quarta-feira, 27 de maio de 2015

Carlos Bezerra Jr.: Quando a fé cheira a pólvora


2,3 mil814
Ouvir o texto
PUBLICIDADE
Há alguns dias, recebi pelas redes sociais a imagem de uma Bíblia aberta com um revólver em cima. Fiquei estarrecido porque a postagem trazia a logomarca de um deputado federal e usava um versículo do livro de Êxodo para justificar projeto que aumenta de seis para nove o número de armas por cidadão e o número de munições de 50 por ano para 50 por mês.
Segundo o relatório da CPI do Tráfico de Armas da Câmara Federal, em 2006, "55% das armas rastreadas a partir das informações de venda das fábricas brasileiras foram legalmente vendidas antes de caírem na ilegalidade".
O Mapa da Violência 2013, de Julio Waiselfisz, feito com dados do Ministério da Saúde, indica que, de 1980 a 2010, morreram quase 800 mil pessoas por arma de fogo no Brasil. Não há base bíblica que sustente turbinar esses números.
Há outros casos preocupantes. No âmbito federal, parlamentares da chamada bancada evangélica têm se unido a ruralistas e à denominada bancada da bala contra a Lista Suja do Trabalho Escravo –um dos principais mecanismos de luta contra esse tipo de crime– e estão a favor da transferência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo.
Os deputados da "bancada evangélica" também estão entre os principais defensores da redução da maioridade penal, contra o que disseram as ONGs cristãs Visão Mundial e Rede Evangélica Nacional de Ação Social, em audiência pública que promovi na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Essas duas organizações cristãs concordam com as exposições da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Associação Paulista do Ministério Público, Defensoria Pública de São Paulo, Fundação Casa e Fundação Abrinq - Save the Children.
Faltaria espaço nesta página se fossem elencados os absurdos legislativos nascidos da leitura obtusa do Velho Testamento. Associar trechos da Bíblia fora de contexto a posturas policialescas, moralismo e populismo é das receitas mais antigas para causar tragédias.
Nós, cristãos protestantes, vítimas históricas dessa prática, temos a responsabilidade de não permitir que isso seja feito em nosso nome e de forma tão insistente que começa a gerar estigmatização.
Cria-se um estereótipo tão pesado que já vi questionarem, por exemplo, se evangélicos têm capacidade de atuar na defesa dos direitos humanos e civis, como se fosse possível negar a história de cristãos como William Wilberforce, Martin Luther King e Desmond Tutu.
São histórias humanas de luta, mas não de vingança, jamais de violência gratuita ou de ódio. Pela ética do Sermão da Montanha, são infelizes os justiceiros e os vingadores. Bem-aventurados são os pacificadores, os que enxergam que a violência é a doença, não a cura.
Entristece, mas não espanta, a existência dos que dizem seguir o Mestre que pregava a paz, o perdão, a misericórdia, a compaixão e a vida, mas se notabilizam por fomentar o ódio, a vingança, a intolerância e o medo. É um comportamento milenar, descrito pelo próprio Jesus na Bíblia.
No Evangelho de Mateus, Ele fala dos que seguem detalhes milimétricos, como o dízimo dos temperos, mas não obedecem aos mandamentos mais importantes, como o amor ao próximo e a justiça. Não os chama de seguidores, mas de hipócritas, oito vezes só no capítulo 23.
Segundo o teólogo anglicano John Stott, "a mente bíblica não é a que cita versículos, mas a que raciocina dentro dos parâmetros das Escrituras". Recomendo fortemente a leitura a certos deputados da "bancada evangélica".
O circo armado do retrocesso faz um sucesso retumbante, mas não tem nada de bíblico muito menos de evangélico, é simplesmente o "business" do ódio.
CARLOS BEZERRA JR., 47, médico, é deputado estadual pelo PSDB-SP e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo
*

