terça-feira, 1 de março de 2022

Paul Krugman - Rússia é uma superpotência Potemkin, FSP (definitivo)

 

Cuidado, Vladimir Putin: a primavera está chegando. E quando ela chegar você perderá grande parte da vantagem que ainda tiver.

Antes que Putin invadisse a Ucrânia, eu poderia ter descrito a Federação Russa como uma potência de médio porte lutando acima do seu peso em parte por explorar as divisões e a corrupção ocidental, em parte por manter uma poderosa força militar. Desde então, porém, duas coisas ficaram claras. Primeiro, Putin tem ilusões de grandeza. Segundo, a Rússia está ainda mais fraca do que a maioria das pessoas, inclusive eu, parecia perceber.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou - Sergei Guneyev - 27.fev.2022/AFP

Há muito está evidente que Putin quer desesperadamente restabelecer a posição da Rússia como Grande Potência. Seu já infame discurso de "não existe algo chamado Ucrânia", em que ele condenou Lênin (!) por dar a seu vizinho o que Putin considera uma falsa sensação de identidade, deixou claro que seu objetivo vai além de recriar a União Soviética --ele aparentemente quer recriar o império czarista. E aparentemente pensou que poderia dar um grande passo nesse sentido com uma guerra curta e vitoriosa.

Até agora não saiu conforme planejado. A resistência ucraniana tem sido feroz; os militares russos foram menos eficientes do que se anunciava. Fiquei especialmente marcado por reportagens de que os primeiros dias da invasão foram prejudicados por graves problemas logísticos --isto é, os invasores tiveram dificuldade para equipar suas forças com o básico da guerra moderna, principalmente combustível. É verdade que problemas de abastecimento são comuns na guerra; mas a logística é uma coisa em que os países avançados deveriam ser realmente bons.

Entretanto, a Rússia parece cada vez mais menos um país avançado.

A verdade é que eu estava sendo generoso ao descrever a Rússia como uma potência de médio porte. A Grã-Bretanha e a França são potências de médio porte; o PIB da Rússia é apenas pouco mais da metade de cada uma delas. Parecia notável que um estado tão economicamente peso-leve pudesse sustentar militares de classe mundial, altamente sofisticados --e talvez não pudesse.

Isto não pretende negar que a força que arrasa a Ucrânia tem enorme poder de fogo e pode até tomar Kiev. Mas eu não me surpreenderia se a análise posterior à guerra da Ucrânia acabar mostrando que havia muito mais podridão no centro dos militares de Putin do que qualquer um percebia.

E a Rússia começa a parecer ainda mais fraca economicamente do que antes de ir à guerra.

Putin não é o primeiro ditador brutal a fazer de si próprio um pária internacional. Até onde posso ver, entretanto, ele é o primeiro a fazê-lo enquanto preside uma economia profundamente dependente do comércio internacional --e com uma elite política acostumada, mais ou menos literalmente, a tratar as democracias ocidentais como seu quintal.

Pois a Rússia de Putin não é uma tirania hermética como a Coreia do Norte ou, em certo sentido, a antiga União Soviética. Seu padrão de vida é sustentado por grandes importações de bens manufaturados, a maioria paga por exportações de petróleo e gás natural.

Isso deixa a economia russa altamente vulnerável a sanções que podem perturbar seu comércio, realidade refletida na forte queda na segunda-feira (28) no valor do rublo, apesar de um grande aumento nas taxas de juros domésticas e tentativas draconianas de limitar a fuga de capitais.

Antes da invasão era comum falar sobre como Putin tinha criado a "fortaleza Rússia", uma economia imune a sanções econômicas, acumulando um enorme tesouro de guerra em reservas cambiais. Hoje, porém, esse discurso parece ingênuo. O que, afinal, são reservas cambiais? Não são sacos de dinheiro. Na maior parte, elas consistem em depósitos em bancos internacionais e propriedades em dívidas de outros governos --isto é, ativos que podem ser congelados se a maior parte do mundo se unir em repulsa contra a agressão militar de um governo vilão.

É verdade, a Rússia também tem um volume substancial de ouro no país. Mas quão útil é esse ouro como meio de pagar por coisas de que o regime Putin precisa? Você pode realmente conduzir uma empresa moderna de grande escala com lingotes?

Finalmente, como comentei na semana passada, os oligarcas russos estocaram a maior parte de seus ativos no exterior, tornando-os sujeitos a congelamento ou confisco se governos democráticos quiserem. Você poderia dizer que a Rússia não precisa desses ativos, o que é verdade. Mas tudo o que Putin fez no cargo sugere que ele considera necessário comprar o apoio dos oligarcas, por isso sua vulnerabilidade é a vulnerabilidade dele.

