoas em uma manifestação. Um homem, que está falando ao microfone, usa um boné e uma camiseta escura. Ele levanta a mão em um gesto de fala. Ao fundo, há várias pessoas, incluindo homens com trajes tradicionais indígenas e outros com roupas casuais. Um banner verde é visível, com a frase "monrem a es" parcialmente legível.
O influenciador Oswaldo Eustáquio, durante manifestação em Brasília em 2022 - Adriano Machado - 10.dez.22 /Reuters

Justa ou injustamente, a Justiça espanhola julgou a brasileira e viu problemas. Para os espanhóis, o caso de Eustáquio tem forte dimensão política e o investigado poderia ter sua situação prejudicada devido a suas opiniões, razão pela qual negaram a extradição.

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Não vejo muito como fugir a esse esquema. Na hora de conceder asilo ou mesmo interpretar notícias, é inevitável fazer juízos sobre os sistemas de Justiça. E não dá para pôr em pé de igualdade o Judiciário na Noruega e o de Putin. Mas nosso STF deve ter ficado surpreso ao constatar que não é visto lá fora como gostaria.