Por Arnaldo Jardim*
As colheitadeiras e cortadores avançam sobre os canaviais, as moendas retiram o caldo da cana, as caldeiras começam a produção de etanol, de açúcar e de bioeletricidade que devem alimentar postos de combustíveis, gôndolas, redes de transmissão de energia elétrica e pelos portos ganhar o mundo.
Começa mais uma safra na região Sudeste, em meio a grandes expectativas de expansão nos mercados, interno e externo, uma crescente concentração no setor sucroenergético, com fusões e aquisições, e reestruturação financeira, após quase dois anos de preços retraídos.
Por isso, urge a necessidade de contarmos com um melhor planejamento, estabilidade e previsibilidade da produção, no sentido de atendermos a atual demanda, evitarmos grandes oscilações de preços e começarmos a pavimentar o caminho rumo à liderança mundial no setor de biocombustíveis.
A decisão da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA de considerar o etanol produzido a partir da cana um combustível avançado – que reduz a emissão de dióxido de carbono em mais de 40% na comparação com a gasolina – derruba uma das principais barreiras não tarifárias à entrada do etanol brasileiro no mercado americano e, pode representar, ainda, a abertura do mercado global. Trata-se do resultado de um formidável trabalho que a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) tem desempenhando junto ao Congresso e Governo norte-americanos. Hoje, o Brasil exporta 1,5 bilhões de litros para os EUA, até 2022, este volume pode saltar para 15 bilhões de litros.
Cada vez mais, o segmento de mercadorias e futuros da BM&F Bovespa é utilizado como referência de preço e demanda para commodities agrícolas, deixando de lado o papel da bolsa como plataforma auxiliar de escoamento de produção do agronegócio. Por isso, a bolsa brasileira prepara o lançamento de um novo contrato de etanol, trocando a entrega física por liquidação financeira, para enfim, fazer esta operação decolar.
Participei, recentemente, da Convenção Latino Americana do Projeto de Sustentabilidade Global dos Biocombustíveis (GSB), que reuniu especialistas nacionais e estrangeiros. Na ocasião, o Prof. Dr. Lee Lynd, presidente do Comitê Diretor da entidade, foi taxativo: o Brasil tem condições de ser o primeiro a produzir comercialmente o etanol celulósico e se tornar líder neste mercado.
O fracasso da reunião das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP 15 pode ter, momentaneamente, refreado o entusiasmo de alguns quanto o estabelecimento de um mercado global de biocombustíveis, mas a realidade é cristalina: produzimos o combustível renovável mais competitivo e ambientalmente correto do mundo, temos experiência de quase 40 anos na produção e uso em larga escala, dispomos de terras abundantes (principalmente pastagens degradadas) e clima propício, além de dominarmos a melhor tecnologia de produção.
Não é por acaso, que estamos observando um grande processo de concentração, inclusive, com grandes empresas estrangeiras adquirindo unidades produtoras ou estabelecendo joint-ventures. Aproveitaram-se da crise que abateu o setor sucroenergético, em 2007, com a queda drástica nos preços do açúcar e do etanol, e foi aprofundada com a recente crise global. Com isso, houve redução de investimentos previstos e falta de liquidez para honrar os compromissos com fornecedores, tradings e agentes financeiros.
O Governo até acenou com a possibilidade de utilizar a Petrobras para barrar a “invasão” estrangeira, mas esqueceu-se de oferecer condições para que as empresas de pequeno e médio porte possam sobreviver e competir neste mercado. O BNDES poderia dispor de linhas de financiamento específicas para fortalecer o capital de giro e estruturar empresas deste porte.
Diante deste quadro, fica evidente que as demandas ficaram mais complexas, pois o setor sucroenergético se tornou estratégico para o País. Por isso, o Legislativo terá um papel fundamental na elaboração e aprovação de propostas que sejam capazes de alicerçar o crescimento sustentável desta atividade econômica.
Cientes de que estamos falando de uma atividade privada, é fundamental sermos capazes de compatibilizar seus interesses com os interesses do Estado. Defendo a definição do papel estratégico da bioeletricidade e do etanol na matriz energética. Para tanto, defendo a formação de uma Secretaria Nacional para o Desenvolvimento das Energia Renováveis, órgão que estaria ligado diretamente à Presidência da República, com a participação de toda a cadeia produtiva. Hoje, estas questões se dispersam em vários ministérios e secretárias, com diferentes linhas de abordagem, interesses e grau de atuação.