Brasil: 12º mais violento do planeta


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 1 dia atrás
77
Se a tolice não fosse também uma característica humana (faz 70 mil anos que oHomo Sapiens aprimorou sua linguagem, com a Revolução Cognitiva, para expressar coisas que não existem, nas quais os humanos acreditam), [1] jamais os demagogos populistas seriam capazes de nos “vender” o mito da segurança grátis.[2] A construção de sociedades razoavelmente civilizadas e seguras exige muito planejamento, políticas preventivas eficientes, excelente escolarização de todos, muitos custos e gastos bem orientados, certeza do castigo e um gigantesco pacto nacional (a segurança é assunto de cada um e de todos nós).
Três modelos de sucesso: 1º) países escandinavos (com 1 assassinato para cada 100 mil pessoas); 2º) EUA (4 para cada 100 mil); 3º) alguns países asiáticos (2 para cada 100 mil). O que esses países de sucesso em matéria de criminalidade nos ensina? Que não se faz omelete sem quebrar ovos. Na economia, o neoliberal Milton Friedman cunhou a famosa frase que diz:“There is no such thing as a free lunch” (não existe esse negócio de almoço grátis).
Em que consiste o mito da segurança grátis? É o que promete distribuir segurança e tranquilidade para todos com a mera edição de uma nova lei ou reforma penal, sem custos para ninguém. O legislador brasileiro de 1940 a 2015 já promoveu 156 reformas penais (das quais, 75% são leis mais duras) e a criminalidade nunca baixou (ao contrário, só aumenta: em 1980 tínhamos 11 assassinatos para cada 100 mil pessoas; fechamos 2013 com 28,2). O legislador não é o único, mas é o grande responsável pela “venda” do “mito da segurança grátis”, que acredita na força (repressiva e preventiva) da alteração legislativa como “solução” para os graves problemas da (in) segurança pública.
Essa política nefasta e infértil (os resultados estão aí para comprovar sua ineficácia) já teria sido extirpada do solo brasileiro se as massas rebeladas (objetivamente indignadas) não caíssem esporádica ou frequentemente na tolice de acreditar no mito da segurança grátis. O Brasil não tem conseguido sair do atoleiro do semi-desenvolvimento (continua na vergonhosa posição 69ª no ranking mundial do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano). Um dos termômetros desse sub ou semi-desenvolvimento é a questão da insegurança pública, que é alimentada por uma trágica criminalidade galopante (mais violenta nos criminosos das classes populares e mais corrupta e fraudulenta nos criminosos das classes dominantes).
Existe muita coisa de particularmente errado na formação histórica da sociedade brasileira (permissiva, anômica, não cumpridora das leis etc.), mas nada se compara com as classes dominantes (lideranças extrativistas) que a governa. São sucessivos governos de mau uso do dinheiro público: perdulários, preservadores de privilégios, fisiologistas, patrimonialistas, corruptos etc.
Não é por acaso que o Brasil é o 12º país mais violento do planeta. Esse é o resultado encontrado no levantamento do Instituto Avante Brasil, dentre 185 países, com dados de 2011, 2012 ou 2013 (fontes: UNODC e Ministério da Saúde, Datasus). Entre os 10 mais violentos, 9 estão na América Latina e Caribe, com exceção da África do Sul. São eles: Honduras, na primeira posição por mais um ano (2013: 84,3 mortes para cada 100 mil habitantes), Venezuela (53,6), Belize (45,1), Jamaica (42,9), El Salvador (39,8), Guatemala (34,6), São Cristóvão e Nevis (33,4), África do Sul (31,9), Colômbia (31,8) e Trinidad e Tobago (30,2). Em comum, todos esses países registram alta taxa de desigualdade econômica e social, escandaloso índice de corrupção e baixa escolaridade. O Brasil (em 2013), atrás de Bahamas, registrou uma taxa de mortes de 28,2 por cada grupo de 100 mil habitantes. Em números absolutos, está na primeira posição isolada, com 56.804 homicídios (de acordo com o Datasus).
Os países considerados menos violentos estão em sua maioria na Europa e na Ásia. Liechtenstein e Andorra dividiram a primeira posição com nenhum homicídio nos anos disponíveis. Em seguida vêm Luxemburgo (0,2), Islândia (0,3), Cingapura (0,3), Japão (0,3), Brunei (0,5), Bahrein, Eslovênia (0,5) etc. (são 78 países com mais de 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas; 106 com 5 ou menos). Todos esses países se encontram no grupo do IDH elevado ou muito elevado, têm baixo ou médio índice de corrupção, pouca desigualdade econômica e social e bons ou ótimos índices de escolaridade. Os países com até 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas possuem essas características; eles comprovam que não existe o mito da segurança grátis. Nos comportamos de forma muito tola quando acreditamos nesse mito.
Veja mais informações sobre este artigo aqui: http://luizflaviogomes.com/brasil-12o-mais-violento-do-planeta/
Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil

terça-feira, 26 de maio de 2015

O Brasil vai voltar, (Nizan, reconfortante!)


218102
Ouvir o texto
Este é o momento de consertar o que está errado e aproveitar as oportunidades que uma crise traz.
Falar para dentro é fundamental. Não podemos deixar a crise dominar a pauta da empresa e das pessoas. Se os líderes não agem, elas acordam toda manhã imersas num país em crise e vão trabalhar nesse espírito.
É exatamente o contrário do que precisamos agora. As pessoas têm que ir trabalhar com foco, com pauta, com metas adequadas para este momento.
É hora de consertar o que dá para ser consertado da porta para dentro da empresa. Os governos, as instituições e as associações vão trabalhar para melhorar o que está da porta para fora.
Os Estados Unidos, país vencedor e líder, e suas empresas, também vencedoras e líderes, enfrentaram uma crise enorme em 2008 e foram em busca de produtividade, de novas fontes de energia, do desenvolvimento com alta tecnologia. Resultado: os Estados Unidos estão de volta, a todo vapor.
O Brasil vai voltar também, mais rápido ou mais devagar, a depender dos caminhos tomados, dos erros e acertos da caminhada.
Os líderes erram muito e erram sempre. Juscelino Kubitschek, um presidente inovador, costumava dizer que com erro não há compromisso. As pessoas às vezes passam muito tempo na defensiva, tentando justificar os erros, quando é muito mais fácil aprender com eles e seguir em frente.
O líder tem que servir à empresa, e não o contrário. Quando se está numa empresa pequena, o líder pode arrogantemente achar que ela existe para servi-lo. Mas, quando a empresa cresce, fica claro que é o líder que deve servi-la.
O líder não precisa ter razão, ele precisa ter sucesso. E precisa de orelhas. Ouvir os outros com atenção é ferramenta poderosa da liderança.
A crise é um chamamento à liderança. Os americanos dizem que há três fases na vida: "Learn, earn, serve" (aprender, ganhar, servir). Cada vez mais empresários e profissionais estão entendendo seu papel institucional e se ocupando também das coisas do país. A produtividade, fundamental para o desenvolvimento, é uma pauta que está dentro das empresas e fora delas. A inflação e os juros, também.
A atividade empresarial associativa é ainda mais importante agora para promover um debate que não deve ser somente horizontal. Ele tem que ser vertical, transversal, universal.
A cooperação é fundamental, como disse o presidente Clinton recentemente. É trabalhando juntos que vamos encontrar os caminhos.
O potencial do Brasil é enorme. Olho pela publicidade. Temos brasileiros espalhados no mundo inteiro nos cargos mais relevantes da nossa indústria. Somos como aqueles corredores que ficam correndo a pé pelas montanhas e, quando calçam um par de tênis, ganham tudo e quebram recordes.
Vamos calçar pautas abrangentes, unindo as universidades às empresas, as políticas públicas às necessidades privadas, os empresários aos trabalhadores, os políticos à sociedade.
Vamos olhar para o mundo com novos olhos e novos pensamentos. Vamos olhar para o óbvio. Para isso, a crise é boa.
Só mais uma coisa: é claro que os desafios são grandes, muito mais difíceis e complicados que este artigo pressupõe. Por isso, quando desanimo, minha mulher sabiamente diz: releia seus próprios artigos