Incidentalmente, um enigma sobre a imagem de força da Rússia pré-Ucrânia era como um regime cleptocrático conseguia ter militares eficientes e efetivos. Talvez não tivesse.

Mesmo assim, Putin ainda tem um ás na manga: políticas ineficazes tornaram a Europa profundamente dependente do gás natural russo, potencialmente inibindo a reação do Ocidente à sua agressão.

Mas a Europa queima gás principalmente para aquecimento; o consumo de gás é 2,5 vezes maior no inverno do que no verão. Bem, o inverno vai acabar em breve --e a União Europeia tem tempo para se preparar para mais um inverno sem gás russo se estiver disposta a fazer opções difíceis.

Como eu disse, Putin pode até tomar Kiev. Mas mesmo que o faça ele terá se tornado mais fraco, e não mais forte. A Rússia agora se revela uma superpotência Potemkin, com muito menos força real do que parece.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


Rússia diz que vai atacar Kiev e pede que moradores se afastem, dizem agências russas, OESP

 Redação, O Estado de S.Paulo

01 de março de 2022 | 11h08
Atualizado 01 de março de 2022 | 11h24

Rússia vai atacar locais que pertencem aos serviços de segurança e à unidade de operações especiais da Ucrânia em Kiev, afirmou o Ministério de Defesa russo, segundo as agências de notícias russas Tass e RIA.

O ministério russo afirma que a medida será tomada para evitar “ataques de informação” contra a Rússia. Segundo as agências, os russos pedem para que as pessoas perto dos locais em Kiev deixem as áreas.

"Para suprimir os ataques de informação contra a Rússia , as instalações tecnológicas do SBU e o 72º centro PSO principal em Kiev serão atingidos com armas de alta precisão; Pedimos aos os moradores de Kiev que vivem perto dos locais que deixem suas casas", disse o representante oficial do departamento militar, major-general Igor Konashenkov.

Ucrânia - Polônia
Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro  Foto: Yara Nardi/Reuters

Ele observou que, com o início da operação militar especial, o número de ataques de informações a várias instituições governamentais russas aumentou - como mensagens para atacar cidadãos russos em escolas, jardins de infância, ferrovias e estações.

O Ministério da Defesa da Rússia enfatizou que eles não atingem alvos civis no território da Ucrânia - apenas infraestrutura militar, e que a população civil não estaria em perigo.

Os números parecem contradizer a Rússia. O Ministério do Interior da Ucrânia informou que até segunda 352 civis ucranianos já foram mortos durante a invasão da Rússia ao país, incluindo 14 crianças, segundo a Associated Press (AP).

 

PARA ENTENDER

Entenda a crise entre Rússia e Otan na Ucrânia

O que começou como uma troca de acusações, em novembro do ano passado, evoluiu para uma crise internacional com mobilização de tropas e de esforços diplomáticos

Segundo o ministério, cerca de 1.684 pessoas, incluindo 116 crianças, ficaram feridas durante a invasão iniciada na quinta, 24.

Segundo a agência de noticias Ria, nas últimas semanas, a situação na região do Donbass, onde ficam as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk piorou, com o governo ucraniano concentrando  a maior parte de seu exército na linha de contato e bombardeando a região com equipamentos proibidos pelos acordos de Minsk. 

Sanções não farão Rússia mudar de ideia, diz Kremlin 

As sanções ocidentais não farão a Rússia mudar de ideia sobre a Ucrânia, disse nesta terça, 1.°, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

“Os EUA são fãs de sanções, e a adesão a essa prática se espalhou pela Europa. Eles provavelmente acreditam que podem nos persuadir a mudar nossa posição por meio de sanções. Evidentemente, isso é impossível”, disse Peskov a repórteres.

Ele também disse que o apelo do ministro das Finanças francês Bruno Le Maire na segunda-feira para uma guerra econômica total contra a Rússia não mudou a situação.

“Esta não é a primeira declaração desse tipo. E sim, as ações agressivas contra nosso país são de natureza ultraconcentrada agora. Mas essas ações também ocorreram antes”, acrescentou Peskov.

Peskov disse que é muito cedo para avaliar a operação militar, que o Kremlin se recusa a chamar de "guerra", e não deu números sobre baixas russas. 