Entre suas atribuições, destaco a elaboração de um marco regulatório específico para os biocombustíveis, capaz de melhorar o planejamento, assegurar estabilidade e a previsibilidade na produção. Para tanto, defendo as seguintes propostas:
– Fortalecer as comercializadoras e rever a atual estrutura de comercialização que penaliza o produtor;
– Estabelecer um tratamento tributário diferenciado para os biocombustíveis, com: alíquota nacional de ICMS; IPI diferenciado; uso da CIDE como imposto ambiental e regulatório;
– Definir as responsabilidades quanto ao transporte e a logística, fortalecendo parcerias entre governo e iniciativa privada (ex.: PPPs) para viabilizar a construção de alcooldutos, hidrovias e ferrovias. Segundo a ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness, demonstram que o custo para transportar o etanol por tudo chega a 30% do valor total feito por caminhão, que hoje corresponde a 10% do custo final da produção;
– Garantir a warrentagem como um instrumento anual, com recursos orçamentários garantindos. A elevação brusca, por mais que saibamos a razão (alta incidência de chuvas, sobra de cana e proço aviltante, no meio do ano, que impulsionaram o consumo), o fato é que isto provocou um desgaste da imagem do produto e estão sendo feitas tratativas junto, ao Ministério de Fazenda, que precisam avançar;
– Estabelecer uma estratégia de comercialização internacional dos biocombustíveis nas diferentes esferas de discussões internacionais;
– O estabelecimento da bioeletricidade como fonte energética prioritária em complementariedade à energia hídrica, a partir da garantia de compra, da realização de leilões de energia nova voltados para a bioeletricidade, de ampliação das linhas de financiamento, de isenções fiscais para a substituição e compra de maquinário visando à criação de excedentes para a rede pública, além de assegurar a conexão do empreendimento com a rede de distribuição. Está previsto um leilão de energia nova para o próximo mês de abril, mas há necessidade de que outros sejam realizados, assegurando a premissa de complementariedade, além da necessidade de incorporar no preço as demandas da energia oriunda da biomassa.
Também é preciso saldar a disposição do poder público, do setor produtivo e dos trabalhadores de se anteciparem as novas exigências socioambientais, a partir do estabelecimento de um grande pacto nacional. Este envolve a melhoria das condições de trabalho e estímulo a requalificação profissional; a antecipação do prazo para o uso da queima na colheita; o zoneamento ecológico; e a ampliação dos investimentos em inovação e pesquisa; além de aumentar a participação da bioletricidade nos leilões de energia nova.
Ninguém discute as excelentes perspectivas para o nosso setor sucroenergético, afinal temos as melhores condições geográficas, climáticas, culturais, econômicas e tecnológicas. Portanto, o papel do Brasil pode ser – e será – extraordinário e estamos nos preparando para isto.
Entretanto, para que as expectativas de mercado se confirmem, empresas, governos e o setor produtivo precisam estar atentos para as novas exigências de um mercado em formação: comercialização eficiente, respeito às normas socioambientais e investimentos permanentes em pesquisa e desenvolvimento.
Precisamos fazer valer o futuro promissor para o setor sucroenergético que se tornou um orgulho nacional e uma referência para o mundo de que é possível gerar energia de maneira limpa, eficiente e renovável.
Deputado Arnaldo Jardim – membro da Comissão de Minas e Energia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal.
arnaldojardim@arnaldojardim.com.br
http://www.arnaldojardim.com.br
http://twitter.com/ArnaldoJardim
terça-feira, 30 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Água engarrafada, Ícone do desperdício
por Andrea Vialli, do Estadão
No Brasil a discussão ainda é embrionária. Mas em países da Europa e nos Estados Unidos a água engarrafada está na mira de críticos de seus processos de produção e de ambientalistas há pelo menos cinco anos. Recentemente as Nações Unidas se uniram a esse coro: a água engarrafada se tornou, assim como as sacolas plásticas do supermercado, um ícone do desperdício dos tempos atuais. E também da desigualdade social.
Isso porque enquanto cerca de 900 milhões de pessoas no mundo ainda não tem acesso à água de boa qualidade, segundo dados da ONU, uma parte mais abastada consome água engarrafada, mesmo tendo acesso à água tratada. E o consumo excessivo de água engarrafada em todo o mundo pode levar à superexploração de aquíferos, o que deixaria um legado de falta d’água para gerações seguintes – enquanto o lucro com a venda de água permanece privatizado.
A maior parte da água engarrafada comercializada no mundo é feita por grandes multinacionais, como Nestlé, Danone, Coca-Cola, PepsiCo, entre outras. As empresas têm sido acusadas de criar uma falsa demanda pela água engarrafada, mesmo em lugares onde a qualidade da água fornecida pelas companhias de saneamento é considerada satisfatória (alô, grandes cidades brasileiras!). Há quem diga que a “obrigatoriedade” de se beber dois litros de água por dia foi outra falsa demanda criada pela indústria de bebidas.