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Cuide do emprego, Levy (por José Roberto de Toledo)

Quando Dilma Rousseff se elegeu e tomou posse da Presidência pela primeira vez, entre o fim de 2010 e o começo de 2011, o Brasil criava cerca de 2 milhões de novas vagas de trabalho formais ao longo de um ano. Era o auge da economia petista e, por tabela, da popularidade de Lula e de seus companheiros.
O ex-presidente batia todos os recordes de aprovação não só nas ruas, mas também em Brasília. A taxa de governismo na Câmara beirava inéditos 90%. De cada 100 deputados, 88 obedeciam o líder de Lula sem piscar. Lava Jato era um lugar onde se lavava o carro, e as ações da Petrobrás valiam o dobro de hoje.
Tudo tinha a ver com o bolso - do eleitor. A cada mês, a massa salarial aumentava em R$ 1,5 bilhão com os salários recebidos pelos que haviam ocupado as novas vagas criadas no mercado de trabalho. A inundação de dinheiro alavancavaFINANCIAMENTOS e multiplicava o consumo de massa.
A felicidade era uma calça nova, azul e desbotada, comprada no crediário. Dezenas de milhões de carros e motos tinindo paravam em lustrosos congestionamentos na saída das concessionárias. Na campanha sucessória de Lula, João Santana traduzia as estatísticas econômicas em imagens que sugeriam um Brasil de Primeiro Mundo na propaganda de TV. Parecia bom demais. E era.
Dilma herdou esse sonho paradisíaco de Lula e surfou a mesma onda de popularidade por dois anos e meio. Só não sabia - ou agiu como se não soubesse - que antes mesmo de ela sentar na cadeira presidencial o ponto mais alto da geração de empregos com carteira assinada havia sido ultrapassado. A curva era descendente desde setembro de 2010, mas ninguém queria acordar.
A cada novo mês do primeiro governo Dilma, o saldo de empregos acumulado nos 12 meses anteriores ficava cerca de 50 mil vagas menor, em média. Entre setembro de 2009 e agosto de 2010, o total de empregos formais aumentou em 2,3 milhões. Nos 12 meses anteriores a junho de 2013, esse saldo caíra para 667 mil vagas - uma queda de 70% em comparação ao auge de Lula.
Quem sofre mais quando o mercado de trabalho desaquece é quem está tentando entrar: o jovem - seja porque chegou à idade de trabalhar, seja porque seus pais perderam o emprego e não podem mais sustentar um estudante profissional em casa. E milhares de jovens tomaram as ruas de centenas de cidades brasileiras em junho de 2013 em intermináveis marchas sem rumo.
No susto, o governo acordou. Mexeu para lá, pedalou para cá e conseguiu inverter a curva descendente do Caged por alguns meses, a partir de agosto de 2013. Foi o suficiente para reeleger Dilma, mas a bicicleta do emprego formal logo perdeu o embalo de novo. Começou a desacelerar em 2014 como se alguém apertasse os dois manetes do freio ao mesmo tempo.
Em fevereiro de 2015, o que era saldo virou déficit - pela primeira vez na era petista. No acumulado de 12 meses, mais de 221 mil vagas foram fechadas. Multidões voltaram à rua, desta vez com objetivo claro: pedir o impeachment de Dilma. A perda de popularidade se traduziu em uma rebelião do Congresso. A taxa de governismo caiu a 64%, e a presidente virou refém do PMDB.
De maio de 2014 a abril de 2015, a economia brasileira perdeu 419 mil vagas e R$ 3 bilhões em salários. Só no mês passado, R$ 380 milhões deixaram de ser pagos. Pelo tamanho dos cortes anunciados, muitos mais vão perder o emprego no Brasil - e, se o ajuste não funcionar, também em Brasília.