Apesar dos relatos da ONU de baixas entre civis, Peskov disse que a Rússia não tem culpa, e afirmou serem falsas as alegações de ataques russos a alvos civis e o uso de bombas de fragmentação e bombas a vácuo como falsas, informou a Reuters.

“As tropas russas não estão atacando a infraestrutura civil ou a população como parte da operação especial. Estamos falando apenas de desmilitarização da Ucrânia, de objetos militares. Em muitos casos, o fogo vem dos grupos nacionalistas que usam objetos civis como escudo”, disse ele.

Ele acrescentou que o Kremlin continua a reconhecer Volodmir Zelenski como presidente da Ucrânia e não interferirá nas futuras eleições presidenciais.

“O Kremlin não tem nada a ver com eleições na Ucrânia. O Kremlin não pode participar das eleições ucranianas. É um país diferente”, disse ele quando questionado sobre a situação política após o término da operação especial.

Ofensiva a Kiev

Um comboio massivo de tanques e blindados russos começou a se deslocar em direção a Kiev entre a noite de segunda-feira, 28, e a madrugada desta terça, 1°, em mais uma ofensiva de Moscou contra o território ucraniano.

Enquanto a fileira de veículos militares com 64 km de extensão se posicionava a menos de 30 km da capital, bombardeios atingiam cidades importantes da Ucrânia, que tenta resistir até que novas rodadas de negociação diplomática tentem chegar a um cessar-fogo.

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Imagem fornecida pela Maxar Technologies mostra um comboio militar russo a noroeste de Invankiv, na Ucrânia; estimativa é que fila de blindados se estenda por 64 km Foto: Maxar Technologies via AP

A manhã (madrugada em Brasília) começou com novos bombardeios em Kiev e em outras cidades-chave da Ucrânia. Sirenes de alerta foram disparadas na capital e em Vinnytsia, Uman e Cherkasy, noticiou a imprensa local.

Em Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, áreas residenciais foram bombardeadas, causando a morte de pelo menos sete pessoas, com dezenas ficando feridas. Eles alertaram que as baixas podem ser muito maiores.

O chefe da região de Kharkiv, Oleg Synegubov, denunciou que um dos bombardeios atingiu o centro da cidade, incluindo a sede do governo.

Synegubov disse que os russos utilizaram mísseis de cruzeiro e GRAD no ataque, e acusou a Rússia de cometer crimes de guerra. O controle da cidade, contudo, permanece com as forças ucranianas.

O jornal The Guardian classificou o ataque como uma tentativa de matar o governador de Kharkiv. Os russos negam atacar áreas residenciais - apesar das abundantes evidências de bombardeios de casas, escolas e hospitais.

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No ataque mais letal, a artilharia russa atingiu uma base militar em Okhtyrka, uma cidade entre Kharkiv e Kiev, e mais de 70 soldados ucranianos foram mortos, escreveu o chefe da região, Dmitro Zhivtski.

O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, disse acreditar que o aumento dos bombardeios é mais uma forma de Putin pressionar por condições mais favoráveis à Rússia nas negociações diplomáticas. "Acredito que a Rússia está tentando pressionar (a Ucrânia) com este método simples", disse Zelenski na segunda-feira, em um discurso em vídeo.

Ele não deu detalhes das conversas diplomáticas da segunda, mas disse que Kiev não está preparada para fazer concessões "quando um lado está atingindo o outro com foguetes de artilharia".

A disputa se alastrou em outras cidades e vilas em todo o país. A cidade portuária estratégica de Mariupol, no Mar de Azov, está "aguentando", disse o conselheiro de Zelenski, Oleksiy Arestovich. Um depósito de petróleo foi bombardeado na cidade oriental de Sumy.

Em Kherson, no sul do país, o prefeito Igor Kolikhayev afirmou que forças russas chegaram "às portas da cidade" durante a madrugada. "O exército russo está instalando postos de controle nas entradas de Kherson. É difícil dizer como a situação vai evoluir", disse, acrescentando que a cidade "continuava ucraniana" e pedindo para os moradores resistirem.

Apesar de sua vasta força militar, a Rússia ainda não tinha controle do espaço aéreo ucraniano, uma surpresa que pode ajudar a explicar como a Ucrânia evitou até agora uma derrota.

Na cidade litorânea de Berdyansk, dezenas de manifestantes gritaram com raiva na praça principal contra os ocupantes russos, gritando para eles irem para casa e cantando o hino nacional ucraniano. Eles descreveram os soldados como jovens recrutas exaustos./AP, AFP e REUTERS