Outro problema criado pelo aumento do consumo dessas águas é a poluição causada pelas embalagens. As empresas estimulam o consumo, sem se preocupar em dar um destino correto às garrafas plásticas, gerando ainda mais lixo, que como sabemos, vão parar no lugar errado. Só nos EUA são descartadas por ano 50 bilhões de embalagens plásticas de água. Menos de 10% são recicladas.
A ONU já lançou campanhas para que restaurantes passassem a oferecer a seus clientes a opção de água filtrada, sem custo para o cliente. Em recente viagem à Europa, pude constatar que muitos restaurantes aderiram, enquanto outros nunca deixaram de servir ‘tap water’ – água de torneira. No Brasil a tendência já chegou – em São Paulo, foi criado o projeto Água na Jarra, uma iniciativa da economista Letycia Janot e da advogada Maria Fernanda Franco, que ainda não foi lançada oficialmente mas que terá apoio da prefeitura da capital e do governo paulista. Alguns restaurantes já aderiram: quem quiser saber mais pode consultar o site aqui.
Por último, o vídeo The Story of Bottled Water (”A História da Água Engarrafada”, em tradução livre), produzido por Annie Leonard (a mesmo do “A História das Coisas”, um sucesso na internet) e lançado no Dia Mundial da Água expõe as razões para se reduzir o consumo das garrafinhas de água. Vale a pena tomar conhecimento e refletir sobre hábitos que acabam se tornando banais mas que têm seus impactos sobre o planeta.
No Brasil a discussão ainda é embrionária. Mas em países da Europa e nos Estados Unidos a água engarrafada está na mira de críticos de seus processos de produção e de ambientalistas há pelo menos cinco anos. Recentemente as Nações Unidas se uniram a esse coro: a água engarrafada se tornou, assim como as sacolas plásticas do supermercado, um ícone do desperdício dos tempos atuais. E também da desigualdade social.
Isso porque enquanto cerca de 900 milhões de pessoas no mundo ainda não tem acesso à água de boa qualidade, segundo dados da ONU, uma parte mais abastada consome água engarrafada, mesmo tendo acesso à água tratada. E o consumo excessivo de água engarrafada em todo o mundo pode levar à superexploração de aquíferos, o que deixaria um legado de falta d’água para gerações seguintes – enquanto o lucro com a venda de água permanece privatizado.
A maior parte da água engarrafada comercializada no mundo é feita por grandes multinacionais, como Nestlé, Danone, Coca-Cola, PepsiCo, entre outras. As empresas têm sido acusadas de criar uma falsa demanda pela água engarrafada, mesmo em lugares onde a qualidade da água fornecida pelas companhias de saneamento é considerada satisfatória (alô, grandes cidades brasileiras!). Há quem diga que a “obrigatoriedade” de se beber dois litros de água por dia foi outra falsa demanda criada pela indústria de bebidas.
Outro problema criado pelo aumento do consumo dessas águas é a poluição causada pelas embalagens. As empresas estimulam o consumo, sem se preocupar em dar um destino correto às garrafas plásticas, gerando ainda mais lixo, que como sabemos, vão parar no lugar errado. Só nos EUA são descartadas por ano 50 bilhões de embalagens plásticas de água. Menos de 10% são recicladas.
A ONU já lançou campanhas para que restaurantes passassem a oferecer a seus clientes a opção de água filtrada, sem custo para o cliente. Em recente viagem à Europa, pude constatar que muitos restaurantes aderiram, enquanto outros nunca deixaram de servir ‘tap water’ – água de torneira. No Brasil a tendência já chegou – em São Paulo, foi criado o projeto Água na Jarra, uma iniciativa da economista Letycia Janot e da advogada Maria Fernanda Franco, que ainda não foi lançada oficialmente mas que terá apoio da prefeitura da capital e do governo paulista. Alguns restaurantes já aderiram: quem quiser saber mais pode consultar o site aqui.
Por último, o vídeo The Story of Bottled Water (”A História da Água Engarrafada”, em tradução livre), produzido por Annie Leonard (a mesmo do “A História das Coisas”, um sucesso na internet) e lançado no Dia Mundial da Água expõe as razões para se reduzir o consumo das garrafinhas de água. Vale a pena tomar conhecimento e refletir sobre hábitos que acabam se tornando banais mas que têm seus impactos sobre o planeta.
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