Nova Lei da Biodiversidade é sancionada


Twitt
Dilma discursa na sanção da nova Lei. (E) Ministros Izabella Teixeira e Aldo Rebello. Foto: José Cruz/ Agência Brasil
Dilma discursa na sanção da nova Lei. (E) Ministros Izabella Teixeira e Aldo Rebello. Foto: José Cruz/ Agência Brasil
No total, foram vetados cinco dispositivos do texto vindo da Câmara. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil avaliam que alterações são importantes e positivas, mas insuficientes – 
Por Oswaldo Braga de Souza, do ISA
Dilma Rousseff sancionou, na quarta-feira (20), o novo marco legal da biodiversidade (Lei nº 13.123/2015), que vai regular o acesso e a exploração econômica dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade (leia o texto da lei). A presidenta vetou cinco dispositivos da redação aprovada pelo Congresso (saiba mais). As alterações aprimoram a legislação em relação ao acesso e exploração do patrimônio genético.
Pelo menos três vetos atenderam reivindicações do movimento social e das organizações da sociedade civil (leia mais). Dilma vetou o artigo que isentava de repartição de benefício os produtos derivados de acesso ao patrimônio genético realizado antes de 29 de junho de 2000. Também retirou do texto a possibilidade das indústrias escolherem, com exclusividade, o destinatário final da repartição de benefícios não monetária no caso de acesso a recursos genéticos. Os dois pontos eram defendidos pelas grandes empresas envolvidas com o tema. Outro veto garantiu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) fiscalize o acesso e exploração do patrimônio genético, evitando a fiscalização exclusiva do Ministério da Agricultura para as atividades de agricultura, como queria a bancada ruralista no Congresso (veja os vetos).
“O ganho dessa legislação é simplificar. Ela supera lacunas e imprecisões. Vamos reduzir as fragilidades regulatórias. Garantimos a liberdade de pesquisa”, afirmou Dilma, depois de criticar a Medida Provisória 2.186-16/2001, que regulava o tema no Brasil até ontem. Na cerimônia de sanção, no Planalto, a presidenta fez um agradecimento especial a Reginaldo Braga Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, que capitaneou o lobby da indústria farmacêutica e teve papel decisivo no texto final da nova lei.
“Não foi aquilo que esperávamos, mas acho que ficou razoável. As medidas todas que defendíamos não foram contempladas, mas algumas, sim, e isso ajudou”, avalia Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS).
“O resultado final ainda traz um grande desequilíbrio em favor dos interesses do agronegócio, das grandes indústrias de cosméticos e medicamentos principalmente. Os vetos, no entanto, são importantes por corrigir distorções significativas”, avalia Maurício Guetta, advogado do ISA.
“Depois de 15 anos de debates, acho que perdermos uma oportunidade importante de termos uma lei equilibrada e melhor para todos. Apesar dos vetos importantes, a lei continua inaceitável e não traz segurança jurídica”, reforça Nurit Bensusan, assessora do ISA.
Polêmica sobre consulta
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, negou que representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais tenham sido excluídos do processo de elaboração da nova lei, como eles vêm denunciando e integrantes do próprio ministério já reconheceram. Tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), determinam que essas populações sejam consultadas sobre qualquer medida legislativa que as afetem.
“Nós não somos reféns de lobby. Somos reféns do interesse do País”, disse a ministra.
“Pela primeira vez temos uma lei no país que estabelece de fato que terei de pagar repartição de benefício pelo uso de conhecimentos tradicionais, que o acesso ao conhecimento tradicional tem de ser reconhecido e feito por contratos. Não foram ouvidos? Não estão contemplados na lei? Meu Deus!”, afirmou.
A ministra disse que tem e-mails e registros de representantes de movimentos sociais dialogando com o ministério e concordando com propostas feitas por sua equipe sobre a nova lei. “Deixa eu sair do governo que vou divulgar os nomes, as promessas de muita gente que foi para dentro do ministério e depois disse que não participou. Vai aparecer o nome das pessoas e vamos ver quem está fazendo política”, comentou.
“Nós não participamos. Na construção do processo, nós nunca participamos. Contestamos isso e foi muito difícil. Encaminhamos uma carta para o governo em que dizíamos que precisávamos ser ouvidos, mas não foi aberto um diálogo para debatermos diretamente”, contrapõe Joaquim Belo.
Izabella Teixeira afirmou que o processo de regulamentação da nova lei será coordenado pelos ministérios de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento e Comércio. Ela garantiu que o setor privado, pesquisadores e movimentos sociais serão consultados, dependendo do tema a ser discutido. “Não necessariamente todos os itens vão envolver todos os interlocutores”, concluiu.
Nos dias anteriores à sanção, a Casa Civil recebeu representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para conversar sobre os vetos, mas recusou-se a receber agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais. A Casa Civil é responsável por recolher as sugestões de veto dos ministérios envolvidos, encaminhá-los à presidenta e assessorá-la na decisão final sobre o texto a ser sancionado. (ISA/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Instituto Socioambiental.
Postado em: AmbientePlaneta

Você quer mesmo deixar o Brasil? Tem certeza?


Tania Menai - 6 de abril de 2015
Tania Menai, jornalista brasileira, vivendo há 20 anos em Nova York, fala sobre as alegrias e os desafios da expatriação. (Spoiler: morar em outro país não é para todo mundo.)
Tania Menai, jornalista brasileira, vivendo há 20 anos em Nova York, fala sobre as alegrias e os desafios da expatriação. (Spoiler: morar em outro país não é para todo mundo.)

Por Tania Menai

Ontem recebi um email dando boas-vindas a um novo estudante na turma de pré-jardim de infância da minha filha, de quatro anos. Muitos pais responderam o email com mensagens acolhedoras e animadas – então o pai do novo menino escreveu de volta, agradecendo o carinho e enviando uma foto da família. Mas avisou: “sou o mais alto.” Ali estava uma família de dois homens negros e um lindo menino. Mostrei a foto para minha filha e disse: “este é o seu novo amiguinho da escola!” Ela sorriu, disse que ele parecia com um outro coleguinha, e voltou a brincar. Nós somos brancas – e judias. Nossa escola é pública.
A combinação de três aspectos desse episódio provavelmente, e infelizmente, seria improvável no Brasil, ou pelo menos na Zona Sul carioca, onde fui criada: (1) escola pública, (2) um casal de dois homens negros, pais de um menino e (3) minha filha na mesma turma que ele. No entanto, moramos no Brooklyn, em Nova York. E a vida aqui é assim. Bem-vindo ao avesso do que você conhece.
Há quase 20 anos cheguei em Manhattan para ficar três meses. Desde então, nunca fui abordada por tantos brasileiros de classe média (e de classe média alta) querendo deixar o Brasil, como nos últimos cinco meses. O que mais me choca? Não são os cidadãos mais humildes, aqueles dos quais já esperamos uma insatisfação concreta e uma busca por uma vida melhor, a qualquer preço. Tenho falado com pessoas na faixa dos 40 anos, com apartamentos (e que apartamentos!) próprios, carreira sólida, filhos na escola, carros na garagem. Pensam em largar tudo e trocar de país, para dar um futuro melhor para os filhos.
A jornada de expatriação deles seria diferente da minha: cheguei com uma mala pequena, fiz um curso, que acabou em estágio, seguido de emprego, uma carreira como correspondente para a mídia brasileira, alguns livros, um Green Card, um casamento, uma filha. Nada foi planejado: vim jovem, sem nada a perder, tendo uma família sólida no Brasil, para onde sempre poderia voltar. Então decidi por essa cidade fértil, ao mesmo tempo difícil, onde você começa todos os dias comendo desafios no café da manhã.
Nova York é tão internacional que só me senti mergulhando na cultura americana quando minha filha entrou para a escola e passei a conviver com outras mães: é tudo do avesso e de cabeça para baixo. Se por um lado amo não ter babá, por outro me arrepio com o mundo da pizza de um dólar no almoço, e entro em parafuso quando escuto que “beijos espalham germes”.
Se você tem porteiro, empregada, motorista, babá , folguista e despachante, pense antes de fazer as malas e tirar os filhos da escola, rumo ao exterior. Para sair o Brasil, você precisará rever alguns valores.
Sair da zona de conforto é sempre bom. Viver no país da meritocracia, do compromisso e da palavra, é uma delícia. Andar pela rua sem violência é uma dádiva. Aqui “as coisas funcionam” porque as pessoas funcionam. E mostrar um outro lado da vida para os filhos (e eu não estou falando da Disney, senhoras e senhores) é um privilégio. Um dos grandes aprendizados que meus pais me proporcionaram foi viver (sem eles) por dois meses em um kibutz em Israel, aos 17 anos. Eu trabalhava em uma fábrica de alimentos de soja (na época, o mundo desconhecia a soja; hoje, esse grão vale milhões): levantava às quatro da manhã, no inverno, e fazia de tudo. Um dia, um gerente me deu um balde e disse para eu tirar os resíduos de soja dos ralos. Perguntei a ele: “por que eu?”. Ele respondeu: “por que não você?”
Esse foi um enorme aprendizado para alguém que nasceu num sistema Casa Grande/Senzala, que o Brasil cultiva até hoje, a ponto de ter se tornado invisível para a maior parte dos brasileiros. Se você tem porteiro, empregada, motorista, babá , folguista e despachante, pense antes de fazer as malas e tirar os filhos da escola, rumo ao exterior. Para sair do Brasil, você precisará rever alguns valores. Talvez seja bacana fazer estas perguntas para si, e para quem você estiver pensando em trazer consigo, antes de tomar a decisão de colocar sua mudança num container:
1. Qual cidade a que você se adaptaria melhor? Você encara neve e inverno de bom-humor? Gosta de competitividade? Prefere uma cidade tranqüila?
2. Qual a sua definição de sucesso? Ser o presidente de uma empresa ou poder chegar cedo em casa e jantar com os filhos? Fazer o que você ama sem ganhar muito ou se sujeitar a um trabalho desinteressante ou estressante para garantir um bom salário? Se você já tem uma carreira estabelecida no Brasil, é muito provável que  tenha de dar um ou dois ou três passos atrás em um novo país. Você está disposto a isso?
3. Caso você emigre para um país de língua estrangeira: você fala e escreve inglês? Você fala e escreve espanhol? Português é lindo, o Tom Jobim é famoso e as Havaianas já conquistaram o mundo. Mas a nossa língua, infelizmente, não nos leva muito longe. Sim, há exceções. Você pode trabalhar em empresas brasileiras. Ainda assim, o mundo em volta não fala português.
4. Você tem família no Brasil? Pais vivos? Eles precisam de você? Uma das tristezas de morar fora é ver nossos pais envelhecendo sem a nossa presença. Pense bem nisso.
5. Adaptabilidade é uma das maiores virtudes das “pessoas do mundo”. Qual a sua capacidade de se adaptar a novas rotinas e culturas?
6. Você é casado? Seu marido ou mulher são abertos a mudanças? Estão com a mesma vontade de emigrar? Vivem sem feijoada, futebol e churrasco? Há pessoas que não conseguem abrir mão de alguns hábitos, e têm dificuldade de enxergar as coisas boas do novo país. São os chamados “impermeáveis”: a cultura nova não entra de jeito nenhum. E isso é um problema gravíssimo, que pode acabar em depressão e isolamento.
O Brasil, não posso esquecer, recebeu meus quatro avós, vindos da Alemanha, do Líbano e da Síria. Nessas duas gerações, nosso país deixou de abraçar levas de imigrantes para exportar gente mundo afora. Não se engane: todo mundo sente falta do pão de queijo, da afetividade, da música brasileira. A saudade, no entanto, termina, muitas vezes, na boca do guichê do consulado brasileiro, onde sempre falta uma cópia autenticada de um documento que não serve para nada. Escrevi um livro que reúne depoimentos em primeira pessoa de 23 brasileiros que se mudaram para Nova York. Eles vieram de todos os cantos e origens sociais, mas têm uma característica em comum: a persistência.
Um deles, o fotógrafo Vik Muniz, ressalta que “não existe Shangrilá”. Mesmo emigrando, você vai reclamar de algum aspecto na nova morada. E, depois ou durante uma experiência no exterior, é importante devolver algo ao Brasil. Seja em forma de filantropia, de investimento que gere empregos, ou voltando para melhorar algo que pode ser aprimorado. Por fim: nunca espere que o governo (seja esta lástima atual ou qualquer outro) faça algo por nós ou em nosso lugar. Regra que vale para qualquer lugar do mundo. Mas, especialmente no Brasil, já aprendemos que isso é esperar demais.


Tania Menai é jornalista, escreve para diversas publicações brasileiras e acaba de lançar a Anáma Films, para contar histórias de famílias. Autora do blog “Só em Nova York”, na Revista TPM, ela também colabora para o blog “Tudo sobre Minha Mãe”. Seu livro “Nova York do Oiapoque ao Chuí – relatos de brasileiros na cidade que nunca dorme” está esgotado, mas é vendido no exterior via o site do livro, no Brasil via editora (telefone!), ou pessoalmente no Le P´tit Café, no Rio de Janeiro.
- See more at: http://projetodraft.com/voce-quer-mesmo-deixar-o-brasil-tem-certeza/#sthash.tgaRWVBX.dpuf

domingo, 24 de maio de 2015

Não vai acabar bem - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O GLOBO - 21/05

Não há só crise política no Brasil, mas o fim de um ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite fisiologismo e corrupção


Não é verdade que sempre foi assim, essa roubalheira. Nem que a política brasileira sempre foi essa disputa por interesses pessoais, no máximo partidários.

É clássica a questão sobre a ética na política: é possível ser eficiente e manter os princípios morais? Ou, considerando os ideais políticos: é possível governar sem fazer concessões?

“Nunca abandonamos nossos princípios; nunca mudamos nosso programa; nunca aceitamos alianças espúrias... E nunca governamos”. É mais ou menos o que dizia um quadrinho do argentino Quino — cito de memória — mostrando um ancião discursando para meia dúzia de correligionários numa sala empoeirada.

Humor sempre exagera mas é para, digamos, exagerar uma realidade. Muitas vezes a gente tende a acreditar que a alternativa é essa mesmo: ou o político se mantém fiel ao programa e à ética, e será sempre a honesta oposição, ou faz todo tipo de concessão para alcançar e exercer poder.

Quantas vezes já se disse por aqui que não é possível governar o Brasil sem comprar uns votos?

Mas reparem: ninguém diz isso antes de ser apanhado. Pelo contrário: todos são defensores da ética e da república até o momento em que são flagrados passando o dinheiro.

Ou seja, é uma desculpa de corruptos. E se fosse verdadeira, todos os políticos que viessem a alcançar o poder seriam necessariamente uns bandidos ainda não apanhados. Quase se poderia dizer: um político ladrão é um político normal que foi pego. Que boa parte da população pense assim, é um sinal dos tempos atuais.

Não há apenas uma crise política no Brasil, mas o fim de um ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite o fisiologismo e a corrupção. Fisiologismo — essa é uma palavra velha. Pode ser substituída por clientelismo, e se opõe a idealismo.

O político fisiológico não tem jeito: é aquele que busca o poder, por qualquer meio e aliança, para nomear os correligionários e gastar o dinheiro público com sua clientela. E pronto.

Já o idealista se guia por princípios e programas, mas pode ter alguma flexibilidade. Ou como se diz por aqui: é preciso ter jogo de cintura.

Para citar um político do passado, um dos grandes, Franco Montoro, governador paulista. Lá pelas tantas, em sua campanha de 1982, houve uma enxurrada de adesões: estava na cara que ele ia ganhar as eleições de lavada. Muita gente desembarcava de regime militar ou de suas proximidades para aderir ao novo poder.

Nisso, veio um grupo de sindicalistas, logo contestados pela velha guarda de Montoro. “Esses caras são uns pelegos”, reclamavam. E Montoro: bom, se a gente dividir o mundo entre pelegos e não pelegos, eles caem no lado dos pelegos; mas nunca é bem assim.

Os caras entraram e ficaram por ali, pelos cantos do governo.

Ou a recomendação que fazia Tancredo Neves quando, por conveniência política, precisava nomear alguém não propriamente conhecido pela honestidade: “Arranjem para ele um lugar bem longe do dinheiro”.

Claro que há um limite. Excesso de flexibilidade acaba amolecendo as ideias básicas. Mas dá para fazer.

O que aconteceu nos governos do PT foi diferente. O partido tinha programa, seus militantes tinham princípios. Foi largando tudo pelo caminho.

Na primeira eleição de Lula, começou pela campanha, quando o partido passou a buscar as generosas doações de empresas e empresários para pagar os marqueteiros, já mais importantes que os ideólogos. Depois foi o programa. Prometia substituir o neoliberalismo por algo tipo socializante (ainda não se falava em bolivarianismo) mas, no governo, aplicou política econômica tão ortodoxa que quase ganhou uma estátua no FMI. E para se manter no poder, topou as alianças com todo tipo de fisiologismo. Ao final, como mostraram os processos do mensalão e da Lava-Jato, se chegou à compra de apoio com dinheiro de propina.

Um partido queria ocupar o aparelho do Estado para fazer uma determinada política. Outros queriam o governo para atender à clientela. O método resultou ser o mesmo: nomear os companheiros e usar o dinheiro público para fins partidários, de grupos e pessoais. E o método, como sempre acontece nessa história, se sobrepôs a tudo, princípios e programas.

Se no começo se almejava ganhar a eleição para ocupar o governo e aplicar programa, agora se trata de usar o governo (e o dinheiro público) para se manter no poder. Antes era o dinheiro para a causa. Agora é a causa do dinheiro e não apenas para o partido, mas para o bolso dos chefões.

Todo o núcleo de poder, incluindo do poder no Congresso, está envolvido na Lava-jato. A corrupção atingiu níveis tão altos que a gente nem estranha quando delatores prometem devolver dezenas de milhões de reais. A disputa política é pela sobrevivência, pelos cargos, pelo dinheiro.

Qual é? Sempre foi assim — ainda nos dizem.

Mas não, não é normal e não vai acabar sem uma ruptura.

sábado, 23 de maio de 2015

Falta de normas técnicas para reúso de água ainda é um problema no país, do site Abes


PDFImprimirE-mail
Qua, 03 de Abril de 2013 17:53
Essa longa discussão sobre a preservação do meio ambiente, cuidar do planeta cai, diretamente, na questão do desperdício de água. Neste caso, recorremos a uma solução antiga: reutilizar a água. Fazemos isso há um bom tempo, pois a água que bebemos, de certa maneira, também é tratada e reutilizada. Entretanto, o desperdício excessivo vem sendo debatido pelos ambientalistas, uma vez que a abundância que pensamos ter, pode e deve acabar em algumas décadas segundo cientistas. Por isso, o reúso e o aproveitamento de água seria a melhor provisão para evitar uma catástrofe mundial. Embora os dois tópicos sejam distintos, ambos tem a finalidade de reutilizar a água.
A economia de bilhões de litros de água por dia fazem o alto investimento valer a pena. Para uma residência, por exemplo, que deseja fazer a instalação do sistema para o aproveitamento de água de chuva, considerando inclusive, obras civis e reservatório, fica em torno de quinze mil reais. Este é um custo benefício para a população e o meio ambiente. No entanto, o procedimento para este sistema é mais simples no sentido de ter um respaldo técnico para se basear. Contudo, quando se trata de reúso de água permanecemos em um impasse: a falta de normas técnicas.
Muitas empresas investem para que seja possível o processo de reúso de água, mas acabam quase que fazendo as cegas, pois não temos normas ou diretrizes para serem seguidas.
Existem basicamente duas normas que tratam de reúso de água no Brasil: a Resolução CNRH nº 54/2005 e a Norma NBR 13969/1997, que tem abrangência nacional. O Conselho Nacional de Recursos Hídrico (CNRH) na resolução Nº 54, de 28 de novembro de 2005, descreve, ainda que sucintamente, quatro modalidades para prática de reúso direto não potável: para fins agrícolas, ambientais, indústrias e aquicultura. Essa resolução é uma norma geral, enquanto a NBR 13969, que não é específica para reúso, tem um item dedicado ao tema, inclusive com a definição de classes de água de reúso e indicação de padrões de qualidade, que descreve as unidades de pós-tratamento e sugere alternativas de disposição final de efluentes líquidos de tanques sépticos.
• Classe 1: Lavagem de carros e outros usos;
• Classe 2: Lavagens de pisos, calçadas e irrigação dos jardins, manutenção dos lagos e canais para fins paisagísticos, exceto chafarizes;
• Classe 3: Reúso nas descargas dos vasos sanitários;
• Classe 4: Reúso nos pomares, cereais, forragens, pastagens para gados e outros cultivos através de escoamento superficial ou por sistema de irrigação pontual.
Além destas, existem várias normas municipais que tratam desta questão. No caso das normas municipais, a maioria delas, de alguma forma impõem a necessidade de programas de reúso, porém não apresentam nenhuma orientação técnica para a sua aplicação.
Com o crescimento de interesse pelo tema, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) criou a norma NBR 15527/07 “Aproveitamento de água de chuva para áreas urbanas e fins não potáveis”, mas nenhuma, pelo menos por enquanto, para o reúso de água que, de acordo com a ABNT, esta possibilidade já está sendo verificada.
Alguns municípios como Curitiba e São Paulo, entre outros, propuseram normas para impor a prática do aproveitamento de água da chuva, porém como já mencionado ocorre da mesma forma como no caso das normas para reúso, ou seja, sem qualquer orientação técnica. Em São Paulo, por exemplo, tem a lei que ficou conhecida como a Lei das Piscininhas, cujo principal objetivo é minimizar o escoamento superficial de água durante as chuvas, Lei nº 13.276/2002. O que contribui e bastante para a economia de bilhões de litros de água, mas isso não vem ao caso, pois com a falta de legislação essa alternativa não é possível assegurar eficácia na segurança.
Como não há normalização específica e nem diretrizes para o reúso de água, algumas empresas tentam outras alternativas como destaca o professor no departamento de Eng. Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP e Coordenador de Projetos da CIRRA – Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, Dr. José Carlos Mierzwa: “Normalmente, quando se pretende implantar programas de reúso mais abrangentes, os profissionais fazem consultas à diretrizes internacionais, como da Organização Mundial da Saúde (WHO Guidelines for the safe use of wastewater, excreta and Greywater) ou da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA Guidelines for Water Reuse)”.
Normalização internacional
Para o engenheiro especialista em química ambiental, Henrique Martins da empresa Eqma Engenharia & Consultoria, apesar de várias empresas terem alto investimento e portanto cobrarem alguma legislação para facilitar a atuação no processo, é a falta de preparo e investimento em pesquisas e equipamentos de outras que compromete o resultado da água, podendo não ser satisfatória.
Como não existe uma norma específica para o reúso, uma alternativa é o Brasil adotar a normalização de outros países. Alguns países como a Alemanha utiliza a água da chuva para fins não potáveis, mas a Austrália já utiliza para fins potáveis.
“Estamos marcando com a ABNT revisão da norma NBR 15527/07 para incluirmos a área rural e o uso de água potável e aguardando decisão da ABNT que será a de adaptar alguma norma europeia para o Brasil com finalidade de reúso”, afirma o professor da ABNT e Diretor-Presidente da Agência de Regulação dos Serviços de Saneamento Básico da cidade de Guarulhos (AGRU), Plínio Tomaz.
Apesar de ser uma alternativa a adoção de normas europeias, é preciso levar em consideração alguns aspectos diferenciais do nosso país para o uso dessas normas, como ressalta o Dr. José Carlos: “A possibilidade de utilização de normas internacionais é uma opção, porém elas devem ser avaliadas com critério para aplicação no país, principalmente pelas diferenças culturais e também pelo nível de desenvolvimento tecnológico. Muitas vezes os padrões de normas de reúso internacionais acabam sendo mais restritivos ou equivalentes aos padrões de qualidade que são utilizados para a água potável no Brasil, principalmente pelo fato de nos países desenvolvidos as tecnologias de tratamento de água para abastecimento e esgotos serem mais modernas. A discussão sobre normas para reúso no Brasil já ocorrem há muito tempo, mas até o momento não se chegou a nenhum consenso sobre uma norma que pudesse ser efetivamente adotada e não mais uma norma. Não adianta tentar usar normas muito restritivas, pois elas não incentivam a prática do reúso, assim como normas genéricas não dão condições de segurança para quem quer implantar programas de reúso”.
Mas o que nos impede de ter nossa própria normalização? Para o Dr. José Carlos, a respostas está relacionada a diversos aspectos, dentre eles a questão da prioridade: “O impedimento está no tema da relevância da água para o desenvolvimento não ser prioritário nas agendas dos diversos atores envolvidos, se fosse, já teria sido desenvolvido um arcabouço legal específico para tratar do tema. A ausência de normas sobre reúso não impediram várias iniciativas em regiões que tem problemas críticos em relação à disponibilidade e demanda de água. O que ocorre em geral é a norma ser criada com base nas experiências já existentes, sem a necessidade de se importar normas de outros países. O bom senso é a melhor ferramenta que temos disponível”, argumenta ele.
O outro aspecto é que, apesar da capacidade técnica e pesquisadores mundialmente reconhecidos, segundo o engenheiro químico, Henrique Martins, o Brasil ainda carece de estrutura e organização política para o completo desenvolvimento das pesquisas. E que, por isso, as ações para reutilização de água potável, águas naturais e etc, são baseadas em regulamentações de outros países, efetuando-se apenas pequenas modificações e adaptações à nossa realidade, não havendo de fato um desenvolvimento científico integralmente nacional.
Diferentemente dos demais países, no Brasil ainda é lenta a iniciativa para estes programas de reúso de água. Fica até difícil mensurar o nosso atraso com qualquer país europeu, porque estamos falando de países desenvolvidos e a falta de normas não nos permite uma comparação justa, como explica o especialista Henrique Martins: “Como não temos uma norma nacional ou legislações específicas para reúso fica difícil efetuar a comparação, porém a título de curiosidade, na Califórnia, estado americano, existem normas para reúso agrícola, entre os quais alguns parâmetros são mais restritivos que a nossa portaria Nº 2914 de 12 de dezembro de 2011 que dispõem sobre procedimento de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade”.
Existe a expectativa de ter este processo normalizado em breve, entretanto com otimismo ainda que tímido, o reúso potável, ao que parece, permanece uma descrença até para alguns especialistas no assunto. “O reúso potável é um tema extremamente complexo e pouco explorado, acredito que vai permanecer assim por muito tempo, pois esta modalidade envolve diversos aspectos de saúde pública e ambiental, tecnologias de ponta, associados a custos extremamente elevados. Devemos mencionar que toda água que dispomos hoje é a mesma de milhões de anos atrás, sendo que esta é reciclada pelo ciclo natural da água através de infinitas repetições de evaporação e precipitação”, opina Martins.
A importância da regulamentação
A falta de normas não impediu que algumas cidades do país com graves problemas de disponibilidade e demanda de água tivessem a iniciativa do reúso, mas implica na segurança do procedimento deste reúso, uma vez que, não havendo diretrizes ou especificações as empresas não tem padrões para se basear.
“Como todo projeto de engenharia de sistema de tratamento deve-se ter conhecimento da qualidade da água bruta e da água tratada para se estabelecer os processos que serão necessários, portanto com maior disponibilidade de normas para reúso, certamente haverá maior segurança, agilidade e melhoria na comunicação entre as empresas que buscam no reúso uma fonte de alternativa visando à economia e preservação de recursos, além das empresas fabricantes de equipamentos focarem no projeto de especificações das normas. Atualmente, as empresas solicitantes do sistema muitas vezes não têm as especificações de qualidade para o reúso, ficando sob responsabilidade da empresa fabricante especificar a qualidade da água”, diz o especialista Henrique Martins.
Procedimentos estes que determinam a qualidade da água de reúso, cujo o resultado final afeta diretamente o usuário, como complementa Martins: “A existência de uma norma ou mesmo legislação específica para reúso de água seria de extrema importância para segurança dos usuários quanto a exposição e garantia da qualidade da água de reúso”.
Conscientização
Não se sabe quanto tempo irá demorar para que tenhamos a normalização para o reúso, mas é certo que o procedimento sendo regulamentado, além de trazer maior segurança e eficácia no processo, também despertará maior interesse no tema. Contudo, não é apenas a existência de legislações que proporcionaria programas de reúso, mesmo assim, é válida a iniciativa dos programas de redução do consumo de água para depois seguir com as ações de regulamentação de normas, como analisa o Dr. José Carlos: “Ao meu ver, ainda precisamos avançar em vários temas distintos, como conservação da água, melhoria dos índices de coleta e tratamento de esgotos, inclusive com tecnologias mais apropriadas para os dias atuais e mesmo em programas de reúso não potável. Depois disto, caso ainda seja necessário, a questão do reúso potável poderia ser colocada na pauta de discussões”.
Fonte: Revista TAE